As escolas podem ficar fechadas por dois meses, o processo de vacinação tem de ser acelerado, será possível vacinar 70% da população até agosto e o pico da terceira vaga da pandemia já poderá ter sido ultrapassado.

Foram esta algumas das conclusões da reunião desta terça-feira no Infarmed, que voltou a juntar especialistas de Saúde, líderes partidários e as mais destacadas figuras do Estado. Nesse encontro, Baltazar Nunes, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, traçou três cenários de confinamento com escolas fechadas — a 30 dias, 45 dias e 60 dias. E não escondeu a preferência.

“O cenário de 60 dias é o que consegue trazer os níveis de ocupação nos UCI para valores mais baixos: 300 camas ocupadas em UCI e 200 em abril se mantivermos medidas por 60 dias” (a contar de 15/20 de janeiro), detalhou Baltazar Nunes.

O especialista sublinhou que a “incidência acumulada a 14 dias encontra-se a níveis considerados extremamente elevados” e que a redução da incidência “demorará algum tempo” até estar refletida em número de hospitalizações e mortes por Covid-19.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Socorrendo-se de vários gráficos de análise de dados, Baltazar Nunes acabou por notar que as medidas de confinamento têm permitido o óbvio: baixar o R índice de transmissibilidade da doença, o chamado R. A 4 de janeiro este valor era de 1.24 e que a 3 de fevereiro já estava nos 0.78. “Em 30 dias houve uma redução muito mais acentuada da transmissibilidade”, concluiu.

“Não vamos conseguir terminar a primeira fase antes de 31 de março”

Já os dados sobre o plano de vacinação inspiram algumas cautelas. Henrique Gouveia e Melo, o novo coordenador da Task Force, assumiu que se está a viver um “momento de estrangulamento de disponibilidade de vacinas” e que há dificuldades em adquirir vacinas.

“Há uma diminuição significativa de vacinas que tem a ver com a disponibilidade mundial de vacinas e com o quadro europeu em que Portugal se insere”, reconheceu.

Acredita-se que no primeiro trimestre seja possível receber 1,98 milhões de doses de vacinas, sendo que em Portugal já se receberam 503 mil doses. Das 460 mil que estão em Portugal continental já foram administradas 400 mil vacinas e estão 60 mil em reserva.

O coordenador da Task Force insistiu que “a percentagem das vacinas aplicadas é muito elevada e só não é mais por uma questão de segurança relativamente às segundas doses”.

O coordenador admitiu na reunião do Infarmed que vai haver necessidade de estender no tempo a primeira fase de vacinação. Com as vacinas que temos, não vamos conseguir terminar a primeira fase antes de 31 de março, vamos prolongar para abril”, referiu.

Não é um problema de administração, nem de velocidade, nem logístico. É um problema da disponibilidade de vacinas à chegada a Portugal.”

Segundo o especialista, a primeira fase deve terminar em abril. No segundo trimestre, essa média “vai alterar-se e subir para quatro vezes mais” e, nessa altura, “terão de se montar soluções de vacinação mais rápida”. Depois, no terceiro trimestre, o “aumento vai ser superior” e será necessário “alargar processo de vacinação a outros agentes”.

Se conseguirmos administrar estas vacinas em tempo deveremos atingir 70% da população em final de agosto, início de setembro” e “terminar população toda ainda este ano”, disse.

Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, por sua vez, argumentou que “se vacinação ocorrer como está previsto salvamos 3500 vidas até ao fim de setembro”. E deixou um apelo: que se faça tudo para acelerar o processo.

“Optando por um cenário de vacinação muito mais rápida até ao final de abril estaríamos muito abaixo dos 200 internados em cuidados intensivos e num patamar ideal de 50 casos por 100 mil habitantes”, notou.

Como tal, o médico insistiu na necessidade de se fazer “um esforço na aceleração do processo de vacinação” porque este teria “ganhos inequívocos em vidas e na melhor gestão dos cuidados de saúde”, bem como na possibilidade de “sair da situação atual no final do verão”.

Há “boas notícias” sobre a variante do Reino Unido

Coube a João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, falar sobre as variantes, e explicar que as variantes do Reino Unido, África do Sul e Brasil têm “uma mutação comum às três”, sendo as últimas duas de “preocupação acrescida”.

Relativamente ao Reino Unido, o especialista assumiu que quando o alerta chegou à OMS já a variante deste país estava muito presente na população e que, em Portugal, em cerca de 50 mil testes efetuados em dezembro nos laboratórios Unilabs, mais de 8600 revelaram variante do Reino Unido.

De acordo com João Paulo Gomes, entre 1 de dezembro de 2020 e 7 de fevereiro de 2021 circularam em Portugal “mais de 120 mil” casos associados à variante do Reino Unido, que tem “20 vezes mais carga viral” do que as outras variantes.

O especialista do Instituto Ricardo Jorge revelou um estudo com foco na segunda semana de janeiro. Nesta altura, tendo em conta os dados analisados, 16% dos casos de Covid-19 estavam associados à variante do Reino Unido, dois casos apenas estavam relacionados com a variante de África do Sul (ambos devido a viagem) e 6,8% dos casos partilham uma mutação que se parece com a variante da Califórnia.

Ainda assim, há “boas notícias”. Apesar de na região de Lisboa e Vale do Tejo a taxa de crescimento da variante do Reino Unido ter uma “prevalência superior à maior parte das regiões do país”, a evolução desta taxa tem sido “muito favorável”. Houve semanas em que variante do Reino Unido crescia a 92%, mas passou para 50-60% e agora ronda os 19%.

A evolução [da variante do Reino Unido] semana a semana passou de 90% para cerca de 10-15% na última semana e Lisboa e Vale do Tejo não mostra uma situação diferente do resto do país”, assegura o especialista.

Pico de contágios já foi atingido

André Peralta Santos, da Direção-Geral de Saúde, começou a intervenção a mostrar um gráfico em que se vê uma “trajetória descendente” depois de um “pico a 29 de janeiro” com 1669 casos por 100 mil habitantes.

O especialista mostrouaque a incidência esteve acima dos 1920 em muitos municípios do país, mas “ao dia de hoje a situação é mais favorável”. Mais: “Todas as idades têm uma tendência decrescente”, refere ainda Peralta Santos.

A mortalidade atingiu em janeiro um aumento de “quase três vezes em relação ao pico de dezembro”. Esse pico parece ter sido ultrapassado na primeira semana de fevereiro. O mesmo vale para o número de hospitalizações totais. Os internamentos nas Unidades de Cuidados Intensivos parecem seguir a mesma tendência, ainda que não haja dados suficientes para se afirmar com certeza que esse pico já foi ultrapassado.

Sobre Lisboa, o especialista diz que foi a “região mais afetada” em janeiro com um “crescimento rápido” e que está agora em decréscimo, ao já não se encontrar no nível máximo de incidências.

Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, também destacou a “recuperação de todos os indicadores após festas”. Há outros dados que reforçam os efeitos do confinamento: em novembro, 35% das pessoas saíam e casa para ir trabalhar; na quinzena mais recente, este número está nos 15% (dados do dia 5 de fevereiro).

Os homens mais jovens e com menor escolaridade estão maioritariamente associados a comportamentos menos adequados”, disse a especialista.

Por outro lado, o nível da confiança das vacinas teve “evolução muito positiva”, com 75% dos portugueses a quererem tomar a vacina “logo que possível”.