Quando Darwin Núñez inaugurou o marcador aos três minutos, Jorge Jesus estava ainda de máscara na sua zona técnica, naquele que foi o regresso à Luz após três jogos de ausência por ter estado infetado com Covid-19. Quando Otamendi aumentou a vantagem quatro minutos depois, já se tinha apercebido que podia tirar a máscara enquanto treinador principal mas que tinha mantido também por força do hábito. Seria uma questão de proteção? Só mesmo o próprio poderá explicar. Mas que voltou em forma, ninguém teve dúvidas. Não só pelo resultado mas sobretudo como, mesmo na frente e a jogar bem, se mostrou ativo, gritando a pedir mais aos jogadores e à equipa. Pode não ser tido ainda “o” Jorge Jesus, mas voltou a ser Jorge Jesus. Em campo e, depois, fora dele.

Esta voz de Adel é música para os ouvidos (a crónica do Benfica-Famalicão)

Após quebrar uma série de quatro jogos sem ganhar na Primeira Liga, numa vitória que colou de novo a equipa ao Sp. Braga no terceiro lugar e reduziu a desvantagem para o FC Porto na segunda posição para três pontos (e oito para o líder Sporting, que joga apenas esta terça-feira em Barcelos), o treinador encarnado teve palavras fortes na zona de entrevistas rápidas da BTV, dando outra prova de que voltou em forma e sem papas na língua.

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“Isto não tem sido fácil, estive 15 dias sem ver os jogadores, sem poder treinar. Esta Covid arrasou o Benfica. Tirou a equipa técnica, tirou a equipa médica. Só três jogadores é que não tiveram Covid. Se tivesse de jogar, não jogava, só estou porque ali só tenho de gritar para o campo. Afetou-me muito, tive uma Covid agressiva. Isto não é uma constipação. A equipa perdeu competitividade, confiança, felizmente não teremos Covid-19 no futuro. Fizemos uma meia hora muito boa. Dez jogadores voltaram e oito foram para casa. Andámos nisto dois meses. Cada um no seu quarto, parecemos uma equipa fantasma. Isto vai passar e felizmente devemos ficar imunes e poder readquirir níveis técnicos e táticos. Queremos ter 70/ 80 minutos a nível alto. Uma coisa é jogar de três em três dias, pior ainda é estar tanto tempo sem treinar. O Benfica numa semana teve dez jogadores infetados”, começou por referir.

“Isto não é uma desculpa, assumo a minha responsabilidade como treinador, mas médico não sou. Vamos recuperar jogo a jogo, porque a partir de hoje deixamos de ter jogadores doentes. Nenhum dos adversários teve Covid-19 como nós, convém dizer-lhes algumas coisas, vamos ver se não terão também. Nós sabemos o que passámos, tivemos 50 pessoas infetadas no clube. Alguém sabe o que é isto num grupo?”, acrescentou, dizendo mais tarde que os únicos jogadores que não contraíram o vírus foram Chiquinho, Rafa e Samaris e tendo como principal foco recuperar os lesionados Rafa e Luca Waldschmidt (explicando que André Almeida vai demorar mais após a lesão contraída no joelho): “São muito influentes na manobra ofensiva da equipa mas amos ter uma equipa saudável tecnicamente e psicologicamente. Vamos começar a cheirar-nos, a olhar-nos uns aos outros…”.

Por fim, ainda na flash interview, Jorge Jesus comentou mais uma vez o facto de o Benfica não ter qualquer grande penalidade à 18.ª jornada. “Não dá para perceber não termos nenhum penálti a favor, no último jogo houve um sobre o Pizzi, nos jogos anteriores viu-se que em caso de dúvida não se marca. Já tivemos casos para o VAR examinar mas nem isso, os árbitros nem se dão ao trabalho de ir ver, mas o problema não é esse. Íamos ter uma equipa para arrasar e foi o Covid que arrasou. Não sabem o que é passar por isto, não sabem…”, concluiu.

Mais tarde, na conferência de imprensa, Jorge Jesus voltou ao tema, respondeu às críticas feitas à posição da equipa em ano de forte investimento e ainda deu o exemplo de Pep Guardiola no Manchester City.

“Confiança? Confiança em mim? Nunca pus em dúvida a minha confiança no trabalho. O meu trabalho não tem dois meses, não ganhei troféus da carica… O meu trabalho no Benfica durante seis anos foi justificado com títulos, aqui e fora do Benfica estes anos todos. No mundo toda a gente sabe o meu valor como treinador. Agora, há coisas em que sou impotente. Não consigo pôr a minha equipa a jogar com jogadores em casa, aqui não dá para ser em teletrabalho, a equipa técnica e a equipa médica toda em casa… Sei o que sofri e sei que o que aconteceu ao Benfica não tem nada a ver nem com técnica e nem com tática. O Benfica foi contaminado durante dois meses por uma doença que nos tirou força mental, que tirou união, fomos pagando a fatura. Quando não ganhas ainda ficas pior, ficas com outra doença, a doença da confiança. Ainda hoje o Pep Guardiola falou nisso, dos problemas. E só tinha meia dúzia de jogadores infetados e adiou logo os jogos”, destacou Jesus, a propósito do momento da equipa.

“Era líder invicto ao fim de seis jogos, sem casos. A pouco e pouco foi acentuando estes casos. Chegou a uma altura em que foram dez. Quando saímos das Antas [Dragão], tínhamos 26 pessoas infetadas. Eu fiz alguns 200 ou 300 testes, nunca dei positivo, fizeram um TAC e descobriram. O meu é um caso raro mas também eu sou raro em tudo. Aí já estava com falta de ar, não conseguia falar. Isto é tudo novo, não é para mim. Estamos com um grande problema em Portugal e estamos a fazer disto uma doença normal. Não é, sobretudo para aqueles que fisicamente têm de correr. Fazer uma segunda volta melhor? Isso temos de fazer… Até quinta-feira tenho 20 jogadores para treinar. Não é como até antes, que tinha sete jogadores. Andámos duas semanas assim, jogadores e treinadores. Duas semanas em casa sem treinar ninguém. Fomos sofrendo e calando mas tem limites o sofrimento. Agora sentimo-nos uns pássaros livres, para podermos voar, para podermos treinar”, terminou, tendo numa fase falado de forma mais emocionada a propósito dos sintomas que teve com a Covid-19.