As aparências enganam. Ou melhor, é um engano cair nas aparências. À partida, olhando para a classificação e para a série de sete vitórias consecutivas que o FC Porto conseguiu até ao empate em Moreira de Cónegos, aquilo que se poderia pensar era que os dragões tinham um ligeiro favoritismo no clássico pelo momento. Seria assim? Vejamos: olhando para a pontuação de ambos na segunda volta, o Benfica partia com mais pontos do que os dragões (35-34); olhando para os golos na segunda volta, o Benfica tinha mais marcados (28-22) e só metade dos sofridos (10-5). No entanto, e mais uma vez, surgia o momento. E o momento colocava um Benfica em busca do que deixou fugir entre janeiro e fevereiro, um FC Porto à procura do que foi deixando fugir durante a época e um Sérgio Conceição de volta ao banco de suplentes com um recurso em contrarrelógio que surtiu efeito.

“Há um clima de impunidade no futebol português. Já disse a semana passada que as entidades que mandam e têm competência estão a perder autoridade a todos os níveis. Se calhar, este é um fator que transparece a minha ideia. Não sei as leis desportivas todas. Sei que normalmente, no futebol, são as autoridades desportivas que decidem e não tribunais civis mas não me compete analisar. De resto, ainda bem que [Sérgio Conceição] vai estar no jogo, treinador principal é treinador principal”, comentou Jorge Jesus na antecâmara do encontro, que voltou a não contar com antevisão de ninguém ligado ao FC Porto mesmo depois dos 6.625 euros mais IVA pagos pelo recurso e providência cautelar terem conseguido resultados práticos, “suspendendo” o castigo de 21 dias.

A vitória do Sporting em Vila do Conde pode ter sido um marco decisivo no Campeonato. Por um lado, deitou por terra qualquer aspiração que o Benfica tivesse ainda numa recuperação surpresa que valesse o título. Por outro, foi um golpe mental nas ambições que o FC Porto mantinha na tentativa de recuperar terreno para o primeiro lugar, não definitivo mas suficiente para deixar os leões a precisar de uma vitória e de um empate nos dois jogos em Alvalade. Assim, ou também por isso, todas as atenções ficavam focadas no segundo lugar e na distância de quatro pontos entre os dois conjuntos, suficiente para levar centenas de adeptos azuis e brancos ao Dragão para uma última onda de apoio e para levar centenas de adeptos encarnados à Luz para uma última onda de apoio.

Até os dois confrontos entre as equipas esta época, com uma vitória para o FC Porto e um empate, deixavam em aberto todas as decisões – em dezembro, na Supertaça relativa à última temporada, a equipa portista foi melhor, foi mais forte e conseguiu ser superior pela intensidade e agressividade colocadas em campo; em janeiro, na 14.ª jornada da Primeira Liga, a equipa encarnada surpreendeu com uma nuance tática que tinha Nuno Tavares e Grimaldo pela esquerda e esteve mais confortável num jogo onde teve as oportunidades mais flagrantes. Agora, logo à partida, não haveria Corona. Jesus apostava na conferência em Luis Díaz, Conceição apostou mesmo em Luis Díaz, o jogo era quase uma aposta de como seria o conjunto azul e branco sem a sua referência em campo.

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A presença de Otávio na equipa permitia várias composições táticas do lado do FC Porto, com o brasileiro já com dupla nacionalidade a começar na direita e Taremi a descer mais no terreno sem bola deixando Marega sozinho na frente. E Luis Díaz, aberto na esquerda, teve alguma preponderância até ao intervalo, mesmo com o Benfica em vantagem. Depois, só voltou a aparecer no final, naquela que seria a derradeira oportunidade de um jogo onde os encarnados viram dois penáltis e um golo revertidos ou anulados pelo VAR entre um maior caudal ofensivo do FC Porto num clássico onde todos perderam: os encarnados porque ficaram mais longe da entrada direta na Champions, os azuis e brancos porque sentenciaram quase praticamente a corrida pelo primeiro lugar, Artur Soares Dias porque erros em alguns lances importantes sem vídeoárbitro. Todos menos o Sporting, o único vencedor do primeiro jogo transmitido em Portugal em 5G. E pela primeira vez Rúben Amorim, técnico dos verde e brancos, vai poder dizer que é candidato: os leões estão apenas a três pontos do título.

O encontro começou sem grandes oportunidades, com as entradas no último terço a acabarem muitas vezes com corte das defesas contrárias e as tentativas de remate a revelarem-se inofensivas. O Benfica ganhou o primeiro canto do clássico (que não criou depois perigo), o FC Porto fez o primeiro remate do clássico (numa diagonal de Luis Díaz da esquerda pelo meio com um tiro ao lado), Uribe teve à entrada dos dez minutos outra tentativa que passou muito por cima e a partida foi conhecendo um primeiro esboço muito semelhante ao que tinha sido apresentado por Vasco Seabra, técnico do Moreirense, ao jornal O Jogo, quando falou de uma equipa encarnada que fazia rodar mais a bola e um conjunto azul e branco que dava menos toques e jogava mais direto. Balizas, essas, nem vê-las. E quando a mesma estava mesmo ali à mão de semear, como aconteceu num lance em que Marega ganhou a profundidade descaído na direita, falhava a finalização – e Taremi fez o desvio para trás (20′).

O encaixe tático era quase completo, sendo que o mínimo desequilíbrio era travado logo à nascença com falta. E era a qualidade individual que poderia fazer a diferença para desbloquear um clássico bloqueado. Isso e 100% de eficácia foram os condimentos necessários e suficientes para o Benfica inaugurar o marcador: Everton Cebolinha foi receber num espaço entre linhas, combinou depois com Haris Seferovic tendo alguma sorte à mistura entre a tentativa de desarme dos azuis e brancos e tentou com sucesso a meia distância ao primeiro poste da baliza de Marchesín ao invés da habitual aposta num remate em arco, fazendo o 1-0 na Luz quando nenhuma equipa até aí tinha enquadrado qualquer tentativa ou criado uma oportunidade flagrante de golo (23′).

A desvantagem trouxe outro FC Porto. Com outra capacidade para colocar mais unidades na frente em zonas de finalização (sobretudo Sérgio Oliveira e Uribe, que ganharam metros com e sem posse), com maior largura e envolvimento dos laterais, com mais chegada à área. Luis Díaz, em mais uma diagonal da esquerda para o meio, viu um remate que levava perigo ficar prensado nas pernas de Otamendi antes do desvio de Vertonghen para o poste da própria baliza mas já com o jogo interrompido por posição irregular de Marega (33′); Uribe rematou em boa posição muito por cima depois de uma tentativa de Taremi contra Vertonghen numa das melhores jogadas da primeira parte com um calcanhar de Otávio pelo meio (35′); Luis Díaz voltou a ganhar vantagem no 1×1 com Diogo Gonçalves mas o cruzamento atravessou toda a área sem desvio (39′). E até seria o Benfica a ficar muito perto de aumentar a vantagem em cima do intervalo, com Rafa a ser derrubado por Wilson Manafá numa saída rápida com assistência de Pizzi, Soares Dias a assinalar penálti mas a decisão a ser revertida por fora de jogo.

Benfica e FC Porto vieram do intervalo sem alterações e com as características da partida a serem semelhantes ao final da primeira parte, com maior pressão dos dragões que fizeram apenas o segundo remate enquadrado do jogo por Marega para grande defesa de Helton Leite (50′) e a exploração das transições rápidas por parte das águias, que voltaram a ver um lance de grande penalidade revertido por indicação do VAR com Artur Soares Dias a confirmar no ecrã do relvado ao considerar que foi Diogo Gonçalves que pisou o pé de Zaidu e não o pé de Zaidu a rasteirar Diogo Gonçalves (58′). Tudo de volta à estaca inicial num segundo tempo que se aproximava daquela zona em que os problemas em campo procuravam as soluções que poderiam vir do banco.

Jorge Jesus quis dar outra consistência ao meio-campo e evitar riscos de expulsões por acumulação com as trocas de Weigl e Rafa por Gabriel e Taarabt. Sérgio Conceição procurou mais desequilíbrios pelas laterais dando ainda mais largura ao jogo ofensivo tirando Zaidu e Marega para apostar em João Mário e Toni Martínez. No entanto, os minutos passavam e a maior posse dos azuis e brancos não se traduzia em mais ocasiões, com Pepe a abrir os braços por mais do que uma vez a pedir outra atitude à equipa com e sem bola para reentrar num jogo que era não só fundamental na corrida pelo título mas também na luta pelo segundo lugar. O capitão falou, os outros ouviram: na sequência de uma segunda bola após canto, João Mário teve uma grande iniciativa pela direita, cruzou atrasado e Matheus Uribe, o melhor até então dos dragões, a rematar cruzado para o empate (75′).

O encontro reabria a 15 minutos do final, com o Benfica a demonstrar alguns sinais de cansaço quando tentava sair rápido e o FC Porto a deixar-se levar para um jogo mais confuso e afunilado pelo corredor central que só tirava vantagem a uma equipa que tinha as suas principais mais valias nas laterais. Mas o melhor estava mesmo guardado para o final – e mais uma vez com o VAR a anular as contas do Benfica, sendo que o único erro acabou por ser aquele que não teve auxílio do vídeoárbitro quando Pepe conseguiu fugir ao segundo amarelo. Com o jogo completamente partido e as equipas a perderem o meio-campo no ritmo do bola-cá-bola-lá, Francisco Conceição e Evanilson tiveram boas oportunidades na área contrária, Taarabt acertou na trave com Marchesín a desviar ainda a bola, Pizzi a marcar nos descontos um golo que acabaria anulado por fora de jogo de Darwin Núñez no início da jogada e Luis Díaz atirou muito perto da trave no último minuto do tempo extra.