Os chefes de Estado e de Governo da União Europeia fecharam esta quinta-feira em Bruxelas um acordo em torno do quadro orçamental até 2027 e do Fundo de Recuperação. O compromisso negociado pela atual presidência alemã do Conselho da UE e Budapeste e Varsóvia, aprovado depois na cimeira pelos restantes 25 Estados-membros, prevê que a suspensão de fundos contemplada no mecanismo em caso de violações do Estado de direito só possam ser efetivas após decisão do Tribunal de Justiça da UE e que não tenha efeitos retroativos, aplicando-se apenas ao futuro Quadro Financeiro Plurianual.

O texto de conclusões do Conselho destaca, neste capítulo, que a condicionalidade ao respeito do Estado de direito aplicar-se-á de forma “objetiva, justa e imparcial” a todos os Estados e que a Comissão Europeia não pode propor penalizações – designadamente a suspensão de fundos comunitários – até haver uma sentença do Tribunal de Justiça sobre um eventual recurso de um país visado. Nem será usada para pressionar os dois países em áreas como a migração e o asilo a refugiados.

Estará também previsto uma espécie de travão de emergência que permita ao Conselho Europeu interromper processos de sanções com decisões de maioria.

Este compromisso responde às inquietações de Hungria e Polónia, dois países há muito com litígios abertos com Bruxelas por alegadas violações do Estado de direito e que receavam que o mecanismo fosse utilizado como uma arma política para os “atacar”, e, por outro lado, ao não modificar a essência do regulamento, que contempla pela primeira vez o congelamento de fundos por ‘atropelos’ nesta matéria, deverá garantir o necessário aval do Parlamento Europeu, que se opunha firmemente a um ‘enfraquecimento’ do mecanismo.

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À entrada para os trabalhos da Cimeira europeia, Mateusz Morawiecki, o primeiro-ministro polaco, reafirmou isso mesmo, que era preciso separar as regras sobre o Estado de Direito do controlo orçamental.

“A Europa precisa que haja um acordo quanto aos dos fundos para [combater] o Covid-19 e quanto ao novo quadro plurianual. Mas a Europa também precisa de certeza quanto às soluções legais [aplicadas]. E para manter isto temos de evitar quaisquer decisões arbitrárias e politicamente motivadas. É por isto que estamos a trabalhar para conseguir conclusões precisas, que são muitos claras do ponto de vista de onde é que fica a linha de separação entre o controlo orçamental e todos os regulamentos anti-fraude e anti-corrupção – que apoiamos completamente – e as regras do Estado de Direito, que estão claramente enunciadas nos Tratados e que devem ser seguidas de acordo com esses procedimentos”.

“Misturar as duas cria uma situação muito perigosa, em que premissas politicamente motivadas podem estar por detrás de mecanismos para atacar qualquer país. Hoje temos medo de poder ser atacados de uma forma injustificada, mas é claro que no futuro qualquer país – Portugal ou Itália. Espanha, Grécia, França, Áustria, a República Checa ou Hungria e os outros – também podem ser atacados”.

Mas o acordo acabou mesmo por sair, e – apesar de os restantes Estados-membros terem feito concessões consideradas mínimas – todos os lados cantaram vitória. A começar pelo aliado de Morawiecki, o húngaro Viktor Orban. “Ganhou o bom-senso. Ganhamos porque em tempos difíceis, com a pandemia e os problemas económicos, não é altura para discussões políticas e ideológicas que nos travem”, disse Orbán num vídeo publicado na sua página no Facebook.

Esta “vitória do bom-senso” – o fim do veto – também surge depois de Bruxelas ter deixado bem claro que dispunha de alternativas legais para implementar o Fundo de Recuperação sem a Hungria e a Polónia. E caso o fizesse, Budapeste e Varsóvia arriscaram ter de explicar aos seus cidadãos como tinham “perdido” dezenas de milhares de milhões de euros em ajudas.

Foi, assim, com pouca surpresa que o presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, anunciou e aplaudiu o acordo. “Acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual e o Pacote de Recuperação ‘NextGenerationEU’. Podemos começar agora com a implementação e reconstruir as nossas economias”, escreveu o belga no Twitter.

O presidente do Conselho Europeu acrescenta que este pacote de recuperação de um montante global de 1,8 biliões de euros, a ‘bazuca’ para combater a crise provocada pela pandemia da covid-19, está assim a postos para impulsionar “a transição verde e digital” da Europa.

Este pacote constituído por um orçamento plurianual de 1,08 biliões de euros para os próximos sete anos e um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões havia sido já acordado pelo Conselho Europeu em julho, mas estava bloqueado por um veto de Hungria e Polónia, que discordavam do mecanismo sobre o Estado de direito que lhe estava associado, agora ultrapassado.

Ainda assim, na sequência do acordo, o primeiro-ministro polaco e o líder húngaro anunciaram a intenção de de pedir ao tribunal europeu para avaliar se a aplicação do mecanismo do Estado do direito à execução do orçamento comunitário era legal. Morawiecki justificou esta opção com a necessidade de verificar se as regras da UE estão a ser cumpridas. Nas negociações, os líderes conseguiram garantir que a Comissão Europeia não vai aplicar o mecanismo até o Tribunal tomar uma decisão.

Mas a vice-presidente da Comissão Europeia, Věra Jourová, não espera um grande atraso no caso da Hungria e da Polónia decidirem recorrer ao Tribunal Europeu por causa da cláusula que condiciona os pagamentos de fundos do orçamento comunitário ao cumprimento da regras do Estado de direito por parte dos países.

“Compreendo que alguns estados-membros possam tentar obter total certeza legal sobre esta matéria importante junto do Tribunal Europeu de Justiça. É um direito que têm”, afirmou Jorouvá num comentário citado pelo jornal Politico. Mas “espero que este procedimento seja rápido. Na minha opinião, podemos estar a falar de meses e não de anos”.

Costa diz que aplicação dos Planos de Recuperação será prioridade

Antes de entrar para o Conselho Europeu, o primeiro-ministro português, António Costa, manifestando-se esperançado num compromisso que sempre apontou como urgente, já indicara que esta solução era “aceitável” para Portugal, observando que trata-se somente de “aplicar aos novos regulamentos aquilo que é definido de novo, e não ter uma aplicação retroativa aos regulamentos que já estão em vigor do atual Quadro Financeiro Plurianual”.

Já depois de se saber que havia “fumo branco” à bazuca europeia, Costa disse que a aplicação dos Planos de Recuperação e Resiliência será uma das prioridades da presidência portuguesa que arranca em janeiro.

Está assim superado o impasse orçamental que estava a deixar a UE em suspenso a apenas três semanas de 1 de janeiro de 2021, data de início do novo ciclo orçamental e também da presidência portuguesa do Conselho da UE.

A UE fica assim dotada de um orçamento para os próximos sete anos que ascende a 1,08 biliões de euros – as negociações com o Parlamento Europeu, fechadas em novembro, levaram a um aumento do envelope total em cerca de 16 mil milhões de euros face ao compromisso de julho – e de um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões (390 mil milhões de euros em subvenções e os restantes 360 mil milhões em empréstimos).

Portugal deverá receber cerca de 30 mil milhões de euros do orçamento para os próximos sete anos, a que acrescem 15,3 mil milhões de euros em subvenções, tendo ainda a possibilidade de pedir empréstimos se o desejar.

Fechado enfim este pacote de recuperação, uma das principais responsabilidades da futura presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre de 2021, será a implementação do Fundo de Recuperação.

A presidência portuguesa terá, desde logo, a responsabilidade de alcançar a maioria qualificada dos 27 necessária para aprovar os planos nacionais dos Estados-membros para a libertação da primeira ‘tranche’ de empréstimos e subvenções do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência.