Analistas do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), da África do Sul, consideram que a União Africana (UA) devia intervir no conflito no norte de Moçambique, apresentando vários “pontos de entrada” que os responsáveis podem usar.

Apesar dos desafios colocados pelo princípio da subsidariedade, as mãos da UA [União Africana] não estão completamente amarradas, há vários utensílios e enquadramentos, e ao longo dos anos foram estabelecidos mecanismos elaborados para lidar com graves ameaças à paz e segurança no continente”, argumentam os analistas num relatório especificamente dedicado à situação em Moçambique.

No texto, que passa em revista as várias possibilidades de intervenção por parte do Conselho de Paz e Segurança (PSC), composto por 15 membros da UA, os analistas dizem que “primeiro a situação tem de ser enquadrada para uma discussão ao nível do PSC”, ainda que, admitem, “o facto de Moçambique ser um membro do conselho possa ser um obstáculo”.

A presidência da União Africana, que está na mão da República Democrática do Congo, “também pode pedir uma reunião, apoiada pelo novo Comissário para os Assuntos Políticos, de Paz e Segurança, Bankole Adeoye, e uma reunião podia resultar numa forte declaração comensurável com a gravidade da situação, e com clareza sobre os passos a ser dados pela Comissão da UA sobre a sua gestão”, argumentam os analistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em segundo lugar, o ISS defende a possibilidade de uma missão para encontrar factos, além da decisão de enviar um enviado especial sobre mulheres, paz e segurança para investigar, “já que a situação tem um impacto desproporcional nas mulheres e nos grupos vulneráveis”.

Em quarto lugar, acrescentam, a Comissão da UA para os Direitos Humanos e dos Povos “podia ser mandatada para lançar uma investigação aos abusos de direitos humanos documentados pela Amnistia Internacional“, lembrando o exemplo do Burundi, em 2015, em que o PSC usou os resultados de uma iniciativa deste género para justificar uma ação mais forte, apesar da relutância da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Além disso, acrescentam, “a UA podia usar o seu poder de reunião e forçar comunicados conjuntos ou cimeiras com parceiros como a União Europeia, os Estados Unidos e as Nações Unidas para sublinhar a necessidade urgente de lançar ações”.

No texto, os analistas da ISS lembram que “a UA pode também prevalecer sobre o Governo de Moçambique através do diálogo e de canais diplomáticos para permitir mais acesso às vítimas da violência por parte das organizações humanitárias” e conclui que “se Moçambique e os seus vizinhos concordarem numa intervenção militar regional, a UA pode liderar a missão, coordenando esforços em conjunto com os seus parceiros e a ONU”, como aconteceu contra o Boko Haram, na Somália, e no caso do G5 Sahel.

A vila sede de distrito que acolhe os projetos de gás do norte de Moçambique foi atacada na quarta-feira por grupos insurgentes jihadistas que há três anos e meio aterrorizam a região.

Ataques em Moçambique. Fuga de Palma leva centenas para fronteira com a Tanzânia

Dezenas de civis, incluindo sete pessoas que tentavam fugir do principal hotel de Palma, no norte de Moçambique, foram mortos pelo grupo armado que atacou a vila na quarta-feira.

A violência está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.

Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, cujas ações já foram reivindicadas pelo autoproclamado Estado Islâmico, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora existam relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.