Ainda não é desta que vão ser votadas as propostas sobre os deputados terem de declarar pertencer à organizações como a maçonaria ou o Opus Dei. A votação das propostas de PSD e PAN chegou a estar marcada para quinta-feira, mas foram retiradas do guião e a decisão adiada. Isto não significa que a lei possa cair, muito pelo contrário. O PCP, que era visto como um potencial aliado do PS para travar esta lei, quer ver tudo com mais calma e até admite que uma lei bem feita pode mesmo aumentar a “transparência” — isso mesmo garante o líder parlamentar comunista ao Observador. Para ter mais elementos para a decisão, a bancada comunista pediu um adiamento, que foi aceite.

O PCP fez mesmo um pedido concreto de estudo de direito comparado (com as realidades de outros países) para conseguir analisar “sem pressa” as duas propostas que estão em cima da mesa da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados. Ao Observador, o deputado comunista João Oliveira diz acreditar que “uma lei destas pode ser útil para reforçar as regras de transparência” e defende uma discussão aprofundada para que se consiga “chegar a bom porto”. O objetivo dos comunistas é que o debate se faça sem que “todos estejam a tentar saber quem é mais ‘anti-maçon’ para depois vir agitar bandeirinhas”. “Se há titulares de cargos políticos que obedecem a outras lealdades, é importante que isso se saiba”, defende João Oliveira.

Sobre as propostas que estão em cima da mesa, João Oliveira até começa por dizer que não tem “nenhuma objeção à proposta do PAN”, embora acredite que a nomeação das organizações pode levantar problemas: “Se dizemos quais são as entidades e elas mudam de nome, a lei vai para o galheiro”.

O detalhe até poderia ficar resolvido com a proposta de alteração do PSD, que alarga a obrigatoriedade da identificação a todas as “entidades de natureza associativa”, mas não. Daqui para a frente os problemas são em maior número, mas em muitos casos os comunistas até têm solução.

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Sobre a amplitude das organizações que ficam debaixo do chapéu aberto pelos sociais-democratas, os comunistas quiseram saber se também estão incluídas associações de carácter religioso, sindicais ou médicas: “Se um deputado for membro da Associação Islâmica da Tapada das Mercês vai ter que fazer essa referência? E se fizer parte de um sindicato? Ou ainda se fizer parte da Associação de Doentes Hemofílicos?”. Este é o primeiro problema identificado, porque pode levantar “problemas constitucionais”, mas há solução: “Podemos criar uma lista de exceções”.

Problema número dois: “Como é que isto se fiscaliza?”, pergunta o deputado que também é membro efetivo da comissão onde a discussão está a correr. “Se os deputados fizerem parte de uma organização secreta e não o disserem, é impossível penalizá-los”. Saber se uma organização é secreta ou discreta também pode ser um problema porque “muito dificilmente haverá acesso aos estatutos”.

PS está fora. Proposta é “desnecessária, desadequada, desequilibrada e inconstitucional”

O PS está irredutível e contra qualquer lei que obrigue os deputados a declarar a pertença a organizações como a maçonaria, embora esteja isolado nesta posição que exclui qualquer lei deste género ou ajuste à proposta do PAN. Os socialistas não vão apresentar qualquer alteração às ideias que estão em cima da mesa, de acordo com o que avança ao Observador o deputado do PS, Pedro Delgado Alves. O voto contra é dado como praticamente certo, porque o PS “identificou vários problemas nas propostas que foram apresentadas”. A saber: há “problemas ao nível da necessidade, adequação e equilíbrio”, aos quais se juntam “questões de constitucionalidade”.

Os restantes partidos não se comprometem para já, Bloco de Esquerda, CDS e PAN ficam à espera dos desenvolvimentos.

“Rui Rio quer saber quem é maçon dentro do PSD”, acusa Grão-Mestre da Maçonaria Regular Portuguesa

As entidades visadas não param de criticar os partidos que querem avançar com esta proposta. “É uma tentativa de descobrir quem é quem dentro dessa organização política”. Esta é uma das intenções que o Grão-Mestre da Maçonaria Regular Portuguesa, Armindo Azevedo, vê na proposta que o PSD apresentou na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados.

A ideia original de identificar membros de organizações como a Maçonaria e o Opus Dei partiu do PAN que na semana passada levou a debate a ideia de incluir um campo opcional onde os deputados podiam dizer se eram membros de organizações “secretas ou discretas”. Considerando que “o PAN não teve coragem para ir mais longe”, o partido de Rui Rio avançou com uma proposta de alteração onde o carácter opcional passa a obrigatório e o âmbito da medida é alargado a “todas as associações”.

“Vou ter uma trabalheira porque pertenço a umas 40 associações. Até o Vitória de Guimarães vou ter que incluir porque sou sócio, mas acho que faz sentido”, começa por dizer ao Observador o deputado André Coelho Lima, autor da proposta, explicando que se esta obrigação avançar “não está em causa nenhum striptease dos deputados, é uma questão de transparência”. Para o também vice-presidente dos sociais-democratas esta ideia “tem a marca de Rui Rio” e a não referência a qualquer organização em particular é a prova de “não discriminação de associações”.

Armindo Azevedo não concorda. “A passagem de facultativa a obrigatória revela claramente uma perseguição à Maçonaria e o alargamento a todas as organizações é uma forma de esconder o objetivo concreto que é identificar maçons que não querem revelar que o são”.

O Grão-Mestre da Maçonaria Regular Portuguesa diz ao Observador que está a acompanhar o caso com “preocupação”, embora não esteja surpreendido com a proposta do PSD: “É normal isto acontecer, especialmente em momentos eleitorais”.

No final de 2019, Rui Rio acusou a Maçonaria de estar a “tentar condicionar muitas coisas no país”, acusando a organização de ter “interesses, secretos, obscuros e pouco transparentes”. Na altura, o líder do PSD comentava uma entrevista de Paulo Mota Pinto ao Expresso em que o antigo deputado e antigo vice-presidente do partido lançava dúvidas sobre a candidatura de Luís Montenegro à liderança do PSD. Rui Rio lançou as suspeitas, mas não chegou a concretizar. Mais de um ano depois surge esta proposta de alteração à ideia do PAN porque “quem não deve, não teme”, atira André Coelho Lima.

Já no decorrer do debate lançado por esta nova proposta, Rui Rio voltou ao ataque com um novo alvo: o Partido Socialista. Através de uma publicação no Twitter, o líder social democrata diz que o afastamento do PS desta proposta revela “obediência” à Maçonaria e a “degradação do regime” com aposta na “falta de transparência”.

A medida “populista e demagógica” assenta em “ignorância”, acusa o Grão-Mestre que assume não conhecer os partidos dos “três mil e tal membros que fazem parte da grande loja” de que é responsável, mas não tem dúvidas de que há “gente de todos os espectros”. Chamado a comentar as suspeitas de manipulação política, Armindo Azevedo rejeita cada uma delas: “Temos a organização mais democrática do mundo, não há outra assim. A prova disso é que temos numa mesma loja pessoas de vários estratos sociais, de várias etnias e de várias religiões e convivem em paz e fraternidade. Isto é uma coisa única”. Armindo Azevedo garante ainda que não há intervenção na política: “Nunca quisemos nem queremos ter essa intervenção”.

Apesar de afastar as suspeitas que circulam na opinião pública, o responsável da Maçonaria Regular Portuguesa também assume erros. “Também nos enganamos. Quando fazemos o nosso processo de seleção descobrimos que há candidatos que procuram ascensão social e privilégios que nós não temos para oferecer. O único privilégio que oferecemos é o trabalho de cada um no sentido de ser um homem melhor e que possa possa transportar esses bons valores para a sociedade”, esclarece, acrescentando ainda que “a única preocupação que temos é ajudar um irmão quando ele estiver em dificuldade”.

A maçonaria não se revê na identificação de organização secreta. “Essa história do secretismo já lá vai há muito tempo”. Armindo Azevedo diz ter orgulho na sua condição, e aconselha todos os maçons a identificarem-se, mas rejeita a proposta do PSD porque “muitas pessoas têm medo e têm o direito a manter reserva”.

Proposta do PSD exclui Opus Dei por não ser associação?

A discussão em torno das organizações secretas e discretas regressou pela mão do PAN que levou à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados a inclusão de “um campo de preenchimento facultativo que permite a menção, ainda que negativa, à filiação ou ligação com associações ou organizações que exijam aos seus aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não assegurem a plena transparência sobre a participação dos seus associados”. A proposta não faz referência a organizações em concreto, mas como era esperado o debate foi todo feito à volta da Maçonaria e do Opus Dei.

A alteração do PSD vai mais longe quando retira da formulação a palavra”facultativo”, mas parece ficar a meio caminho quando se refere apenas a “entidades de natureza associativa”. Se é certo que as principais obediências maçónicas têm uma face pública que são as associações às quais estão ligadas, o que faz com que os deputados maçons tenham de declarar a pertença à maçonaria no sue registo de interesses. Já a Opus Dei não é uma associação — embora tenha várias associações que gravitam em torno do prelatura. Não sendo uma associação, mas sim uma entidade de carácter religioso, pode estar fora das linhas traçadas na proposta de alteração do PSD.

Pedro Gil, responsável pela comunicação do Opus Dei, não dá ainda como garantida esta escusa, preferindo comentar este aspeto apenas quando a proposta final for votada pelos deputados. Para já, levanta problemas de constitucionalidade: “A Constituição pede que não seja perguntado às pessoas qual é a sua confissão religiosa e, quando o fazem, não devem ser tiradas consequências a partir daí”, explica ao Observador.

Membro da organização religiosa estabelecida de forma estável em Portugal desde 1945, Pedro Gil pede que se inclua a Igreja Católica e outras organizações religiosas neste debate que considera “saudável”, mas que está a decorrer com grande “ligeireza” e pede aos responsáveis políticos para se “informarem mais sobre a realidade”. O responsável pela comunicação recusa ainda os rótulos que têm sido colados à organização, deixando claro que “o Opus Dei não é uma organização secreta, não tem interferência no exercício político e é uma instituição católica”.