May Parsons e Margaret Keenan eram nomes desconhecidos até esta terça-feira — mais do que William Shakespeare, outro nome (muito mais conhecido) que ganhou um novo significado neste dia. Margaret e May não são decisoras políticas, gestoras conhecida, figuras públicas (vulgo, socialites), desportistas, artistas. Se os nomes não lhe dizem nada, nada tema: não é desconhecimento, é mesmo porque até esta terça-feira ninguém fazia ideia de quem eram Margaret Keenan e May Parsons (ou este novo Shakespeare).

De um dia para o outro, Margaret tornou-se uma espécie de celebridade, mais até do que May Parson. Mas ambos passaram a ser nomes que ficarão para a história. Para tal, só tiveram de fazer uma coisa: deslocarem-se a um hospital, destapar o braço no caso de uma e pegar na seringa no caso da outra e serem as primeiras pessoas do mundo a receberem e a administrarem uma primeira dose da vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech, de proteção contra o vírus SARS-CoV-2 — a nova estirpe de coronavírus que pode causar a doença Covid-19 e que se alastrou pelo mundo, abalando-o com uma pandemia que já resultou em mais de 68 milhões de infetados e em mais de um milhão e meio de mortes.

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À esquerda, May Parsons, a primeira pessoa a administrar uma dose de uma vacina contra a Covid-19 no mundo. À direita, Margaret Keenan, a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid-19 no mundo (@ JACOB KING/POOL/AFP via Getty Images)

O relógio marcava as 6h31 da manhã (diz a estação Sky News) quando a primeira vacina da Pfizer/BioNTech foi administrada no mundo — por May, a Margaret. Aconteceu no Hospital Universitário de Coventry, no Reino Unido, região que começou esta terça-feira a vacinar as primeiras pessoas contra a Covid-19, depois do regulador britânico ter aprovado o uso da vacina que se divide em duas doses, tomadas com o intervalo de 21 dias.

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Não há ainda, curiosamente, números exatos que permitam resumir com precisão aquele que foi o primeiro dia de vacinação no Reino Unido. Sabe-se que o número de hospitais onde as primeiras doses da vacina da Pfizer/BioNTech começaram a ser administradas foi superior a cinco dezenas, podendo ter rondado as 70 unidades hospitalares. Também se sabe quais foram os grupos prioritários de vacinação definidos: idosos com mais de 80 anos, funcionários de lares e centros de dia e o pessoal hospitalar que está na primeira linha de combate à Covid-19.

Se não se sabe ao certo quantas pessoas foram vacinadas neste primeiro dia, sabe-se já que no Reino Unido foram asseguradas 800 mil doses da vacina da Pfizer/BioNTech já para esta primeira fase — e a expectativa é de que até ao fim do mês o Reino Unido tenha administrado quatro milhões de doses da vacina (em dois milhões de pessoas, já que a dose tomada tem de ser dupla), segundo avança a estação a Sky News, citando fontes dos serviços de saúde britânicos.

Sem precisar ao certo, a estação BBC diz apenas que neste primeiro dia de vacinação foram vacinadas “milhares” de pessoas. A informação foi avançada à estação por “fontes séniores” do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido.

A primeira enfermeira a vacinar: “Os últimos meses foram duros para todos nós”

O nome de Margaret Keenan tornou-se mediático e popular logo ao início da manhã, quando a mãe e avó britânica que na próxima semana chega aos 91 anos de idade recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer contra a Covid-19. O mediatismo é internacional e até o jornal alemão Bild decidiu colocá-la na primeira página da sua edição de quarta-feira, já revelada:

Alegre, Margaret Keenan disse sentir-se “privilegiada” por ser “a primeira pessoa vacinada contra a Covid-19” e descreveu isto como “o melhor presente de aniversário adiantado que poderia pedir, porque significa que posso finalmente começar a pensar daqui em diante em passar tempo com a minha família e com os meus amigos no novo ano [os seus 91], depois de ter ficado por minha conta em grande parte deste ano”. E aconselhou outros a aceitarem ser vacinados, dado que a vacina não é obrigatória: “O meu conselho a todos a quem for oferecida a vacina é que a levem. Se eu posso levá-la aos 90, vocês também podem”.

Mas se o nome de Margaret Keenan chegou às bocas do mundo, menos nomeada foi May Parsons, a enfermeira que administrou a primeira dose de uma das vacinas que dá esperança ao mundo para travar a pandemia da Covid-19.

Originária das Filipinas, May Parsons trabalha no Serviço Nacional de Saúde britânica (o NHS) há 24 anos e no Hospital Universitário de Coventry há 17. Garantindo ser “uma grande honra” ser a primeira pessoa a administrar a primeira dose de uma vacina contra a Covid-19, May Parsons lembrou a dureza a que médicos e enfermeiros têm sido submetidos desde o início da pandemia:

Os últimos meses foram duros para todos nós que trabalhamos no Serviço Nacional de Saúde, mas agora é possível sentir que há uma luz ao fundo do túnel”, apontou a enfermeira, citada pela Sky.

NHS England Starts Covid-19 Vaccination Campaign

Os aplausos depois da primeira vacinação contra a Covid-19 no mundo (@ Jacob King – Pool / Getty Images)

Sobre a primeira vacina: “Não podíamos abraçá-la mas podíamos bater palmas. Toda a gente o fez”

Uma das pessoas que assistiu ao momento histórico foi o ministro da Saúde britânico, Matt Hancock. Citado pela Sky News, Hancock afirmou: “Foi um ano tão difícil para tanta gente… Finalmente começamos a ver um caminho para ultrapassarmos isto. É a nossa luz ao fundo do túnel. E só ver a Margaret ali — parece tão simples levar uma picadela no braço, mas isso vai proteger a Margaret e vai proteger as pessoas que estão à sua volta”.

Também o diretor médico nacional do Serviço Nacional de Saúde de Inglaterra, Stephen Powis, assistiu ao que descreveu como um “momento histórico” e acrescentou em declarações à BBC: “Não podíamos abraçá-la mas podíamos bater palmas e toda a gente o fez naquela sala”.

O mediatismo em torno de Margaret foi tal que a própria família enviou uma declaração de agradecimento a quem tem congratulado a britânica por ter sido vacinada. No comunicado, lia-se:

Estamos tremendamente orgulhosos por a nossa mãe e avô ter-se chegado à frente para receber a primeira vacina Covid. Gostaríamos de agradecer a May Parsons e a toda a equipa do hospital pelos cuidados e serviços prestados nos últimos dias e, claro, para todos os envolvidos no desenvolvimento da injeção salva-vidas dada à nossa mãe e avô esta manhã.”

“Na fila”, a seguir a Margaret Keenan estava um Shakespeare de 81 anos

Margaret Keenan foi a primeira pessoa a ser vacinada no Reino Unido, entrou para a história e portanto pouco se falou de outras pessoas vacinadas. Mas a segunda pessoa a ser vacinada no Hospital Universitário de Coventry, onde a primeira injeção foi dada, tem uma peculiaridade: chama-se William Shakespeare e tem 81 anos.

Este Shakespeare que não escreveu “Hamlet” nem “Romeu e Julieta” afirmou simplesmente estar “satisfeito” por ter recebido a injeção e elogiou a equipa médica do Hospital de Coventry, descrevendo-a como “magnífica”.

Não foi apenas em Coventry, porém, que a vacinação se processou neste primeiro dia de administração da primeira dose da injeção da Pfizer. As unidades hospitalares selecionadas como primeiros hubs de vacinação foram escolhidas por terem condições para armazenar uma vacina que precisa de ficar conservada a 70 graus negativos, foram entre 60 e 70 e houve pontos de vacinação, por exemplo, na Irlanda do Norte e na Escócia.

Na Irlanda do Norte, a primeira pessoa a ser vacinada foi uma enfermeira. De acordo com o Irish News, chama-se Joanna Sloan, tem 28 anos, é enfermeira há seis anos, tem uma filha de cinco anos e tem um casamento agendado para abril — que foi anteriormente adiado devido à pandemia.

Joanna Sloan foi uma de muitas enfermeiras britânicas vacinadas neste primeiro dia de administração da injeção de Pfizer.

A estação Sky News dá o exemplo de outra profissional de saúde vacinada, uma enfermeira chamada Barbara Lamb, de 68 anos, que há dez anos sofreu um ataque de coração, que desde que voltou ao trabalho assegura o desempenho em part-time e que depois de ter levado a injeção em Newcastle afirmou: “Sinto-me como se tivesse tido um bilhete dourado para a fábrica de Chocolate do Willy Wonka”. E falou ainda com uma enfermeira que esteve do lado oposto, a vacinar, Catherine Cargill.

Quando falou com a estação Sky News, Cargill já tinha administrado dez doses da vacina da Pfizer/BioNTech e disse: “Foi um dia emotivo. Acordei bastante cedo e fui dar uma corrida à volta do hospital. quando estava a correr, estava a pensar: faço parte da história”.

Já no País de Gales, a primeira pessoa a ser vacinada foi um trabalhador de um lar de idosos. Craig Atkins, de 48 anos, estava nervoso com a administração da primeira dose da vacina — diz a BBC — e confessou mesmo ter sido um pouco “assustador”, mas a vacinação correu bem.

Também surgiram relatos do primeiro casal a ser vacinado contra a Covid-19 (“Se a escolha é entre a Covid e a injeção — deem-me sempre a injeção”) e começou a ser partilhada nas redes sociais uma entrevista épica de um idoso de 91 anos em Londres à CNN, que explicou que ligou para um hospital a perguntar se podia receber a vacina, contou que uma das grandes dificuldades que teve foi encontrar um sítio de estacionamento na capital inglesa e atirou: “Bom, não faz grande sentido morrer agora, já que já vivi tanto…”.

Boris foi a um hospital e conheceu Lyn Wheeler: “É comovente ouvi-la”

A assinalar o dia não faltaram, como seria expectável, declarações de responsáveis políticos e de saúde. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, visitou o londrino Guy’s Hospital e de acordo com a BBC falou com a primeira pessoa a ser vacinada nesta unidade hospitalar: Lyn Wheeler, de 81 anos.

É realmente muito comovente ouvi-la dizer que está a fazer isto pela Grã-Bretanha. Tem toda a razão — está a proteger-se mas também está a ajudar a proteger todo o país”, afirmou Boris, que também aproveitou o dia para agradecer a quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, a voluntários, “a todos os cientistas que trabalharam tão arduamente para desenvolver esta vacina” e a “todos os que têm seguido as regras para proteger os outros”.

NHS England Starts Covid-19 Vaccination Campaign

Lyn Wheeler acabara de ser vacinada, Boris Johnson aplaudia (@ Frank Augstein – Pool / Getty Images)

Se Boris Johnson visitou o Guy’s Hospital, o ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, aproveitou para visitar o Hospital Universitário Milton Keynes. Aí, afirmou à estação Sky News que estava “realmente orgulhoso do que conseguimos fazer — termos esta primeira lançamento [da vacinação] — que é baseado na melhor ciência internacional”. Agora, acrescentou Hancock, é preciso “todos os que forem chamados chegarem-se à frente para serem vacinados e todos cumprirem as regras”.