A presidente da câmara de Portimão, a socialista Isilda Gomes, já recebeu as duas doses de vacina contra o SARS-CoV-2, apesar de os autarcas não estarem no primeiro grupo de prioritários. A autarca, que pertence também ao Secretariado Nacional do PS, órgão de direção mais restrito, foi incluída na lista de vacinação dos profissionais que iriam trabalhar num hospital de campanha que foi recentemente erguido no recinto do Portimão Arena com o apoio da câmara. Segundo apurou o Observador, e confirmou a própria, a primeira dose foi administrada “dois dias antes” de o hospital de campanha começar a receber doentes (dia 11 de janeiro) e a segunda dose foi administrada três semanas depois, no dia 29 de janeiro.

Só a partir desta segunda-feira é que os autarcas devem começar a ser vacinados, já num segundo grupo prioritário. Isilda Gomes diz que foi vacinada a par de todos os trabalhadores do hospital de campanha, mas poderá ter sido vacinada antes da totalidade de enfermeiros e estudantes de enfermagem/medicina que trabalham no mesmo hospital, como admitiu o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales esta segunda-feira em declarações aos jornalistas à margem de uma visita ao hospital de Faro: “Tomáramos nós conseguir vacinar todos ao mesmo tempo”, disse.

A justificação de Isilda Gomes é que é também, por inerência, presidente da Proteção Civil de Portimão e está a trabalhar como voluntária no hospital de campanha afeto ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) a intermediar as videochamadas entre os doentes ali internados e os familiares que não os podem visitar. Ao Observador, a autarca admite que “ainda” não esteve em contacto com nenhum doente, mas sublinha que o facto de estar “diariamente” numa sala daquelas instalações, mesmo sem contacto direto com doentes, é motivo para ser incluída na lista de prioritários para a vacinação.

“Estou numa sala do Arena a intermediar as visitas virtuais e ainda não estive em contacto direto com doentes porque há sempre alguém que está lá em baixo com os doentes e usa o iPad”, conta ao Observador, acrescentando que isso ainda não aconteceu mas nada impede que possa vir a acontecer um dia. Isilda Gomes confirma ainda ao Observador que além dela, outro elemento da Proteção Civil também presta o mesmo apoio, mas só ela foi vacinada. A justificação é que este segundo elemento só veio depois, além de que a própria se considera de grupo de risco: “Tenho 69 anos, sou obesa e hipertensa”, sublinha.

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Não têm para onde ir ou foram recusados pela família. Idosos são a maioria dos internados no hospital de campanha de Portimão

No final de janeiro, 10 dias depois de ter aberto portas, o Observador esteve no CHUA Arena, o hospital de campanha que tem recebido uma maioria de idosos Covid positivos, e viu de perto o funcionamento desse gabinete de apoio às visitas virtuais. Trata-se de um sistema que funciona com tablets fornecidos pela autarquia para aproximar os doentes dos familiares que estão impedidos de os visitar e com quem, em alguns casos, já não comunicam há semanas. Um, ou mais, elementos da Proteção Civil estão numa sala fechada, e cabe-lhe a ele fazer a ligação para os familiares, por um lado, e para os profissionais de saúde que estão no pavilhão em contacto com os doentes, por outro. A ideia é intermediar o contacto para que o profissional de saúde que está no local, equipado com o fato completo de proteção individual, não tenha de fazer o contacto no tablet.

No local, o Observador constatou que, além da presidente da câmara, estavam mais dois elementos da Proteção Civil a fazer essa intermediação. Nem um nem outro terão sido vacinados. Isilda Gomes confirma que só ela foi vacinada porque, no início, era a única voluntária daquele departamento. A lista de pessoas prioritárias para vacinação é enviada pelas instituições — neste caso caberia ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve a que pertence o hospital de campanha –, à ARS do Algarve, a quem cabe depois fazer uma verificação para perceber se há, de facto, contacto direto com os utentes idosos, de acordo com as funções discriminadas na lista. Questionada pelo Observador esta segunda-feira sobre o porquê de ter sido vacinada, Isilda Gomes justificou que foi vacinada “não como presidente da câmara” mas sim como trabalhadora voluntária daquela unidade que, diz, encara como uma “missão”. “Não estou a enganar ninguém”, afirmou.

Autarca foi vacinada, mas ainda há enfermeiros por vacinar

“Todos os trabalhadores que foram trabalhar para lá [Portimão Arena] foram vacinados”, disse ainda a autarca, referindo-se aos trabalhadores do hospital de campanha. Fontes ouvidas pelo Observador, contudo, contestam que todos os enfermeiros e estudantes que estão a prestar apoio ao CHUA Arena tenham sido vacinados, criticando o facto de a autarca ter passado à frente dos profissionais de saúde que estão nessa situação. O mesmo para os bombeiros, que só recentemente entraram na lista de prioritários, e que asseguraram até aqui o transporte de doentes sem estarem ainda vacinados.

Isso mesmo foi confirmado esta tarde aos jornalistas por António Lacerda Sales, secretário de Estado Adjunto e da Saúde, que, à porta do hospital de Faro, admitiu que nem todos os enfermeiros do hospital de campanha do Portimão Arena foram ainda vacinados: “Tomáramos nós conseguir vacinar todos ao mesmo tempo, este processo é gradual, é progressivo, e mesmo na linha da frente há pessoas que estão mais do que outras na linha da frente”, disse, garantindo que todos serão vacinados. A pergunta, transmitida em direto pela SIC Notícias, tinha sido especificamente sobre os enfermeiros do Portimão Arena.

Nas mesmas declarações aos jornalistas à porta do hospital de Faro, ao lado de Ana Castro, presidente do Conselho de Administração do CHUA, que é também, apurou o Observador, atual nora de Isilda Gomes, o secretário de Estado foi ainda questionado sobre se tinha conhecimento de que a presidente da câmara de Portimão tinha sido vacinada indevidamente e se iria haver alguma sanção, ao que o governante se recusou a responder por recusar comentar casos em concreto. “Não tenho nenhuma informação nem comentarei nunca casos em concreto, até porque há casos com especificidades que eu possa desconhecer”, disse, afirmando no entanto que “todos os desvios aos critérios prioritários de vacinação são inadmissíveis, sejam eles de quem forem e de onde forem”.

Segundo Lacerda Sales, a inspeção geral de atividades em saúde está encarregada de promover auditorias de âmbito nacional para apurar essas situações de desvio, estando previstas “sanções ao nível disciplinar e criminal” se durante a sede de inquérito se apurarem essas violações. A tolerância será “zero”, disse.

Autarcas incluídos no plano de vacinação a partir de… agora

O anúncio foi feito na semana passada pela ministra da Saúde no final de uma reunião com a task force do plano nacional de vacinação: a partir desta segunda-feira, 1 de fevereiro, a vacinação iria ser alargada a serviços essenciais como “profissionais de emergência pré-hospitalar – designadamente bombeiros -, profissionais de serviços essenciais, forças de segurança e, entre eles, titulares de órgãos de soberania”.

Dentro dos titulares de órgãos de soberania incluem-se os autarcas. “Os presidentes das câmaras municipais são também as autoridades municipais de proteção civil. Isso confere-lhes uma circunstância de essencialidade para a resposta à Covid-19 e, naturalmente, isso será tido em consideração. Estão a ser agora feitos os contactos no sentido da identificação exata dos indivíduos para que possam começar a ser identificados esta semana e vacinados no início da semana que vem”, explicou a ministra no passado dia 25 de janeiro.

Até aqui, e como se pode consultar no plano de vacinação, os grupos prioritários da primeira fase do plano incluíam apenas profissionais de saúde envolvidos na prestação de cuidados a doentes; profissionais das forças armadas, forças de segurança e serviços críticos; profissionais e residentes em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (lares) e instituições similares e profissionais e utentes da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Num documento mais detalhado do plano de vacinação explica-se que profissionais de saúde de que serviços se enquadram neste critério: Unidades de cuidados intensivos e intermédios; Serviços de Urgência; ADR (urgência e cuidados de saúde primários); Serviços dedicados a doentes COVID-19; Unidades de transplante; Serviços de oncologia e hemato-oncologia; Unidades de técnicas invasivas respiratórias e gastrointestinais; Unidades de hemodiálise; Unidades de neonatologia; Blocos operatórios; Blocos de parto; Estomatologia e medicina dentária; Procedimentos que envolvam a manipulação da via aérea (por exemplo, anestesiologia); Colheita e manipulação de amostras respiratórias para o diagnóstico de SARS-CoV-2, etc.

Ou seja, até aqui os autarcas ou voluntários de hospitais afetos à Proteção Civil, como é o caso da autarca de Portimão, não se inseriam nos grupos prioritários de vacinação.