O Palácio Nacional de Mafra recebe esta quinta-feira um Conselho de Ministros extraordinário sobre a cultura. O local é simbólico, a reunião também. O objetivo, segundo o Governo, é responder aos vários problemas dos últimos meses no setor, que foram expostos por causa da pandemia, e dar um sinal de que o executivo de António Costa coloca a cultura num patamar de prioridade. A par do simbolismo, o Governo quer ainda mostrar que as medidas a  aprovar esta quinta-feira — mais de duas dezenas — estão a ser preparadas há vários anos e não são apenas uma resposta de urgência à Covid-19.

Ao Observador, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, assegura que a reunião desta quinta-feira “é o resultado de dois anos de trabalho, que nunca parou mesmo durante a pandemia”. “Estamos a agir na resposta à urgência, mas também nas medidas para o futuro”, acrescenta.

[Ouça aqui as declarações da Ministra da Cultura à Rádio Observador]

“Grandes monumentos vão poder ter obras de fundo”

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Um dos temas em destaque no Conselho de Ministros é a aprovação do polémico Estatuto do Profissional da Cultura — também conhecido como “estatuto do artista” —, uma revindicação de há vários anos que tem gerado muitas críticas. Entidades representativas do setor dizem que o Governo está a aprovar o Estatuto Profissional da Cultura “de forma prematura”. Trata-se de um diploma legal que faz aprofundar a precariedade, nomeadamente os vínculos laborais informais já hoje existentes nas artes, de acordo com o Cena-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos), uma das entidades ouvidas pelo Governo.

Graça Fonseca recusa a acusação e diz que ao longo dos últimos meses “foram realizadas 85 reuniões com todo o setor”, o que corresponde a “muito mais de 200 horas de encontros, de diálogo, de procura incessante para encontrar a melhor forma para proteger os profissionais“, diz a responsável pela tutela. Por isso, entende que deve dar um passo em frente: “Agora, o tempo é de agir”.

Ao mesmo tempo, a ministra alega manter a porta aberta para melhorar o estatuto, acrescentando que este vai estar em consulta pública durante 30 dias “no mínimo”. “Mas podemos até prolongar esse período para continuar com este diálogo”, acrescenta.

Em referência às reuniões com agentes culturais que se iniciaram a 5 de junho do ano passado — depois de uma barragem de críticas de artistas e técnicos, que se sentiram sem apoio do Governo na crise provocada pelas medidas de contingência face à Covid-19 —, Graça Fonseca frisa que “pela primeira vez foi constituído um grupo de trabalho, com a Cultura, a Segurança Social e as Finanças e com as associações e entidades representativas do setor”.

No que pode ser interpretado como uma resposta à contestação que se antecipa, a governante diz que “há um tempo em que chega o tempo de agir e esse tempo é agora” porque “é preciso que situações como as que se verificaram com o setor durante a pandemia não se repitam no futuro”.

Proposta para o estatuto do artista estará pronta “até ao final do ano”, mas agentes culturais defendem que “mudar leis não chega”

O sentimento de diálogo e abertura parece não encontrar correspondência do lado dos profissionais. Em audições parlamentares convocadas pela oposição, alertaram para a “aprovação prematura” de um estatuto que “pode contribuir para aumentar a precariedade por não prever a intermitência” dos profissionais das artes e cultura. De resto, ainda nesta quarta-feira, Rui Galveias, porta-voz do Cena-STE alegou que o “estatuto do artista” que o Governo se prepara para aprovar não reflete os contributos deixados pelos agentes culturais nas reuniões do grupo de trabalho. O sindicalista prometeu uma reação oficial para esta quinta-feira.

O pacote legislativo que o Governo conta viabilizar em Conselho de Ministros inclui também o novo modelo de apoio às artes (com implicações nos subsídios atribuídos pela Direção-Geral das Artes), a revisão da rede de teatros e cine-teatros, bem como da rede de arte contemporânea.

Também as áreas do livro e do audiovisual vão ter diplomas aprovados e ainda, destaca a ministra em conversa ao telefone com o Observador, “muito em especial um programa de intervenção em museus e monumentos, bem como em teatros nacionais de todo o país“.

Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém e mosteiros da zona centro com dinheiro assegurado para obras de fundo

Este programa de reabilitação de monumentos é particularmente frisado por Graça Fonseca por contar com o respaldo financeiro do Plano de Recuperação e Resiliência (a “bazuca” da União Europeia). São 150 milhões de euros que estão inscritos no PRR para a recuperação de património, incluindo obras de fundo em alguns dos mais visitados monumentos nacionais como o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém ou o Museu Nacional de Arqueologia, adianta a ministra, acrescentando a lista o Mosteiro de Alcobaça, o Mosteiro da Batalha e o Convento de Cristo, em Tomar.

“Aprovámos a estratégia, os locais alvo do investimento e temos os meios para o fazer”, assegura Graça Fonseca, que vai contar ainda com mais 93 milhões de euros para a transição digital — a serem investidos sobretudo na digitalização de museus e arquivos.

Segundo o gabinete da ministra, o Governo vai igualmente aprovar esta quinta-feira um diploma que prolonga até 2023 o Fundo de Apoio ao Turismo e Cinema (que desde 2018 já terá investido 22,3 milhões de  euros na captação para Portugal de produções audiovisuais estrangeiras, caso da série Auga Seca, da HBO, ou do filme Frankie, de Ira Sachs).

“A medida consiste em aplicar incentivos fiscais aos produtores de cinema e televisão que queiram filmar em Portugal, o chamado sistema de cash rebate“, segundo o Ministério da Cultura. “Incentiva-se não só a contratação de equipas portuguesas como se promove Portugal como destino cultural, patrimonial e turístico.”

A ministra da Cultura destaca a “importância deste dia”, em que “o Governo quer criar uma política de Estado para a cultura”, mas recusa que se trate de uma resposta apressada. Distingue que “ao longo dos meses o Governo foi sistematicamente dando resposta às necessidades de urgência.” “Este ainda será um ano difícil, mas estamos a preparar o futuro”, assegura a governante.

Apesar dessa garantia de diálogo e de apontar as fichas para o futuro, os criadores e técnicos continuam a deixar críticas. Ainda na quarta-feira a escadaria da Assembleia da República, em Lisboa (e mais seis locais de norte a sul), recebeu um “velório” pela cultura, organizado pelo grupo informal Vigília Cultura e Artes. O simbólico Conselho de Ministros pode não ser o suficiente para tranquilizar os profissionais.