O ministro da Administração Interna admitiu esta sexta-feira a possibilidade das eleições autárquicas, previstas para setembro ou outubro, se realizarem em dois fins de semana devido à pandemia de Covid-19.

Em entrevista à agência Lusa, Eduardo Cabrita disse que nas eleições autárquicas “não está previsto o voto antecipado”, mas existe “abertura para ponderar modelos”, sendo “a distribuição do voto entre dois fins de semana perfeitamente possível”.

Ressalvando que “tudo depende da Assembleia da República”, o governante explicou que, nas eleições autárquicas, “não é possível o voto em mobilidade porque isso implicaria ter tantos boletins de voto disponíveis quantas as três mil freguesias que existem no país e, portanto, seria uma operação logística impossível”.

Questionado sobre alteração da data das eleições, Eduardo Cabrita referiu que matérias de lei eleitoral são de “reserva absoluta” da Assembleia da República.

No próximo dia 25 de março vai ser discutido na Assembleia da República o projeto-lei do PSD que prevê o adiamento das eleições autárquicas do período setembro/outubro para novembro/dezembro por causa da epidemia de Covid-19 em Portugal.

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“A competência de alteração das datas é da Assembleia da República, mas a opinião que tenho é a mesma sobre as presidenciais. Espero que a situação sanitária esteja claramente melhor, já hoje está claramente melhor do que em janeiro, mas prova hoje não teríamos ganho nada em adiar as eleições presidenciais”, sustentou. O ministro disse também que não há qualquer certeza “de que a situação em dezembro possa estar melhor do que em setembro”.

MAI quer rever quadro legal de resposta a emergências sanitárias após a pandemia

Por outro lado, o ministro referiu que no final da pandemia terá de ser revisto o quadro legal da resposta a emergências sanitárias, uma vez que o estado de emergência foi pensado para outro tipo de situações. Eduardo Cabrita avançou que o Governo já pediu à Provedoria de Justiça um contributo sobre esta matéria.

Foi pedido à Provedoria de Justiça que tivesse um contributo ativo nessa natureza. Todo este quadro legal, a começar pela lei do estado de emergência, foi pensado para outro tipo de situações”, afirmou.

O governante considerou que “seria péssimo” uma grande discussão normativa a meio do atual combate à pandemia de Covid-19.

“Agora ultrapassada esta situação nós temos de rever todo este quadro jurídico a começar pela lei do quadro do estado de emergência que foi pensada basicamente para situações de um golpe de estado ou de uma grave perturbação de ordem pública e não para um quadro de resposta sanitária”, precisou.

O ministro sublinhou que tem sido provada “a capacidade de ter a resposta adequada” cruzando a lei do estado de emergência, a lei de bases da proteção civil e a lei de vigilância em saúde pública.

“Mas estou de acordo que é necessário uma revisão de todo este quadro”, disse, frisando que tem sido utilizado “o bom cruzamento” desta leis, o que tem permitido “no essencial realizar os objetivos” de combate à pandemia, apesar de não terem sido pensadas para situações de emergência sanitária.

Eduardo Cabrita reforçou que “seria absolutamente inadequado” estar a fazer “a quente” e “em cima de situações concretas” a revisão deste quadro legal.

“Tenho a certeza absoluta que o teremos de fazer dada a resposta que é a prioridade que temos que aqui consolidar a erradicação da pandemia”, acrescentou.

O ministro explicou que foi pedido à Provedoria de Justiça “uma reflexão distanciada”. Desde que começou a pandemia em Portugal, em março de 2020, já foram decretados 13 estados de emergência, e, entre maio e novembro de 2020, três situações de calamidade, outras três de contingência e duas de alerta, sendo algumas delas em apenas algumas regiões do país.

Grande aumento de casos em janeiro obrigou a reforço da fiscalização

O ministro recordou que em janeiro foram dadas indicações às forças de segurança para reforçarem a fiscalização, orientações consideradas necessárias devido ao grande aumento do número de casos de Covid-19 no país.

Foi dada indicação às forças de segurança de um claro reforço da dimensão fiscalizadora”, afirmou Eduardo Cabrita, adiantando que em janeiro, quando Portugal passou pelo “período mais difícil”, foi feita uma alteração às regras de fiscalização ao estado de emergência, que se traduziram “num aumento das contraordenações”.

Que coimas arrisca quem não cumprir regras. Forças de segurança com instruções para multar logo

Quando se assinala um ano em que Portugal entrou no primeiro estado de emergência para fazer face à pandemia, o ministro da Administração Interna salientou que as contraordenações em fevereiro e março deste ano “foram muito superiores às do período anterior”.

“O despacho que fiz sobre as regras de fiscalização e sobre o que devia ser exigido traduz-se, a partir da primeira quinzena de fevereiro, no triplo das contraordenações. Passamos de menos de quatro mil para cerca de 10 mil e é nesse patamar que temos estado”, precisou.

Apesar deste aumento significativo da fiscalização por parte da PSP e da GNR, Eduardo Cabrita, que coordena a estrutura de monitorização do estado de emergência, recusou que exista “caça à multa” até porque “não há qualquer dimensão de receita” neste conceito.

O governante frisou que este reforço da atuação das polícias foi “necessário e produziu” efeitos no combate à pandemia.

“Foi fundamental para os bons resultados que tivemos durante todo o mês de fevereiro ao passarmos em poucas semanas de uma dimensão que era preocupante a nível europeu para hoje termos provavelmente os melhores resultados europeus em termos de contenção da pandemia”, lembrou.

Classificando este ano de pandemia como um “ano de desafio”, o ministro destacou “a conjugação no plano político entre responsabilidades do Presidente da República, Assembleia da República e do próprio Governo”.

Essa é uma grande lição, um bom exemplo de Portugal e que faz muita diferença na resposta relativamente a alguns países”, disse, realçando que os portugueses globalmente têm cumprido com as regras e que têm existido apenas comportamentos “certamente minoritários”.

“Estivemos muito bem no primeiro período, estivemos muito bem na fase em que aplicamos medidas nas chamadas 19 freguesias de cinco concelhos da Área Metropolitana de Lisboa. Esse foi um pico de dificuldade que tivemos entre junho e agosto que correu muito bem. Manifestamente as pessoas têm mais dificuldade em perceber quando há, por exemplo, a diferença concelho a concelho”, disse.

O governante destacou o papel das forças de segurança em garantir o cumprimento das medidas restritivas e de não existir “uma dimensão repressiva e securitária”.

“Temos conseguido ter medidas restritivas das liberdades no sentido em que alteram a nossa forma normal de vida de uma forma que jamais tínhamos antecipado e como o conseguimos fazer com o respeito essencial pelos direitos fundamentais”, afirmou, considerando que “a democracia nunca esteve suspensa”.

O governante sublinhou também que este “conjunto de alterações tão significativas no modo de vida” dos portugueses “não determinou qualquer crescimento de tensão social de criminalidade”.

Os dados preliminares do Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, que vai ser apresentado na Assembleia da República no final do mês, mostram que “há uma redução, quer da criminalidade violenta e grave, quer da criminalidade geral”, sendo as exceções as burlas ligadas aos fenómenos digitais, que “subiram significativamente”, e do crime de desobediência, que está relacionado com a pandemia.

O ministro salientou igualmente “a grande capacidade de articulação entre todas as áreas”, mas sobretudo “a visão clara de uma boa coordenação territorial” e a ligação às autarquias locais, um papel que tem sido desenvolvido pelos cinco secretários de Estado com funções de coordenação regional.

“Nós sentimos aqui a falta de instrumentos de que o Estado dispunha. A extinção dos governadores civis fez com que esta área tivesse perdido instrumentos de coordenação territorial que são essenciais, e portanto, isso teve de ser de alguma maneira substituído por esta função de articulação direta entre o ministro, secretários de Estado regionais e o apoio à plataforma comum que acabaram por ser as estruturas de proteção civil”, sustentou.

Reforma da PSP e da GNR passa pela partilha de serviços comuns

Cabrita confirmou que o Governo está a preparar uma reforma na PSP e na GNR que passa pela partilha dos serviços comuns, como serviços tecnológicos, logísticos e administrativos, e pela clarificação da intervenção e modelo territorial destas duas forças de segurança.

Esta reforma deve “separar a natureza da PSP e da GNR” e partilhar “tudo o que não é estritamente operacional” deve estar concluído até ao final da legislatura.

Significa cada vez mais olhar para a Polícia de Segurança Pública como uma polícia urbana, uma polícia das cidades, e olhar para a Guarda Nacional Republicana como uma polícia da coesão territorial na sua dimensão terrestre como força que está presente às vezes até em localidades em que a presença do Estado é a Junta de Freguesia e a GNR”, disse.

Eduardo Cabrita frisou que esta clarificação da “natureza urbana da PSP e da natureza de força de coesão territorial e de guarda costeira da GNR” terá “consequências muito significativas” nos modelos de recrutamento e de organização.

Sobre esta dimensão da GNR enquanto “força de guarda costeira”, o governante avançou que está a concluir-se uma rede de radares que vai permitir reforçar a presença da Guarda Nacional Republicana na Madeira, seguindo-se depois um processo similar nos Açores.

O governante salientou também que avançar “com aquilo que é uma dimensão de profunda reforma na área da segurança significa pôr em comum aquilo que é partilhado”.

“Vamos começar por coisas como pagar vencimentos, iremos a seguir para coisas que não têm nenhuma especialidade policial, como comprar combustíveis”, precisou, dando conta que o objetivo “é por em comum os serviços” e “tudo o que é possível de partilhar entre as duas forças”, nomeadamente tecnologias e áreas de suporte e de logística. O ministro disse ainda que esta intervenção “está a ser feita discretamente porque envolve um trabalho imenso”.

“Recrutamentos adicionais” na PSP e GNR para compensar atrasos de 2020

O plano plurianual de admissões nas forças de segurança foi “de algum modo afetado” pela pandemia, mas avançou com “recrutamentos adicionais” a partir deste ano para a PSP e GNR.

O que foi de algum modo afetado pela pandemia tem a ver com termos pela primeira vez um planeamento plurianual de admissões e não foi possível. Quando as universidades estavam fechadas e as escolas fechadas, ter incorporações [na PSP e GNR] seria um risco para a saúde”, disse Eduardo Cabrita, em entrevista à agência Lusa.

O plano plurianual de admissões prevê a entrada de 10 mil elementos para as forças de segurança até 2023 e estava previsto ter começado em 2020 com um curso com dois mil novos elementos para a PSP e GNR.

“Estivemos abaixo disso em 2020 fruto da pandemia, mas vamos ter níveis adicionais de recrutamento, quer em 2021 quer nos anos seguintes”, anunciou, sustentando que ter uma programação plurianual “é essencial”, mas o primeiro ano deste plano foi afetado pela pandemia de Covid-19.

Eduardo Cabrita sublinhou que no ano passado foram “recrutadas menos pessoas” do que estavam previstas, não se tendo iniciado qualquer curso na GNR e na PSP apenas se realizou uma incorporação em dezembro com quase 800 alunos.

Estamos aqui num tempo particularmente difícil e portanto é evidente que a pandemia ao cair-nos em cima de todos, ao cair no primeiro ano desta programação plurianual veio afetar. Em 2020 recrutámos menos pessoas do que devíamos ter feito”, precisou.

Eduardo Cabrita avançou com a abertura de concursos “para reservas de recrutamento significativas”, uma vez que o Orçamento do Estado deste ano permitiu “uma transição de saldos não utilizados”, possibilitando a recuperação em 2021 e nos próximos anos “daquilo que foi um menor recrutamento em 2020”.

Nesse sentido, o governante anunciou que, em abril, vai ter início um novo recrutamento na GNR com um modelo em que entram 200 a 300 formandos em cada dois meses, totalizando 1400 até ao final do ano.

“Em vez de termos um grande recrutamento vamos ter faseadamente 1.400 novos militares da GNR a iniciarem a sua formação entre abril e dezembro. Isto significa o maior quadro de recrutamento desde há bastantes anos”, frisou.

Relativamente à PSP, o ministro afirmou que está a decorrer uma nova reserva de recrutamento que prevê também o início de formação de 1200 elementos.

Não me recordo neste século de nenhum recrutamento desta dimensão”, disse.

Quando questionado sobre o curso de formação que começou no ano passado na PSP, mas que apenas entraram 793 candidatos para 1000 vagas, o governante referiu que se tratava de “um recrutamento antigo”.

Para o ministro, o problema muitas vezes reside na falta de habitação para os novos polícias que são colocados sobretudo em Lisboa. De acordo com Eduardo Cabrita, este problema tem uma resposta no Orçamento do Estado e no Plano de Recuperação e Resiliência em que passa por dar prioridade às condições de alojamento adequadas aos jovens polícias.

Célia Paulo (texto), Hugo Fragata (vídeo) e João Relvas (fotos), da agência Lusa