O ex-comissário europeu Carlos Moedas considerou esta segunda-feira que a pandemia e o Brexit são os temas em que Portugal “pode ou não fazer a diferença” durante a presidência do Conselho da União Europeia (UE).

Carlos Moedas, que falava por videoconferência num evento organizado pelo Partido Social Democrata (PSD), começou por dizer que, durante os cinco anos em que foi comissário europeu, viveu 11 presidências do Conselho da UE, nas quais identificou um problema, que tem a ver com a duração das mesmas.

Seis meses é muito pouco tempo. […] Todos os países sobrevalorizam as suas presidências, pois consideram que as suas são melhores que as outras ou que vão marcar mais, mas depois dão conta que os seis meses passam muito depressa”.

O antigo comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação advertiu que “se [os Estados-membros] não tiverem tudo preparado antes, terão uma dificuldade enorme”, estimando que “o segredo de marcar [uma presidência] tem tudo a ver com essa preparação”.

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Se eu estivesse no Governo português, pensaria em três caixinhas. A primeira caixinha é a das emergências, pois temos duas: a pandemia [de Covid-19], por um lado, e o Brexit, por outro. E isso é a primeira caixa em que Portugal pode ou não fazer a diferença”.

A segunda caixa na qual o Governo deve desenvolver a presidência do Conselho da UE, de acordo com Carlos Moedas, tem a ver com os regulamentos em relação ao orçamento plurianual e ao “Next Generation EU”.

Em terceiro lugar, o ex-comissário europeu considera que a presidência portuguesa deve considerar temas como a autonomia estratégia, um tema “importantíssimo”, frisou.

A autonomia estratégica é sermos assertivos em termos de política externa comercial, sem sermos ingénuos. É dizer: ‘Nós não somos protecionistas, mas não somos ingénuos Aqueles que querem jogar o nosso jogo, têm de jogar com as nossas regras'”.

“Essa autonomia estratégica já se viu, por exemplo, nos acordos comerciais da Europa”, considerou Carlos Moedas, lembrando o Acordo de Paris e o acordo com o Mercosul.

O ex-comissário falou ainda do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, uma das prioridades da presidência portuguesa do Conselho da UE, considerando que “é uma aposta difícil” do Governo de António Costa.

“A Europa tem muito pouco poder na parte social, é muito difícil marcar uma presidência na parte do Pilar Social em que se assinam uns documentos, mas dali não sai nada. As pessoas ficam irritadas e com razão. Todos temos direito ao emprego, mas o que se vai fazer em concreto?”, questionou Carlos Moedas, em tom retórico.

Os países dão muito pouco poder à Comissão Europeia nesta área e as posições são díspares. Eu acho uma aposta difícil, pois a questão é o que vai sair de concreto? O que é a que as pessoas esperam, o que os países podem fazer? Nesse aspeto é difícil marcar uma presidência portuguesa com um Pilar Social, mas pode ser que haja surpresas”.

Carlos Moedas participou num evento online organizado pelo Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, sob o tema Presidência Portuguesa da UE, e contou com a participação do coordenador da secção de Relações Externas, Tiago Moreira de Sá, e da vice-coordenadora dos Negócios Estrangeiros, Diana Soller.

Tecnologia é “enorme oportunidade” para a Europa

Carlos Moedas defendeu também “um forte investimento numa solução europeia” em relação à tecnologia do 5G, considerando que esta é uma “oportunidade enorme” para a União Europeia (UE).

O antigo comissário europeu lembrou que “a primeira vaga da tecnologia foi extremamente europeia“, uma vez que “as primeiras empresas que construíram a infraestrutura da Internet eram todas europeias”.

“Depois veio uma segunda vaga muito forte, a do digital, e aí a Europa perdeu completamente” para empresas norte-americanas, como a Google e o Facebook, considerou, acrescentando: “Aí perdemos completamente, não tivemos hipótese nenhuma”.

Agora, temos uma terceira vaga, que vai ser diferente da primeira e da segunda, mas que terá, sem dúvida, um mecanismo muito mais de tecnologia e daquilo que os engenheiros chamam de deep tech, ou seja, de ir ao cerne da ciência da tecnologia, que o digital não tinha”.

Nesta terceira vaga tecnológica, o ex-comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação não tem dúvidas de que a inteligência artificial (IA) e o 5G “vão definir o nosso futuro”, e, neste contexto, a Europa tem a oportunidade de definir a IA, “não só pela tecnologia, mas através de escolhas políticas“.

A inteligência artificial deve ser algo que nos melhore como seres humanos, não algo que nos substitua; deve ser algo que respeite a nossa privacidade, algo em que os nossos dados estejam protegidos. Esta é uma das grandes armas que temos geopolíticas”.

Em relação à tecnologia do 5G, o Carlos Moedas defende uma “solução europeia”, sobretudo porque “a Europa tem metade das patentes da 5G, enquanto a China tem 30% e os Estados Unidos 12%”.

Talvez isto explique parte da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, porque os norte-americanos, em termos de 5G, estão a perder totalmente a batalha para a Europa e para a China, o que nos dá uma oportunidade enorme, mas que muitas vezes não conseguimos sentir”.

“O problema hoje do 5G são as chamadas portas de entrada, ou seja, são tecnologias que têm portas de entrada e nas quais um governo pode entrar e ir buscar informações sobre as nossas vidas. Temos de ser capazes de nos proteger disso”, defendeu.

Carlos Moedas afirmou que a UE tem de ter capacidade de “construir uma 5G que seja segura e que não deixe que os governos possam intervir nessa tecnologia”.

Aquilo que se está a ver hoje é que ninguém tem a certeza de que uma tecnologia chinesa, neste caso, não tivesse uma intervenção do governo na própria infraestrutura da tecnologia. Neste momento, seria muito difícil politicamente para a Europa dizer que aceitaria uma solução puramente chinesa. Eu acho que o caso do 5G é um excelente exemplo onde podemos trabalhar pela nossa inteligência, com a nossa tecnologia, pela nossa assertividade”.

Portugal assume a presidência do Conselho da UE entre 1 de janeiro e 30 de junho do próximo ano, sucedendo à Alemanha.