Os deputados da comissão de parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco chamaram Vítor Bento mas acabaram, de um modo geral, por proporcionar apenas um redux da audição parlamentar tida em dezembro de 2014, na qual já se tinha falado longamente sobre o colapso do BES. Ao longo de cinco horas de audição parlamentar, falou-se muito sobre a opção de avançar para a resolução do banco e sobre a rutura entre a equipa de Vítor Bento e o Banco de Portugal. Mas, entre as perguntas feitas pelos deputados e respondidas por Vítor Bento, não é fácil vislumbrar algo que irá ajudar os deputados a concluir se houve ou não irregularidades na venda de ativos do Novo Banco.
A deputada Cecília Meireles, do CDS-PP, até iniciou os trabalhos perguntando sobre casos concretos de devedores que resultados em perdas do banco – ressarcidas pelo Fundo de Resolução, em parte com empréstimos dos contribuintes. Um exemplo foi o da Ongoing, que a dada altura quis votar numa assembleia-geral da Portugal Telecom, decisiva para a fusão com a brasileira Oi, com as ações que tinha penhoradas no banco. Vítor Bento não quis falar sobre a origem das operações de crédito subjacentes, mas confirmou que recusou essa pretensão de exercício de direito de voto não só uma mas, sim, duas vezes (após protesto da Ongoing após a primeira recusa).
Perante essa recusa, Vítor Bento diz que os interlocutores terão ficado muito “agastados” com a decisão contrária. “Pois… Não estavam habituados” a serem contrariados por alguém do BES, ironizou Cecília Meireles.
À parte deste comentário, pouco mais se falou sobre os créditos e exposições que acabaram por ficar no Novo Banco (não permanecendo no perímetro do ‘BES mau‘) e que, mais tarde, levariam às perdas registadas pela instituição nos últimos anos. Daí que o debate tenha derrapado para a forma como evoluiu a interação entre o Banco de Portugal, então liderado por Carlos Costa, e a equipa de Vítor Bento – uma relação que o economista ilustrou com a história do almocreve que, reza a história, carregou o burro com centenas de peixes e, quando atirou mais um peixe para cima, o animal caiu… “Raio do burro que não aguenta com um peixe em cima“.
Ora, foi um grande acumulação de “peixes” que, no final, acabou por inviabilizar a permanência de Vítor Bento no Novo Banco, mês e meio depois da resolução. O economista repetiu que ficou surpreendido pelos termos da resolução como ela foi decidida, achou que não era para aquilo que tinham sido convidados e ficou particularmente impressionado quando percebeu que, ao contrário do que lhe tinha sido dado a entender, que o dinheiro da troika para recapitalizar a banca não era só uma questão de pedir.
Era preciso pedir, sim, mas o Banco de Portugal terá dito que Bento tinha de ir pedir à ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque – algo que surpreendeu o presidente do Novo Banco porque acharia que esse era um processo em que o Banco de Portugal teria uma intervenção direta. Vítor Bento foi falar com a ministra das Finanças e levou uma “nega”, como é sabido, o que levou todo o processo para um beco sem saída – passado poucas horas, a gestão foi informada da resolução mas não em termos concretos. Só na 2ª feira “de madrugada” Vítor Bento soube quanto seria o capital inicial do banco: 4.900 milhões de euros, menos do que os 5.500 milhões que estavam a ser preparados no fim de semana, segundo lhe tinham indicado, “informalmente”, quadros do banco envolvidos no trabalho que deu origem ao Novo Banco.
Vítor Bento e o BES. “Na guerra, não pode é haver fogo de retaguarda”
Outro problema foi a questão da garantia angolana à exposição do BES ao BES Angola (BESA). Vítor Bento lembrou que o próprio Carlos Costa tinha indicado no parlamento, poucas semanas antes, que dali não se perspetivavam problemas. A Vítor Bento foi dito, segundo o próprio, que as negociações com Angola estavam “muito bem encaminhadas”, o que acabou por não se confirmar, porque o reconhecimento das perdas com o BESA acabaram por ser decisivas para o prejuízo reportado pelo BES nas mortíferas contas do primeiro semestre.
Tal como já tinha dito João Moreira Rato, ex-administrador financeiro ouvido na semana passada, Vítor Bento disse que havia uma viagem ao país africano, para ter “uma conversa franca” com as autoridades angolanas – estava agendada para 4 de agosto, que acabou por ser o primeiro dia da vida do Novo Banco. Antes da resolução, porém, Vítor Bento recordou que começaram a sair notícias sobre essa possibilidade e o comentador Luís Marques Mendes deu na televisão, a 6 de setembro, “pormenores da venda, o que que nos deixou surpreendidos. Não tínhamos conhecimento de nada daquilo pelo menos naqueles termos”. Mais um peixe em cima do burro.
O economista garantiu, em pleno parlamento, que não tem “arrependimentos” sobre o que se passou nos seus (curtos) meses neste processo, mas não esconde alguma tristeza em relação à forma como tudo se desenrolou. Tanto que deixou escapar mais uma analogia cheia de simbolismo: “quem vai para a guerra sabe que pode morrer, porque vai enfrentar fogo inimigo. A única coisa que não é aceitável é sofrer fogo de retaguarda”.
Falando-se pouco sobre o objeto desta comissão, os ativos que existiam no Novo Banco e cuja venda levou ao reconhecimento de perdas que levaram a injeções públicas, os deputados pediram, no entanto, a Vítor Bento que desse a sua perspetiva sobre a polémica venda da Tranquilidade. A seguradora nunca esteve, em rigor, entre os ativos do Novo Banco mas acabou por cair no colo do banco por via de um penhor – a Tranquilidade já estava em processo de venda quando Bento entrou no banco, mas o gestor acabou por assinar a venda ao fundo Apollo, uma decisão colocada em causa por deputados incluindo os do PCP.
Vítor Bento defendeu, perentoriamente, que aquela venda “foi a melhor decisão que se podia tomar” na altura e corrigiu quando se diz que o Apollo pagou apenas 40 milhões de euros pela instituição que venderia por 600 milhões vários anos mais tarde. Esse número não inclui, por exemplo, o reforço de capital que o Apollo fez, de 150 milhões de euros, e que tinha de ser feito por alguém. Perante as queixas de Liberty de ter sido preterida no processo, Bento diz que “a Liberty não se arriscou a converter a proposta não-vinculativa em vinculativa – se quisesse fazê-lo podia ter sido como “marcar um penalty sem guarda-redes na baliza”. Como não o fez, o Novo Banco, pressionado pelo regulador dos seguros, não podia arriscar reabrir o processo arriscando afugentar o fundo Apollo e ainda arriscando ser levado a tribunal por este.