A violência da pandemia trouxe ao vocabulário europeu variados termos bélicos, que provam a tensão que o momento provoca nas relações entre potências mundiais. Há uma “bazuca” para responder à crise, mas agora há também “uma arma” carregada no coldre que a União Europeia quer que o mundo inteiro saiba que existe e que pode ser empunhada a qualquer momento para disparar o tiro mais perigoso que o bloco europeu tem: o bloqueio de exportações. “Não é a primeira arma a usar” para acelerar o processo de vacinação na UE, advertiu o primeiro-ministro António Costa, mas fica colocada como uma hipótese, na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho Europeu.

Num momento em que o país preside ao Conselho da União Europeia, foi o primeiro-ministro português que deu conta das conclusões da reunião, no Centro Cultural de Belém, começando precisamente pelo “esforço adicional” que a Comissão está a fazer para “aumentar a capacidade de produção” de vacinas e “garantir o cumprimento dos contratos”. E foi nesse momento que acrescentou — o que já se tinha falado durante a tarde — que a União está preparada para “recorrer a todos os instrumentos, incluindo a proibição de exportações, se tal for necessário”.

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Aviso feito. Com Costa a ter de passar o resto da conferência de imprensa, nomeadamente na parte das perguntas do jornalistas, a justificar que essa não é “a primeira arma”, até porque “o objetivo não é criar barreiras” e que as “armas são armas, mas o objetivo não é a guerra, mas o trabalho pacífico em conjunto para aumentar a capacidade de resposta” às populações. Mas para logo a seguir dar uma na ferradura ao dizer que o “objetivo não é bloquear exportações, mas sim [garantir] que não somos bloqueados pelos outros” no fornecimento de vacinas.

O travão maior a um avanço mais dramático por parte da UE foi também exposto por Costa que, no meio destas declarações, referiu que “pelo menos uma vacina produzida na Europa tem mais de 80 componentes”: “Muitos vêm de fora da Europa. Se recusamos a exportação, arriscamos a que não nos forneçam alguns desses componentes”. Uma retaliação que faz com que os líderes europeus mantenham a tal “arma” no coldre.

Até porque, por agora, há um sinal de cooperação que chegou do outro lado do Atlântico, com o presidente dos EUA, Joe Biden, convidado de honra numa parte desta reunião do Conselho Europeu, a deixar claro que ambas as partes entendem “cooperar”. O encontro entre as partes, disse Costa, “foi produtivo” e a conclusão foi simples: “Na pandemia ninguém estará a salvo enquanto não estivermos todos salvos.”

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Ao mesmo tempo que elogiava um caminho mais aberto para o diálogo com os Estados Unidos — e dando o combate às alterações climáticas como exemplo –, o primeiro-ministro português também foi colocando em cima da mesa alguns dados sobre o papel da União no processo de vacinação. “É o bloco que mais tem exportado vacinas”, pelo que se pede “reciprocidade” aos restantes blocos.

E, questionado sobre um eventual litígio com o Reino Unido, se avançar para o bloqueio, Costa ainda acrescentou que a UE é o “espaço mais aberto que tem estado a exportar aquilo produz” e que, por exemplo, “lidera no apoio à Covax, o mecanismo internacional que tem assegurado o fornecimento de vacinas aos países em desenvolvimento, em particular de África e da América do Sul”.

Comissão vai contar espingardas em cada estado membro para acelerar produção

Quanto a ações concretas, para dar resposta a um problema de fornecimento de vacinas aos países da UE, António Costa fez saber que a Comissão está a “mapear as capacidades de produção” em cada um dos 27 estados membros”, para perceber que parte da vacina pode ser produzida em cada país para conseguir produzir mais.

É precisamente nesse contexto que esta sexta-feira estará em Lisboa o comissário europeu do Mercado Interno, Thierry Breton, para visitar as empresas portuguesas que o ministro da Economia “já indicou como aquelas onde se podem encontrar atividades que possam concorrer para a produção de vacinas em algum dos seus segmentos”. “Há fases [na produção da vacina] que Portugal não tem capacidade de produzir, mas há outras – seja de componentes ou acabamentos – que temos”, detalhou o primeiro-ministro.

Regras da austeridade congeladas?

É o mais provável e foi isso mesmo que ficou subentendido nas palavras do primeiro-ministro quando se referiu às intervenções dos presidentes do Eurogrupo e do Banco Central Europeu (BCE), que defenderam a “necessidade de se prosseguir em 2022 a suspensão das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a importância de ser acelerada a aplicação dos Planos de Recuperação e Resiliência”. A obrigação de os estados membros terem de manter controlados o défice e a dívida foi levantada há um ano, quando começou a pandemia, e neste Conselho Europeu foi defendida igual estratégia para este ano. Resta saber o que entende cada um dos líderes europeus.

Já sobre a necessidade de acelerar a apliação dos PRR, Costa fez o balanço aos processos de ratificação nacionais, em que 23 dos países já concluíram ou estão a dias de concluir o processo. E espera que este capítulo possa estar encerrado em meados de abril. Quanto a Portugal e à apresentação do seu plano em Bruxelas, espera que possa estar na pole position.