Os familiares de doentes com Covid-19 transportados para hospitais fora da residência, e que acabam por morrer, estão a deparar-se com a dificuldade de terem de ser os próprios a tratar da recolha dos corpos e da sua trasladação.
No Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), para onde até esta sexta-feira foram transferidos 101 doentes com Covid-19, a presidente do conselho de administração, Ana Castro, adiantou à agência Lusa que está a tentar encontrar uma solução para esta situação, não prevista.
“O CHUA tem garantido todos os transportes de regresso. No caso dos óbitos temos um problema, que é não haver transferências de cadáveres, não existe essa figura, para se poder fazer”, explicou a administradora hospitalar.
Ana Castro admitiu que essa tem sido “uma preocupação”, acrescentando que tem “estado a tentar arranjar forma de fazer de outra maneira”, em articulação com a Proteção Civil, com quem se tem reunido.
“Estamos a tentar ver se seria possível, conjuntamente com a Proteção Civil, poder transportar o corpo para a morgue do hospital onde o doente estava originalmente e depois a família trataria do processo nesse hospital, como se a pessoa aí tivesse falecido. Hoje [esta sexta-feira] terei uma reunião com a Proteção Civil distrital, para saber em que ponto está a situação e ver se vai ser possível ou não”, informou Ana Castro.
Este problema foi vivido por David Catarino, 36 anos, de Almada, que disse à Lusa ter “ficado incrédulo”, quando lhe transmitiram que teria de ser ele a tratar de todas as diligências para levantar o corpo da avó, transferida para o Algarve pelo Hospital Garcia de Orta (Almada), em 21 de janeiro, com “a garantia de que o retorno estava assegurado”.
Na manhã de dia 23, contou, foi informado da morte da familiar e transmitiram-lhe, do hospital de Almada, que teria de ser o próprio a contactar uma funerária e levantar o cadáver em Portimão.
“Eu percebo que vivemos um contexto excecional, mas tem de se alertar para uma situação que tem de ser corrigida, porque o sistema não está preparado para quando as pessoas morrem. Acho caricato transferirem as pessoas e, quando morrem, não haver uma solução. Tive de tratar de tudo às minhas custas e sem ter uma satisfação”, lamentou David Catarino, em declarações à agência Lusa.
David Catarino considerou ter havido “uma desresponsabilização” dos hospitais e mostrou-se preocupado com os casos em que os familiares não tenham recursos financeiros ou não estejam em condições de operacionalizarem à distância todos os procedimentos necessários.
“Se as pessoas não têm posses, como é que fazem? Se eu não tivesse condições para transportar a minha avó, quanto tempo ela ia ficar numa câmara frigorífica? Acho que os hospitais devem ser responsáveis até entregarem o corpo à família, mas descartaram-se. Tem de se dar dignidade às pessoas quando morrem”, acentuou David Catarino, que relatou ter encontrado “várias pessoas na mesma situação”.
Neste caso, o almadense optou por cremar a avó em Faro e ainda aguarda que lhe sejam entregues os seus pertences.
Contactado pela agência Lusa sobre o protocolo seguido nestas situações, o Hospital Garcia de Orta (HGO) diz numa resposta escrita que assegura o pagamento do transporte do corpo até ao local onde se realiza o funeral, dando o exemplo de um cadáver trasladado do hospital de campanha Portimão Arena para Castelo Branco.
A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares também não prestou declarações à agência Lusa sobre o assunto.
Em Portugal, morreram 13.740 pessoas dos 755.774 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.