Em dia de voto antecipado, foi a vez de Francisco Louçã entrar na campanha para dar um apoio a Marisa Matias mas, acima de tudo, para se dirigir aos “socialistas que votaram toda vida e que estão perante a situação estranha de não se reconhecerem em nenhum candidato e pensarem se devem votar Marcelo”. Numa tentativa de angariação de votos, o fundador do Bloco de Esquerda atira: “Querem mesmo votar em Marcelo?”

As justificações e perguntas ficaram para depois, quando Louçã questionou se é o atual Presidente da República que vai fazer um contrato da saúde, para o ambiente, para a igualdade ou para o trabalho. “Quem dirá onde estão as disponibilidades e fará a ponte para um Governo para dizer ‘isto não pode ser’, Marcelo ou Marisa?”, questiona, dirigindo-se à candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda como a “campeã da estabilidade”.

O voto de Louçã é pela “confiança” e pela “liberdade”, aliás, o ex-líder do Bloco de Esquerda aproveitou a ideia de liberdade para garantir que não gosta de gritarias e que “em Portugal se aprecia muito as gritarias”. Até percebe, atira em jeito de ironia, que o “ídolo Trump” seja “maravilhoso” por ensinar “a roupa, as frases, o dedinho espetado, a esbracejar”, mas nos EUA provou-se que “quem não está preparado só cria desgraças”. E em Portugal já se aprendeu que “quem semeia ódio, colhe tempestades”.

Louçã está certo de que o dia do voto antecipado será “feliz” porque vai permitir a Marisa começar a segunda semana de campanha “à frente de Ventura” e “cada dia será pior para um homem que achou que o melhor argumento para convencer os eleitores era chamar-se a si próprio de fascista, num momento de sinceridade”. A última semana, acrescenta, confirmará como “virou a campanha para uma cultura da tolerância e responsabilidade contra a fanfarronice”. Isto porque “há uma lei que se cumpre sempre”, diz, “qualquer balão esvazia tanto quanto se encheu”.

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Certo de que a candidata apoiada pelo Bloco é uma “cruz contra a boçalidade” e sem puxar do batom vermelho como fez José Manuel Pureza, Louçã deixou um pedido: “Marisa, leva todas as cores do arco-íris, mas por favor põe o vermelho em Belém” e comparou-a com Maria de Lourdes Pintasilgo, “uma mulher extraordinária” que provou que “a esquerda se junta quando é preciso”. De Pintasilgo, Marisa tem ainda, segundo Louçã, o “cuidado com as pessoas” porque a candidata dá “a mão a quem é invisível” ao “usar a política para fazer o bem”. “Eu sei que uma selfie pode ser simpatia, mas ouvir é paixão”, atirou.

Fernando Veludo/Lusa

O comício de Marisa Matias no Circulo Católico dos Operários do Porto arrancou com um momento musical protagonizado por Luciana e Pri, um casal de brasileiras a viver em Portugal e presentes na luta pelo feminismo e os direitos LGBT+, e que interpretou uma música de Ekena com uma referência a um batom vermelho, que tem sido o símbolo da campanha. “Quem cê tá pensando que é?/Pra falar pra eu não usar batom vermelho/Quem cê tá pensando que é?/Pra maldizer até os amigos que eu tenho”, cantaram, com uma referência clara a André Ventura.

A atriz Sara Barros Leitão trouxe para o comício parte da sua história de vida, como muitas vezes a tentaram convencer de que “votar não serve para nada” ou que a “política é coisa para os outros”. A vida mostrou-lhe que havia política em todas as esquinas, que “a política dizia respeito às atividades humanas e que as decisões influenciam” os cidadãos no dia a dia e que o “perigo” estava em não participar.

Ainda antes do seu irmão ter idade para votar, tentou passar-lhe a importância do voto e até lhe ofereceu o voto a que tinha direito como prenda de anos. Foi um voto em Marisa Matias, em 2016. Agora, cinco anos depois, ligou-lhe às oito da manhã para lhe contar que tinha ido votar. O voto ficou em segredo, mas a frase que lhe disse chega-lhe: “Eu não voto em quem um dia me poderá roubar o voto.”

Quase num jeito teatral, Sara Barros Leitão diz ter “pressa”, pressa de muita coisa. Entre as pressas, tem “pressa de ter uma Presidente mulher” que lute contra os “silêncios opressores, antirracista, que conheça a Constituição e que a defenda, que defenda que a cultura chegue a todos os cidadãos, que defenda um Estado laico”. “Nasci atrasada e cheia de pressa.”

Requisição dos privados? “Se não é agora, quando é que vai ser?”

Com filas de ambulância à porta de hospitais e com milhares de pessoas nas ruas em tempos de confinamento, os números em Portugal continuam a subir e a bater recordes e Marisa Matias culpa as autoridades por “falta de preparação”, tendo em conta os alertas que já existiam dos especialistas. “As autoridades em Portugal e os poderes públicos falharam na preparação e na garantia dos apoios para que as pessoas pudessem cumprir esse isolamento”, afirma a candidata à Presidência da República.

Depois das declarações durante a manhã, Marisa Matias insistiu, quase à mesma hora que Marta Temido ter admitido que “estamos muito próximos do limite”, que é preciso “uma decisão urgente” e apelou ao Governo que a tome: “Não adiemos por favor essa urgência.”

“Para responder à pandemia precisamos destes recursos todos, precisamos de respeitar as recomendações das autoridades, mas precisamos de garantir a todos as condições reais de cumprir essas recomendações e isso implica também apoios sociais, proteção e condições de trabalho”, insistiu, acrescentando que “não podemos adiar mais a coragem para colocar todos os recursos e capacidade de saúde ao serviço e sob o comando do SNS”.

Na manhã deste domingo, ao afastar a ideia de “milagre português” que se falou no início da pandemia, Marisa Matias prefere acreditar na “vontade política e na capacidade de dar às necessidades e na capacidade de todos e todas juntas ultrapassarmos estes momentos tão difíceis”.

E se dar resposta aos problemas dos portugueses é uma das prioridades tantas vezes repetida por Marisa e como “a defesa do SNS está no centro desta campanha”, a candidata volta a questionar sobre a requisição civil. “A requisição dos privados está prevista na Constituição, na Lei de Bases de Saúde, no estado de emergência. Se não é agora que vão fazer a requisição de todos os meios disponíveis, quando é que vai ser? Tem de ser agora e já vai tarde”, atira.

A candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda descreve a fase pandémica que se vive como “muito trágica e preocupante”, alertando que “todos os poderes devem estar a trabalhar para resolver isso”. Este deve ser o “centro da nossa intervenção”, os “representantes do Governo têm de dar resposta”, no entanto há “mecanismos legais” para o fazer. “Não precisaríamos de estar a viver esta situação tão dramática, tão trágica”, acrescenta.

Apesar de o SNS estar a roubar atenções pelas piores razões, Marisa Matias estava na Escola Básica e Secundária do Cerco, no Porto, para levantar a bandeira dos formadores precários do IEFP que estão há “40 anos” na mesma situação. Quem o diz é Joana Leite, formadora de História, que se encontra a recibos verdes. A candidata a Belém conta que, apesar de se terem “criado as condições para integrar estes trabalhadores”, o “número de vagas não correspondeu aos lugares necessários”.

Joana e as colegas que estão ao seu lado nesta luta têm o “reconhecimento como tendo funções indispensáveis e permanentes”, mas o vínculo precário estende-se “mais de 20 anos”. Marisa Matias diz ser um “insólito” que quem trabalha no Instituto do Emprego e Formação Profissional e garante que outros têm as qualificações e condições necessárias para estar no mercado laboral  esteja numa “situação de precariedade”.

A bloquista não menospreza o “avanço importante” do reconhecimento das funções como permanentes, mas, novamente, diz que “não chega a toda a gente”. Mais uma vez, insiste, “leis não podem ficar no papel e este é um dos casos em que ainda não chegaram à vida das formadoras”. Aliás, o papel do IEFP é fundamental para um país de futuro com “desafios de hoje e do futuro”, já que os formadores permitem uma “reconversão profissional” necessária para o emprego em Portugal.

Artigo atualizado ao longo do dia