O presidente da Sociedade Portuguesa Medicina Interna (SPMI) considerou esta quinta-feira que a criação da especialidade de urgência é “um mau serviço aos portugueses” porque os argumentos que a defendem são “falaciosos” e não refletem a realidade do país.

Só quem não entende bem a nossa realidade é que pode pretender importar para Portugal uma coisa que tem lógica em outros países, mas que aqui carece dela. Não usem a pandemia, que deu visibilidade aos intensivos e à urgência, para dizer que Portugal teria respondido de melhor maneira se tivéssemos essa especialidade. As pessoas devem ter muito orgulho do que foi feito”, defendeu João Araújo Correia.

Em entrevista à agência Lusa, o presidente da SPMI disse que se está a “tentar vender ao público geral gato por lebre” e frisou que “não podem ser os interesses corporativos” a promover a criação de uma nova especialidade.

João Araújo Correia explicou o papel atual dos médicos de Medicina Interna nas urgências portuguesas, procurando mostrar as diferenças deste serviço em Portugal face a outros países europeus.

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O problema maior [em Portugal] são as pessoas — com doença aguda ou moderada, sem qualquer triagem prévia — que aparecem nos serviços de urgência. E esse problema não é resolvido por se criar uma especialidade. Em Portugal, ao contrário dos outros países onde há especialidade de medicina de urgência, 80% dos doentes que chegam à urgência são casos de medicina (…). Nos outros países 80% dos recursos são de trauma, emergência ou situações cirúrgicas. Além da quantidade — lá dezenas e cá centenas — basta a diferença das pessoas que acorrem à urgência — para se ver que a realidade é completamente diferente”, descreveu.

Para João Araújo Correia a conclusão é simples e clara: “Em Portugal os acessos [à urgência] são diferentes e existe uma especialidade que dá resposta que é a Medicina Interna”. Ainda que admita que existe margem para melhorar, o presidente da SPMI sintetizou a ideia de que “competência é diferente de especialidade”.

“Talvez haja necessidade de que os médicos internistas que se dedicam à urgência façam formação para dar resposta ao trauma e ao transporte intra e inter-hospitalar. Isso é criar uma competência, não uma especialidade (…). Nem todos os especialistas de Medicina Interna estão competentes para estarem na urgência, mas na realidade portuguesa estão muito mais próximos de o estarem do que médicos do pré-hospitalar ou da emergência que têm uma visão parcial”, afirmou.

João Araújo Correia considerou que “não é sério” defender a especialidade como “uma espécie de salvação dos problemas que existem na urgência” e que esse “é um mau serviço que se presta aos portugueses”, acusando quem a defende, “os colegas que estão ligados ao pré-hospitalar, ao intensivismo ou à emergência médica”, de serem movidos por interesses corporativos. “Querem uma carreira própria”, acusou.

Quanto ao papel dos tarefeiros, médicos sem especialidade que atualmente completam o quadro das urgências, João Araújo Correia defendeu que “não se deve criar uma especialidade só para lhes dar lugar” porque isso “não faz nada em seu benefício e promove pessoas que precisam de mais formação”. “Não devemos balizar por baixo a urgência”, defendeu.

João Araújo Correia sublinhou que “a Medicina Interna de Portugal, Espanha e do sul da Europa, é uma Medicina Interna muitíssimo forte com capacidade de ver o doente de uma forma global e com raciocínio clínico extraordinário“. Nesse sentido, considerou: “de uma vez por todas devemos orgulharmo-nos do que temos e não achar que estamos atrás dos outros”.

Portugal é um dos quatro países europeus que não têm a especialidade de medicina de urgência e emergência, mas a Ordem dos Médicos admitiu já estudar a sua criação.

Em declarações à Lusa, em maio do ano passado, o bastonário, Miguel Guimarães, reconheceu que a criação da especialidade “pode ter vantagens e também pode ter algumas fragilidades“, garantindo que a “reflexão profunda” sobre o tema junta responsáveis de várias especialidades.

Na mesma data, o presidente do colégio da competência em Medicina de Emergência, Vítor Almeida, considerou que a criação da especialidade não é, só por si, “a varinha mágica que vai resolver os problemas do serviço de urgência”, mas vê o modelo como “peça fundamental do puzzle”.

Em dezembro, o Colégio da Competência em Emergência Médica da Ordem dos Médicos considerou que só com a criação de uma especialidade de urgência se poderão ultrapassar os constrangimentos que ciclicamente afetam os serviços de urgência, prejudicando doentes e profissionais.

Confrontado com estas posições, o presidente da SPMI disse à Lusa que “se de todo em todo quiserem criar uma especialidade, então obrigatoriamente os especialistas em Medicina Internas têm de ter uma dupla titulação”.