O “passaporte de vacinação” contra a Covid-19, apontado há vários meses com um documento vital para um regresso em breve à normalidade e que já está implementado em Israel, está mais próximo de ser uma realidade na União Europeia. Esta quinta-feira, o Parlamento Europeu deu luz verde ao projeto da Comissão Europeia, faltando agora negociar a implementação do novo documento com o Conselho da UE, atualmente presidido por Portugal.
“Passaporte” europeu de vacinação aprovado no Parlamento Europeu
A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, já veio dizer que o executivo comunitário vai “apoiar e facilitar” as discussões que se seguem, para que o documento esteja implementado o mais rapidamente possível — provavelmente em junho. Mas, afinal, o que sabemos sobre este documento que, em breve, se tornará num objeto quotidiano para os cidadãos europeus?
O que é o certificado?
A Comissão Europeia propôs que o documento tivesse o nome “Certificado Verde Digital”, mas o Parlamento Europeu alterou o projeto e o documento chamar-se-á, em princípio, “Certificado Covid-19 da UE“. O conceito é simples: trata-se de um documento, “que pode ser em formato digital ou papel”, que “atestará que uma pessoa foi vacinada contra o coronavírus, teve um resultado negativo num teste recente ou recuperou da infeção“.
Na prática, não vai ser um “passaporte de vacinação”, como inicialmente equacionado — uma vez que a vacinação não é o único fator a atestar a segurança do seu portador.
Tenho de pagar alguma coisa por ele?
Não. O certificado será gratuito e o Parlamento Europeu diz que os Estados-membros da UE devem garantir que as condições para o obter não significam um encargo para o portador. As vacinas contra a Covid-19 já são gratuitas nos Estados-membros — mas os testes ainda são, em muitos casos, pagos pelo próprio interessado, caso não sejam realizados por determinação da autoridade de saúde.
Assim, o Parlamento Europeu insistiu esta quinta-feira que, “para evitar a discriminação dos não vacinados e por razões económicas, os países da UE devem assegurar testes universais, acessíveis, rápidos e gratuitos”. “As vacinas e os testes devem ser acessíveis e gratuitos para todos os cidadãos“, asseverou o eurodeputado espanhol Juan Fernando López Aguilar, presidente da Comissão das Liberdades Cívicas.
Posso viajar sem ele?
Sim. O Conselho da UE já tinha afiançado que o documento não poderia ser uma condição prévia para que um cidadão europeu exercesse os seus direitos de livre circulação — pelo que não seria um passaporte no sentido prático do termo.
Esta quinta-feira, o Parlamento Europeu reiterou que não permitiria que o certificado fosse um passaporte. “Os certificados Covid-19 da UE não servirão como documento de viagem nem se tornarão uma condição prévia para o exercício do direito à livre circulação“, diz o Parlamento Europeu em comunicado.
Se o tiver, podem obrigar-me a testes ou quarentenas ao viajar?
Não. Essa é uma das principais vantagens que advêm deste novo documento. De acordo com o Parlamento Europeu, “os titulares de um Certificado Covid-19 da UE não devem estar sujeitos a restrições de viagem adicionais, como quarentena, autoisolamento ou testes“. Isto significa que, mesmo no caso de um determinado país europeu exigir aos viajantes que ali chegam um teste ou uma quarentena, as pessoas que estiverem na posse de um certificado ficam isentas dessas medidas.
“Os Estados-membros devem aceitar certificados de vacinação emitidos em outros Estados-membros para pessoas inoculadas com uma vacina autorizada para uso na UE pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) (atualmente Pfizer-BioNTech, Moderna, AstraZeneca e Janssen)”, acrescenta o Parlamento Europeu, assinalando que caberá às autoridades de saúde de cada país decidir se aceitam a validade de uma vacinação feita com outras vacinas. A Hungria, por exemplo, tem administrado vacinas russas e chinesas.
Os meus dados ficam protegidos?
De acordo com o Parlamento Europeu, o objetivo é que haja uma proteção total dos dados. É certo que os documentos terão de ser verificados “para evitar fraudes e falsificações, assim como a autenticidade dos selos eletrónicos incluídos no documento“.
Porém, continua o Parlamento Europeu, “os dados pessoais obtidos a partir dos certificados não podem ser armazenados nos Estados-membros de destino e não existirá uma base de dados central estabelecida a nível da UE”.
“A lista de entidades que vão processar e receber dados será pública para que os cidadãos possam exercer os seus direitos de proteção de dados ao abrigo do Regulamento Geral de Proteção de Dados”, lê-se no comunicado.
Estão superadas as dúvidas éticas em relação ao passaporte?
Quando inicialmente surgiu a ideia de implementar um certificado de vacinação na União Europeia, foram levantados vários problemas éticos relacionados com o documento, como o Observador apontou em fevereiro. O principal problema ético relacionava-se com a injustiça associada à distribuição desigual das vacinas, quer entre países, quer entre faixas etárias — decidida pelos governos, e não pelos cidadãos.
Com um certificado baseado noutros fatores além da vacina, incluindo o teste negativo ou a recuperação da doença, a questão do acesso desigual ao “passaporte” já não se coloca. De acordo com o Parlamento Europeu, o objetivo da medida é que não haja discriminação motivada pelo documento — mas, sim, que o certificado acrescente confiança nas viagens internacionais na Europa.
“Precisamos de implementar o Certificado Covid-19 da UE para restabelecer a confiança das pessoas no Espaço Schengen enquanto continuamos a lutar contra a pandemia”, disse Juan Fernando López Aguilar. “Tanto o Parlamento como o Conselho estão agora prontos para iniciar as negociações. O objetivo é chegar a um acordo antes da temporada turística no verão“, acrescentou o organismo.
E as dúvidas científicas?
Outra das dúvidas prendia-se com a própria eficácia do documento, uma vez que não é certo ainda que as vacinas sejam eficazes a reduzir a transmissão do coronavírus. Em Israel, o certificado permite aos portadores aceder a uma série de espaços e serviços, bem como viajar livremente e evitar isolamentos caso contactem com pessoas infetadas.
Todavia, o que se sabe é que as vacinas atualmente em distribuição são capazes de mitigar os efeitos do vírus nas pessoas infetadas — mas não é certo que consigam bloquear a transmissão do vírus. Aliás, esse é um dos principais desafios no caminho para a famosa “imunidade de grupo“, um dos grandes objetivos apontados como a chave para o fim da pandemia.