895kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Morreu Chick Corea, pianista e explorador visionário do jazz americano

Este artigo tem mais de 3 anos

Morreu o pianista, teclista e lenda da música jazz Chick Corea. Tinha 79 anos e foi vítima de um cancro raro e tardiamente descoberto. "O mundo precisa de mais artistas", disse antes de morrer.

OGR Jazz Club | Chick Corea @OGR
i

Giorgio Perottino/Getty Images for OGR

Giorgio Perottino/Getty Images for OGR

Morreu Chick Corea, um dos mais importantes pianistas e teclistas da história do jazz norte-americano. O músico, ocasionalmente também percussionista, tinha 79 anos e morreu na terça-feira, 9 de fevereiro. A morte só foi comunicada esta quinta-feira, passados dois dias.

Ao longo da carreira, que durou mais de 50 anos e que foi distinguida com mais de 20 Grammys (mais exatamente, 23), Chick Corea gravou dezenas de discos em formações que liderou. A esses discos aliou incontáveis outros, editados por bandas como o grupo de fusão que fundou nos anos 1970 Return To Forever — pelo qual passaram músicos como o guitarrista Al Di Meola e o saxofonista Joe Farrell e do qual fez parte de forma constante o baixista Stanley Clarke — e gravados ao lado de músicos como Miles Davis, Stan Getz, Joe Henderson, John Patitucci, Wayne Shorter, Gary Burton, Dave Holland, Herbie Hancock, entre tantos outros.

A notícia da morte foi dada através de um comunicado publicado nas contas oficiais do músico nas redes sociais. No texto lê-se: “É com uma grande tristeza que anunciamos que a 9 de fevereiro, Chick Corea faleceu. Tinha 79 anos e foi vítima de um tipo de cancro raro que só foi descoberto muito recentemente”.

Durante a sua vida e carreira, o Chick saboreou a liberdade e a diversão que tinha em criar algo novo. (…) Era um marido, um pai e um avô amado e era um grande mentor e amigo para tantos. Através do seu corpo de trabalho e das décadas que passou a fazer digressões pelo mundo, tocou e inspirou a vida de milhões de pessoas“, refere ainda o texto.

Chick Corea Rehearses

Chick Corea há 43 anos, em 1978

Chuck Fishman/Getty Images

No texto de homenagem, que não surge assinado mas que tem como mensagem final um pedido da família para que se respeite “a sua privacidade durante este difícil momento de perda”, é ainda apontado que “embora ele fosse o primeiro a dizer que a sua música dizia mais do que as palavras algumas vezes poderiam dizer, tinha ainda assim uma mensagem para todos aqueles que conhecia e amava e para todos aqueles que o adoravam”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A mensagem do músico, deixada quase como despedida, seria esta, de acordo com a nota oficial: “Quero agradecer a todos aqueles que ao longo do meu percurso ajudaram a manter as chamas da música incandescentes. É minha esperança que todos aqueles que têm uma intuição e inclinação para tocar, compor, atuar ou qualquer outra coisa o façam. Se não o fizerem por vocês, façam-no pelo resto de nós. Não só o mundo precisa de mais artistas como também é mesmo muito divertido“.

E para os meus amigos músicos que têm sido como uma família para mim desde que vos conheço: tem sido uma bênção e uma honra aprender com todos vocês e tocar com todos vós. A minha missão foi sempre levar a alegria da criação para todos os sítios onde pudesse e tê-lo feito com todos os artistas que admiro tão profundamente foi a grande riqueza da minha vida”.

https://www.facebook.com/chickcorea/photos/a.85663518923/10158422599868924/

No panteão dos pianistas — e com Miles na expansão do jazz

Nas últimas décadas, poucos pianistas tiveram o impacto, o reconhecimento e a capacidade de inovar e inventar novas estéticas jazzísticas quanto Chick Corea — mesmo que nem sempre os seus discos fossem aclamados e tivessem impacto, também dada a profusão tremenda de edições e projetos nos quais esteve envolvido.

É habitual encontrarmos o seu nome no panteão dos pianistas do jazz americano das últimas vastas décadas, ao lado de referências como Herbie Hancock — de quem era amigo próximo e com quem tocou muito, inclusive em Portugal (em 2014, no festival EDP Cool Jazz) —, McCoy Tyner, Keith Jarrett e Bill Evans. Mas Corea, também teclista, compositor e ocasionalmente percussionista, foi mais do que isso: foi um dos mais notáveis instrumentistas e criadores musicais da América e em alguns períodos, discos e concertos chegou ao brilhantismo e génio.

Importantíssimo na afirmação de um jazz de fusão no final da década de 1960 e no início da década de 1970, Chick Corea fez parte da formação do colosso Miles Davis quando o trompetista começou a colocar o jazz em diálogo com outras estéticas sonoras e populares, como o funk e o rock. Corea participou, nessa fase, na gravação de discos essenciais para compreender a história evolutiva do jazz como In a Silent Way (1969) e Bitches Brew (1970), entre outros.

Numa entrevista dada em março do ano passado, incluída no arquivo do seu site oficial, Chick Corea recordava assim o modo como Miles Davis o inspirou desde cedo:

O Miles foi o meu professor e mentor desde que o ouvi tocar em 1947, era ele então um jovem que fazia parte do quinteto do Charlie Parker. Acompanhei a sua carreira durante todos os discos a solo que fez até eu ter tocado durante dois anos e meio na sua banda, de 1968 a 1971.”

A data pode parecer uma gralha porque em 1947, quando diz ter visto Miles Davis ao vivo pela primeira vez, Chick Corea tinha seis anos. Mas não é: aos quatro anos Corea já tocava piano e aprendia jazz, estimulado pelo pai, um trompetista filho de um  italiano que emigrou para os Estados Unidos da América.

Miles Davis Live At Ronnie Scott's

Miles Davis, Chick Corea, Dave Holland e Jack DeJohnette no Ronnie Scott's Jazz Club em Soho, Londres, em 1969

Redferns

A infância e adolescência foram passadas no estado do Massachusetts a estudar e a tocar jazz mas quando chegou a altura de aprender música no ensino superior — na Columbia University e na Juilliard School, ambas em Nova Iorque —, Chick Corea revelou-se pouco disciplinado no academismo. Na Columbia ficou apenas um mês e na Juilliard School apenas meio ano. Estava mais interessado em tocar, aprendendo com instrumentistas de que se rodeava em ensaios e concertos, do que no ensino formal.

Ao primeiro de dezenas de álbuns gravados como compositor e líder de formação, gravado em quinteto e editado em 1968, Chick Corea deu o título Tones for Joan’s Bones. Mas antes disso já participara em gravações de discos de Stan Getz (o primeiro dos quais Sweet Rain, de 1967), de Hubert Laws e Blue Mitchell (em ambos os casos a partir de 1964), Herbie Mann (a partir de 1965), Cal Tjader (o primeiro dos quais Soul Burst, de 1966) e de outros compositores, como Sonny Stitt e Dave Pike.

Como líder, viria a gravar discos em editoras como a Blue Note, ECM, Polydor e a Stretch — que fundou em 1997 —, entre muitas outras. Explorou a música espanhola em My Spanish Heart (1976) e foram da sua autoria composições jazzísticas que são hoje reconhecidas como standards e clássicos do género: de “Spain” a “Armando’s Rhumba”, de “500 Miles High” a “Windows”.

A fase em que integrou a banda de Miles Davis e a segunda encarnação (mais virada para o jazz-rock e jazz-funk do que para os sons latinos da primeira fase) da sua banda Return To Forever são hoje recordadas como épocas áureas do seu percurso musical, pela importância que ambas as formações tiveram na expansão estética e elétrica do jazz, a par de outros grupos como a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin.

Não foram, porém, os únicos momentos em que Chick Corea revelou ousadia musical. De modo algum. Fê-lo, por exemplo, através do grupo disruptivo de free jazz Circle, que fundou (antes mesmo do nascimento da banda Return To Forever) com Dave Holland — tal como Corea, também acabado de sair da banda de Miles Davis —, Anthony Braxton e Barry Altschul.

Os Circle duraram pouco tempo, apenas dois anos (1970 e 1971), mas editaram cinco discos, o primeiro dos quais Circling In, um álbum importante na história do free-jazz e no qual participaram ainda o baterista Roy Haynes e o contrabaixista Miroslav Vitouš, dois colaboradores regulares de Corea. A relevância história está em contraciclo com a recetividade ao grupo, pouquíssima, dado o caráter profundamente exploratório da música do quarteto.

As colaborações estenderam-se a projetos de duetos — os mais duradouros e produtivos dos quais com o vibrafonista Gary Burton, que resultou em vários discos, e com o pianista e teclista Herbie Hancock, com quem deu muitos concertos em duo —, a formações como a The Chick Corea Elektric Band e a Chick Corea Akoustic Band, ao sexteto Origin e a colaborações como a que ficou registada no coletivo Like Minds, mais um dos seus muitos discos marcantes e que Corea gravou com um quarteto de luxo no fim de 1997 (editado no ano seguinte): Pat Metheny na guitarra, Gary Burton no vibrafone, Roy Haynes na bateria e Dave Holland no contrabaixo.

As formações de relevo musicais em que esteve envolvido são quase incontáveis, mas a sua aproximação à música clássica contemporânea, discos como Three Quarters (1981) e a aproximação a estéticas da música popular como o rock, o jazz e o funk evidenciam um traço que define a personalidade musical de Corea: a vontade de esbater fronteiras entre géneros e a procura de criação de novos planetas musicais, misturando géneros já existentes.

O jazz era, quase sempre, apenas o ponto de partida, a rede a partir da qual o pianista se lançava em busca de misturas e inovações. E se a música de fusão foi a sua revolução, uma para a qual contribuiu decisivamente, a longevidade na carreira, que permitiu que já nos últimos anos editasse álbuns como Forever (disco ao vivo dos Return To Forever, gravado em 2009 mas só editado em 2012) e o espantoso Trilogy, este último feito com os mais jovens mas já estabelecidos Christian McBride (contrabaixista) e Brian Blade (baterista), denota o quão incansável foi em vida nas suas buscas musicais.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.