O Governo impôs uma interrupção letiva nestas duas semanas de confinamento, com os alunos das escolas públicas e privadas a manterem-se em casa confinados e com as aulas e atividades formativas suspensas, mas muitas escolas e professores não deixaram os seus alunos sem nada para fazer. No setor público, há quem disponibilize fichas em plataformas online e há professores a enviarem trabalhos de casa. No privado há estabelecimentos de ensino que mantêm mesmo os horários escolares, mas em vez de aulas dão “apoio” e “consolidação das aprendizagens”.

O Colégio Moderno é um dos exemplos no setor privado que mantiveram os horários escolares, mas que, no lugar das aulas, dão apoio aos alunos revendo a matéria já lecionada. Num e-mail, a que o Observador teve acesso, enviado aos pais a 22 de janeiro — o primeiro dia deste novo encerramento das escolas –, a direção do estabelecimento de ensino, localizado no Campo Grande, em Lisboa, informava que com a suspensão das atividades letivas anunciadas pelo Governo iria desenvolver “atividades de consolidação de aprendizagem”. Assim, para todos os alunos do 5.º ao 12.º ano, esse apoio começou segunda-feira através da plataforma “Teams”, “nos horários habituais de cada Turma”.

Contactada pelo Observador, a diretora do colégio, Isabel Soares, confirmou estar a apoiar os alunos com “atividades de consolidação de aprendizagens”. Um apoio voluntário, mas ao qual terão aderido, nas suas contas, 99,9% dos estudantes. “Não estamos a pôr em causa a saúde publica, porque cada um está nas suas casas. Por outro lado, apoiamos tanto os alunos, como os familiares”, que estão grande parte em teletrabalho, explicou a responsável.

“Nós não estamos a dar aulas, estamos a fazer a consolidação de aprendizagens, do que aprenderam no primeiro período e também do que perderam no outro confinamento”, acrescentou.

Uma professora do colégio Júlio Dinis, no Porto, confirmou também a existência destes encontros online, nos quais só comparece quem quer. Ainda assim, garante, chega a ter mais alunos do que nas aulas. “Como não têm outras atividades e estão em casa sem fazer nada, participam”, explica Cynthia Valente, docente do secundário.

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“Este apoio não é sumariado, não conta para efeitos de avaliação e é mais frequentado por alunos em dificuldade, que aproveitam para rever conteúdos. Muitos deles pedem fichas para trabalhar, para fazer coisas. Eles sentem essa necessidade, são miúdos que estão preocupados com os exames nacionais, que estão preocupados com as médias e que não querem perder o ritmo de trabalho”, explica a professora, que diz que, apesar de haver horas de apoio para todas as disciplinas, estão aquém do número normal de horas de aulas.

“Eu acho que negar a um aluno um apoio, seja do público ou do privado, é quase criminoso. É claro que estes alunos têm sempre mais apoio num privado, mas isso não significa que sejam melhores. E isso não tem a ver com a pandemia. Sempre foi assim.”.

Para esta professora, impedir que as escolas privadas deem à aulas à distância, tendo condições para o fazer, só prejudica os alunos. “Os prejudicados serão sempre os alunos. E chamar a isto férias é estar a mentir, estes meninos estão enfiados em casa quinze dias, sem poder conviver”, diz.

Rodrigo Queiroz e Melo, que dirige a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, reconhece ao Observador que este “reforço às diversas disciplinas” está a ser dado de diferentes formas, de norte a sul do país e com mais ou menos horas. “Não é obrigatório, mas não conheço pais que não estejam a ser acompanhados nesta altura”, afirma.

Queiroz e Melo acredita que daqui a uma semana e meia, quando terminarem estas primeiras duas semanas de confinamento, no setor privado estão todos preparados para o ensino à distância. Até porque, mesmo no caso de alunos mais carenciados — que também existem e que, muitas vezes, são bolseiros — as instituições asseguraram essas condições.

No setor público também há quem mande trabalhos diários

Manuel Pereira, que não só está à frente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares como dirige o Agrupamento de Escolas Serpa Pinto, em Cinfães, diz ao Observador que, de facto, a ordem do Governo é de interrupção, mas que ele próprio deu orientações “aos colegas, professores e diretores de turma para não deixarem de acompanhar os seus alunos em casa”.

“Sabemos que, para alguns alunos, não ter obrigações é um convite claro para saírem de casa. Estamos apenas a tentar apoiar os alunos que estão em casa, e que não descurem o trabalho”, um tarefa feita em colaboração com os encarregados de educação.

Já Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores de Escolas Públicas, acredita que a ordem do Governo está a ser respeitada e que alguns professores não terão feito mais do que fazem em períodos de férias escolas: mandam “recomendações para leitura ou para verem alguma matéria do estudo em casa, nada online”.

Algumas mães contactadas pelo Observador, com filhos de idades diferentes, dão respostas diversas, consoante a postura de cada professor. É o caso de Sofia Lemos, mãe de três rapazes de dois, nove e onze anos, que frequentam uma escola em Matosinhos.

Na última quinta-feira, quando foi buscá-los, os mais velhos traziam o material escolar todo para casa, antevendo que os quinze dias de suspensão pudessem prolongar-se por mais tempo, como aconteceu em março passado. O filho mais velho não trouxe trabalhos, mas o do meio, de nove anos, trouxe o que normalmente traz nas férias.

“Normalmente, a professora manda trabalho por dias, para ele estar ocupado durante estes quinzes dias. São trabalhos que mandaria normalmente. Este meu filho tem tido um acompanhamento muito presente desde sempre. Se ele estiver a fazer trabalhos e eu tiver dúvidas, faço videochamada e o professore responde”, diz.

Sofia Lemos já se mentalizou de que, depois desta semana e meia, os filhos podem não voltar à escola e terão que regressar às aulas à distância. Lamenta, no entanto, ter apenas um computador disponível para os dois, obrigando um dos filhos a seguirem as aulas pelo telemóvel. “É outro pormenor que não está acautelado”, diz. Isto numa altura em que, pelo menos na escola dos filhos, todas as turmas que estiveram em quarentena viram as aulas suspensas, por falta de condições técnicas na escola para seguirem as aulas. O que, por si só, revela já uma falha no ensino para estes alunos.