Amigas, amigas, eleições à parte. Ana Gomes ainda não tinha pisado os calcanhares à amiga Marisa Matias, com quem partilhou o Parlamento Europeu durante 10 anos, e com quem partilha afinidades políticas, mas hoje foi o dia. A pergunta surgiu, inocente, de duas jovens do Instituto de Estudos Políticos e da Associação de Estudantes de Direito da Universidade Católica, num evento transmitido em direto no Instagram: há quem diga que há um “apoio mútuo” e uma “certa condescendência” entre as duas candidatas, quais são as diferenças entre ambas?
“Eu sou amiga da Marisa, não tenho problema nenhum de o dizer. Servi com ela 10 anos no Parlamento Europeu e há uma grande simpatia e uma grande convergência em muitas matérias, mas também há divergências”, começou por dizer. E cá vai disto. Há uma “profunda discordância” que Ana Gomes identifica à partida: Marisa Matias está a desvalorizar a campanha eleitoral, e a sua própria posição, quando assume, como fez no primeiro frente a frente com Marcelo Rebelo de Sousa, que ele era provavelmente o candidato vencedor. “Então para que é que ela está a concorrer, se dá por adquirido que o professor Marcelo poderá ser eleito?”, atirou Ana Gomes, criticando o facto de a campanha de Marisa ser uma “campanha de demarcação do terreno partidário“, do Bloco de Esquerda, por contraponto com a sua campanha que é “séria e independente, sem contar à partida com o apoio” do seu próprio partido.
Diz Ana Gomes que, ao contrário de Marisa que está apenas a cumprir calendário para não deixar o Bloco descalço, a sua campanha é “uma campanha séria, como independente, onde me apresento como alternativa ao atual Presidente da República que está também à procura de um segundo mandato”. Antes, tinha referido outra divergência no plano europeu: Ana Gomes é a favor de uma Europa assente nos pilares da defesa e da segurança, e Marisa não. De resto, há “muita simpatia” e “convergência em muitas matérias”.
Prova disso é o caso do “batom vermelho”. “Quando, ainda há dias, Marisa Matias foi vítima de um ataque ignóbil e machista não tive a mais pequena dúvida de mostrar o meu sentimento de solidariedade para com ela e com todas as mulheres insultadas por essas tiradas ignóbeis”, disse.
Certo é que, de manhã, no debate de três rádios, Ana Gomes já tinha ensaiado uma pequena tirada contra a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, num gesto inédito desde que a campanha arrancou. Até então o pacto tinha sido de não agressão à esquerda, sendo que Ana Gomes se mantém focada em fazer de Marcelo Rebelo de Sousa o seu “único” adversários, apesar de também (ou sobretudo) precisar de ir buscar votos ao terreno de Marisa Matias.
No debate, apesar de Marcelo, desta vez presente, e Ventura, desta vez ausente, terem sido o centro dos ataques de todos os restantes candidatos, Marisa Matias e João Ferreira foram os que mais quiseram entalar a candidata socialista no tema que mais lhe é caro: a proteção dos denunciantes nos casos de corrupção. Mas Ana Gomes defendeu-se logo fechando a porta à “delação premiada” e lembrando que não é a única a achar que os denunciantes devem poder colaborar com a justiça. “Tu também apoias esses denunciantes, Marisa”, disse, cortando ali a tentativa de Marisa Matias de cavalgar a onda iniciada em João Ferreira.
O dia foi de debates — sem visitas no terreno nem viagens pelo país. Depois do debate, Ana Gomes foi para a sede que por estes dias montou no Hotel da Estrela, em Lisboa, e deu quatro entrevistas de seguida: uma a uma rádio francesa, uma à RTP, outra a uma revista e outra ainda numa roda de imprensa com vários órgãos de comunicação internacionais. Seguiu-se a habitual conferência online transmitida na sua página de Facebook, desta vez com o ex-ministro da Justiça de António Guterres, o socialista Vera Jardim, e terminou com uma conversa mais ligeira a responder às perguntas das jovens da Católica. Ambas mulheres. Como Ana e Marisa que, no entanto, têm território mútuo para conquistar.