O ano ainda não acabou e a app portuguesa CycleAI, que ainda não está disponível no mercado, já soma duas vitórias: venceu o Hackathon (maratona de programação) da Federação Europeia de Ciclistas; e o Open Inovation Program para a Área Metropolitana de Lisboa, organizado pela consultora BGI e pelo EIT Urban Mobility – Instituto Europeu da Inovação e da Tecnologia. Tudo em nome da segurança dos ciclistas.
“O meu projeto de mestrado era fazer uma avaliação da cidade de Londres ao nível da segurança para ciclistas” explica Luís Rita, o engenheiro biomédico que este ano venceu o concurso Top Talents Under 25 na categoria digital. Mas o trabalho que desenvolveu no decorrer do mestrado iniciado em 2019, na Imperial College London, e parte da razão que lhe valeu o feito, acabaria por sair dos corredores da instituição mais cedo do que o antecipado.
Tudo começou com o projeto Using Deep Learning to Identify Cyclists’ Risk Factors in London (utilizar sistemas de inteligência artificiais que aprendem sozinhos para identificar os fatores de risco dos ciclistas em Londres, em tradução livre), pensado para ajudar os ciclistas da capital inglesa a perceber melhor a cidade, quais os perigos e quais as zonas mais seguras para pedalar; uma ideia que tem como ponto de partida uma base de dados de meio milhão de imagens do Google Maps.
A ideia chegou a Miguel Sampaio Peliteiro no final de agosto através da comunicação social e deu ao médico, natural da Póvoa de Varzim, a ponte para uma causa que também tinha como sua: segurança rodoviária.
“Estive no hospital desde maio até ao final de agosto [em consequência de ter sido abalroado por um carro enquanto circulava de bicicleta] e foi depois de sair que conheci o projeto do Luís. Vi os trabalhos em que ele estava integrado e identifiquei-me, naturalmente, pela necessidade moral de fazer o possível para evitar situações como a minha. Decidi mandar-lhe uma mensagem, ele respondeu-me a perguntar se queria falar com ele e fizemos uma reunião”, explicou Miguel Peliteiro.
Para Luís Rita, o objetivo era o de continuar com o projeto num doutoramento e fazer a respetiva transição da ideia para uma implementação na vida real, algo que “exigiria muito tempo”. “E fazê-lo apenas por mim seria muito complicado. Isto porque implicava muitos contactos ao nível de autarquias, eventos, fazer pitches, preparar planos de negócio. Por um lado, não tinha tempo e, por outro, não tinha vontade. E essa é a parte que o Miguel domina. Acabei por continuar o meu primeiro projeto de mestrado para doutoramento e este transformei-o em algo mais real.”
Do encontro entre os dois jovens resultaria a CycleAI, uma aplicação que, a partir do tratamento de imagens do Google Street View ou fornecidas pelos utilizadores, quer ajudar os utilizadores a percecionar, com maior exatidão, os riscos dos ciclistas na via pública. “Para a CycleAI, em vez de nos focarmos na segurança objetiva, aquilo que queremos captar é a perceção de segurança dos ciclistas”, diz Luís Rita.
Para isso, e já com Codrin Bostan — o terceiro elemento da equipa –, responsável pelo desenvolvimento web, a bordo, os jovens planearam o lançamento de duas campanhas de crowdsource (conhecimento colaborativo) que vão permitir a base da ideia.
“A primeira, que já está em andamento, disponibilizámos no site. Pedimos às pessoas para assinalarem as áreas de maior risco que conhecem, nacionais ou internacionais. Na segunda campanha, que ainda havemos de lançar, vamos pedir às pessoas para classificarem as imagens de maneira a que possam construir uma base de dados a que, de forma automática, seja dada uma classificação de segurança”, diz Luís Rita.
Os resultados serão processados na construção de uma ferramenta completa, automatizando o processo através da integração no Google Street View Images permitindo, assim, “a construção de mapas de perceção de segurança completos apenas com base na ferramenta”, refere Miguel. Para treinar o algoritmo são necessárias imagens com classificação associada, “que é o que pedimos aos utilizadores e, ao mesmo tempo, precisamos de saber quais os objetos presentes nessa imagem, sejam eles candeeiros, carros ou outros obstáculos”.
O plano é que toda a informação recolhida possa depois ser encaminhada para pessoas ou instituições ligadas aos campos da mobilidade e do planeamento urbano. Nesse aspeto, segundo Luís, existe um claro objetivo de tornar a ideia “100% exequível e relevante”, um processo que deu um importante passo com a distinção no Hackathon da Federação Europeia de Ciclistas.
“O projeto tem duas componentes importantes, a de ciclismo e a de computação, e existir validação é fundamental para fechar acordos que possamos vir a estabelecer com autarquias”, refere o cofundador.
Para já, a tripla tem também a participação assinalada num concurso da Amazon, que lhe facilita o apoio computacional, e com a vitória do Open Inovation Program, para a Área Metropolitana de Lisboa, a app consegue dar mais um passo: “A garantia de que podemos captar imagens e vídeos de drone, além da oportunidade de trabalhar com imagens atualizadas. Tudo o que nos propomos a fazer está a uma distância real”, sublinha Miguel Peliteiro.
A app da CycleAI nasceu como um projeto social está previsto que chegue às lojas de aplicações dos diferentes sistemas operativos em 2021. Por enquanto, ainda está “em desenvolvimento” e a equipa está a estudar de que forma a poderá ser sustentável no médio e longo prazo.
*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.