As águas no Chega/Açores estão muito agitadas. André Ventura vai aproveitar a viagem ao arquipélago, que já estava marcada devido às eleições autárquicas, para falar com os deputados do partido e impor limites. Fonte próxima da direção do Chega confirmou ao Observador que estão todos os cenários em cima da mesa, nomeadamente a retirada de confiança política a algum dos deputados.

A gota de água dentro do partido aconteceu esta semana, quando o secretário-geral do Chega Açores, José Pacheco, fez uma publicação no Facebook do partido e na página pessoal intitulada “Chega contra aumento Rendimento Social de Inserção (RSI) nos Açores”.

No texto podia ler-se que, apesar de o RSI ter diminuído em relação há um ano, os beneficiários aumentaram “em mais de 200 no início deste ano”. “O Chega continua a defender a urgência em baixar o RSI na região. Aliás, esta é uma bandeira eleitoral do partido e um compromisso assumido pela coligação governamental”, acrescenta na mesma publicação.

José Pacheco escreveu ainda que era preciso “apurar” as circunstâncias já que, apesar do momento de pandemia que se vive, o partido não se pode “conformar com estes números”.“Estamos atentos e nunca distraídos perante esta e outras situações porque, como diz o sábio bom povo: “Não foi isso que combinámos!”, conclui.

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A publicação acabou por ser apagada pelo próprio presidente do Chega Açores e também deputado, Carlos Furtado, que declinou “qualquer responsabilidade” pelas palavras que estiveram no Facebook do partido. “Com efeito o crescimento do RSI na região é uma notícia que não agrada a ninguém, mas é a consequência das debilidades da nossa região. O Chega, como qualquer outro partido com representação na Assembleia Regional, tem a obrigação de contribuir para a resolução deste problema e não apenas criticar por criticar“, escreveu o presidente.

“Deste modo, informo que para a Direção Regional do partido e para mim, os problemas de excesso RSI na região, merecem a nossa melhor atenção, com objetivo de se arranjar soluções eficazes, sendo que neste momento as responsabilidades que nos são imputáveis, não nos permitem a critica fácil e populista”, concluiu Carlos Furtado.

Enquanto presidente do Chega Açores, venho declinar qualquer responsabilidade pelo post hoje publicado na página do…

Posted by Carlos Augusto Furtado on Thursday, March 4, 2021

Os deputados confirmaram a história ao Observador, mas não comentam a ida de André Ventura aos Açores nem as possíveis consequências desta troca de argumentos em público. Carlos Furtado considera que há “atitudes que se tomam a quente depois se pensam melhor” e acredita que José Pacheco também não concorda com a posição que escreveu no Facebook.

Aliás, o presidente do Chega da região diz mesmo que o secretário-geral acabou por retirar a publicação o que, no seu entender, significa que “não se identificava com ela”.

Apesar dos avanços e recuos, José Pacheco diz ao Observador não estar preocupado com o lugar que ocupa na presidência do Chega/Açores porque está “bem de consciência”. No limite, assume, os cargos “têm de ser vistos como coisas temporárias”.

Como fica o Governo com o apoio de menos um deputado?

O mandato é dos deputados e não dos partidos, mas se o Chega retirar confiança política a um dos representantes parlamentares o Governo dos Açores podia ficar em risco. Com este cenário estariam duas hipóteses em cima da mesa: o deputado manter o apoio parlamentar ao Governo mesmo sem o Chega ou o deputado recusar o apoio ao Governo.

Neste momento PSD, CDS e PPM têm 26 deputados na Assembleia Legislativa dos Açores. Para verem o programa de Governo viabilizado, bem como os acordos que foram assinados, contam com o apoio parlamentar de um deputado da Iniciativa Liberal e de dois do Chega, o que totaliza os 29 deputados necessários para a maioria absoluta. Uma desistência colocaria todo o Governo em causa.

O Chega já meteu o Governo em risco

O Governo regional festejou 100 dias há menos de uma semana, mas houve uma crise quando ainda nem se festejavam 70 dias da tomada de posse. O problema era nacional, mas tomou proporções locais. No fim de janeiro, PSD e CDS assinaram um entendimento pré-eleitoral para coligações nas autárquicas e deixaram o Chega de fora.

André Ventura sentiu-se colocado de parte e acusou sociais-democratas e democratas-cristãos de “bullying político”. Ventura insistiu ser “incompreensível” a existência de “uma espécie de cordão sanitário a um partido legalizado e um partido que está no Parlamento” e ameaçou romper o Governo de direita nos Açores.

Cem dias de Governo nos Açores: a crise que pôs tudo em risco, o RSI a descer e um gabinete que já tem paredes

O tema tomou proporções tais que, em tempos de pandemia e reuniões por videoconferências, André Ventura optou mesmo por voar para os Açores para resolver o assunto. A reunião com José Manuel Bolieiro não podia ter corrido melhor. O líder do Chega jurou continuidade, depois de ter ouvido o presidente do Governo regional assegurar que os acordos se mantinham e que até havia espaço para possíveis coligações nas eleições.

Cerca de um mês depois, Bolieiro afasta as ideias de feridas abertas neste Governo. Ao Observador disse que houve uma “clarificação deste relacionamento” para “garantir a participação do Chega numa estabilidade governativa”, já que é um partido “importante e decisivo” neste cenário. É caso para dizer que “o entendimento está feito, escrito e é para ser cumprido no quadro das relações da Região Autónoma dos Açores”, esclareceu.