Quem é que não quer mudar o mundo aos 24 anos? Ou, pelo menos, ajudar a torná-lo melhor? Carolina Pacini está empenhada nisso. Nasceu no Rio de Janeiro em 1996 e foi aí que se licenciou em Microbiologia e Imunologia. Foi já durante o mestrado em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que teve contato com trabalho de laboratório e percebeu que queria continuar a fazer investigação. Não só pelo trabalho em si, mas por aquilo que significa: a esperança de mudar o mundo.

Acho incrível a possibilidade de ajudar de uma forma realmente prática, neste caso, estudando mecanismos que vão poder aperfeiçoar técnicas médicas e aumentar as possibilidades de curar algumas doenças.”

Carolina aterrou em Lisboa a 30 de Setembro de 2019 e, no dia seguinte, uma terça-feira, atravessou pela primeira vez as portas do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, junto ao Hospital de Santa Maria. Nunca tinha estado nem no iMM nem sequer em Portugal, mas já sabia há muito que era para aqui que queria vir, depois de, meses antes, uma professora lhe ter falado na instituição. A bolsa de doutoramento da Fundação La Caixa [ver informação em baixo] deu-lhe a possibilidade de concretizar esse desejo.

Integrada no laboratório de investigação em Hematologia & Imunologia da Transplantação – coordenado pelo médico hematologista João Forjaz de Lacerda, seu orientador de doutoramento –, a jovem cientista está a desenvolver um projeto que passa por tentar otimizar uma terapia alternativa para uma doença que pode acometer quem passa por um transplante de medula óssea.

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Um transplante tem várias fases: o doente tem de aceitar o enxerto e o enxerto tem de aceitar o doente. Mas por vezes o enxerto percebe que as células do paciente são diferentes das suas e considera-as como corpo estranho, um agente invasor. Rejeita-as então, dando origem à Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro, que afeta cerca de 30% dos doentes transplantados

Os transplantes de medula são uma terapêutica frequentemente utilizada em doentes com alguns tipos de leucemia (e algumas anemias hereditárias ou imunodeficiência congenital, por exemplo). Infelizmente – e apesar de se garantir um dador o mais compatível possível – os transplantes nem sempre correm pelo melhor.

Porque há uma coisa curiosa com os transplantes: primeiro, o doente tem de aceitar o enxerto; depois, o enxerto tem também de aceitar o doente. No entanto, aquilo que algumas vezes acontece é que o enxerto percebe que as células do paciente são diferentes das suas e considera-as como corpo estranho, um agente invasor. Rejeita-as então, o que dá origem à Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH ou GVHD, em inglês), que afecta cerca de 30% dos doentes transplantados.

“Nessas situações, o enxerto dá início a uma resposta imunitária contra o próprio paciente, que causa um processo inflamatório que pode ser grave e compromete a qualidade de vida”, diz a investigadora. “Quando as células transplantadas reagem assim, o tratamento atual são os medicamentos imunossupressores, para tentar ‘desligar’ as células imunitárias que estão a atacar a pessoa, diminuindo a inflamação. Mas ainda não é a solução ideal porque muitos pacientes não respondem a essa terapia.

“As células T reguladoras não são todas iguais. Estou a tentar encontrar uma forma de selecionar as mais específicas, com o objetivo de entregar ao paciente a melhor possibilidade de tratamento possível”, explica a jovem investigadora

Além disso, os imunossupressores afectam todas as células. “Nós queremos afectar apenas aquelas que estão a causar a inflamação no paciente. Para isso, foi desenvolvida uma imunoterapia celular, através do o uso de células T reguladoras (Treg), que são naturalmente supressoras do sistema imunitário.”

Uma das linhas de investigação do laboratório que Carolina integra é precisamente a busca de terapias alternativas aos imunossupressores. O hematologista João Forjaz de Lacerda tem estado a coordenar nos últimos anos o consórcio europeu TREGeneration, financiado pelo programa de Investigação e Inovação da Comissão Europeia Horizonte 2020, no âmbito do qual ensaios clínicos paralelos investigam a infusão de células T reguladoras em pacientes que desenvolvem DECH crónica refratária à medicação. Nestes ensaios clínicos, as células T reguladoras obtidas a partir de uma colheita de sangue periférico do mesmo dador inicial de medula óssea são purificadas em laboratório e depois infundidas no doente transplantado, com o objetivo de controlar a resposta inflamatória.

Integrada no laboratório de investigação em Hematologia & Imunologia da Transplantação – coordenado pelo hematologista João Forjaz de Lacerda –, a jovem cientista está a desenvolver um projeto que passa por tentar otimizar uma terapia alternativa para a Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro

Carolina não está envolvida diretamente neste projeto, mas aquilo que estuda no âmbito do seu doutoramento é numa forma de melhorar esta técnica que já está a ser usada em ensaios clínicos. “As células T reguladoras não são todas iguais. Estou a tentar encontrar uma forma de selecionar as mais específicas, com o objetivo de entregar ao paciente a melhor possibilidade de tratamento possível”, explica a jovem investigadora. “Mas é ainda pesquisa básica, com células de voluntários saudáveis e em laboratório, in vitro.  Não coloco nada em pacientes ainda”, esclarece. “Mas é um trabalho necessário: perceber se, nas condições ideais, é possível gerar uma população de células T reguladoras mais específica que aumente as probabilidades do paciente melhorar.”

Carolina, que nos primeiros dias se perdia até chegar ao gabinete, percorre hoje em passo acelerado e sem hesitações os corredores labirínticos do iMM. Sobretudo nos dias de experiências, faz quilómetros a pé, de sala em sala, laboratório em laboratório, gabinete em gabinete. Mas é destes dias que gosta mais.

São dias longos, podem ser 12 horas seguidas – normalmente nem almoço – mas sinto-me tão feliz a fazer esse trabalho que nem dou pelo tempo a passar”.

Pelo meio, entre planeamento e experiências, tem de fazer análise dos dados, avaliar resultados, reunir com os orientadores e definir os próximos passos. Tem também que fazer o que menos gosta, mas que é necessário para que essas experiências possam ser realizadas: resolver questões logísticas e burocráticas, como reservar os espaços e equipamentos necessários, recrutar os voluntários e agendar recursos externos necessários (garantir um técnico disponível para colher sangue aos voluntários, por exemplo). A dificuldade não está em agendar cada uma dessas coisas, é conseguir agendá-las no mesmo dia em horários compatíveis. “Costumo brincar e dizer que preciso que os astros se alinhem para fazer uma experiência: dependo de muitas pessoas e é necessário muito planeamento para sincronizar tudo e fazer com que todas as pessoas se encontrem na hora e data certa.”

Durante os próximos dois anos vai continuar a percorrer os corredores do iMM, na expectativa de que a sua pesquisa dê frutos. Já sabe que vai querer fazer um pós-doutoramento, mas ainda não sabe onde ou em que área. “Vivo uma coisa de cada vez.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. Carolina Pacini, atualmente a desenvolver o projeto In Vitro Recruitment and Expansion of Antigen-specific Regulatory T cCells (Treg) for Subsequent Clinical Translation in Hematopoietic Stem Cell Transplantation (HSCT) no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, foi uma dos 65 selecionados (três em Portugal) – entre 982 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2019 do programa de bolsas de doutoramento INPhINIT. A investigadora recebeu 115 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. As candidaturas para a edição de 2021 encerram a 4 de fevereiro ou 25 de fevereiro (dependendo do local de realização da investigação).