As celebrações dos adeptos do Sporting pela conquista do título há 10 dias já está a ter impacto, embora ligeiro, no número de novos casos de infeção pelo coronavírus, segundo Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que está a acompanhar a evolução epidemiológica da Covid-19 em Portugal.
Óscar Felgueiras, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e conselheiro do Governo, também considera que “é legítimo pensar que há uma associação [do aumento de casos] com os festejos”, envoltos em polémica devido ao planeamento que não evitou ajuntamentos, porque, “em rigor não é fácil explicá-lo de outra forma”.
Isto porque, para o especialista, abertura do país aos turistas, muitos dos quais chegam a partir do aeroporto de Lisboa, não justifica o aumento abrupto do número de casos e do R(t): “As regras para as viagens não essenciais só mudaram na segunda-feira. Mesmo que tenha um impacto, ele ainda não se nota hoje”, explicou.
Os dois especialistas concordam nesta análise embora a ministra Mariana Vieira da Silva, no final do Conselho de Ministros desta quinta-feira, e a própria Direção Geral de Saúde, tenha rejeitado fazer associação à subida de casos à festa do título.
A incidência e a taxa de transmissão R(t) está a subir a nível nacional desde o dia 5 de maio, mas em Lisboa e Vale do Tejo, onde o R(t) tinha estabilizado a 11 de maio, disparou nos últimos dias. Esta sexta-feira o Instituto Ricardo Jorge anunciou que estava em 1,11, o valor mais alto desde o calculado pelas autoridades de saúde entre 20 e 24 de janeiro (1,13).
DGS. Concelho de Lisboa perto da linha vermelha. Região é a única no continente com R(t) acima de 1
Este facto, aliado à aceleração no aumento do número de casos nas faixas etárias entre os 20 e 39 anos desde 16 de maio, denuncia um “sinal” do impacto dos festejos futebolísticos do título sportinguista — depois de um jejum de 19 anos — na situação epidemiológica, consideraram os dois especialistas. Aliás, o período (dez dias depois) coincide com o da incubação do vírus.
Segundo Carlos Antunes, neste momento a incidência está a aumentar a um ritmo de 3,2% e a duplicação de casos acontece a cada 22 dias, o que pode indicar que podemos estar perante um “crescimento exponencial”. Além disso, se havia 112 casos a duas semanas por 100 mil habitantes no grupo etário dos 20-29 anos a 11 de maio, agora a incidência está nos 152 casos. E este aumento de cerca de 40% é “significativo”.
No entanto, o engenheiro considera que este não será o único fator a pesar no aumento da incidência e no R(t) nacional — que nos seus cálculos já está em 1,09, acima dos 1,03 apontados esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Os efeitos do desconfinamento, com um aumento da mobilidade e dos contactos entre as pessoas (principalmente os mais jovens), também está a exercer um maior peso sobre o controlo epidemiológico.
Ainda assim, Óscar Felgueiras insiste que a região de Lisboa e Vale do Tejo é a única em Portugal Continental que tem um R(t) acima de 1. O boletim do INSA aponta um R(t) de 0,98 no Norte e no Centro, 0,95 no Algarve e 0,92 no Alentejo. A única região a empurrar o país para a zona amarela da matriz de risco é mesmo Lisboa e Vale do Tejo, com esse R(t) calculado em 1,11 por aquele instituto.
O novo relatório do INSA com a monitorização das linhas vermelhas para a Covid-19 confirma que o R(t) em Lisboa e Vale do Tejo sugere “uma tendência crescente, mais acentuada nesta região”. Se ela se mantiver assim, o tempo para atingir a taxa de incidência de acumulada a 14 dias de 120 casos por 100 mil habitantes será de 31 a 60 dias para Lisboa e Vale do Tejo; e de 61 a 120 dias para a generalidade do país.
Mas este nível de taxa de transmissão não é homogéneo em toda a região lisboeta, continua o epidemiologista: enquanto a incidência em Lisboa e Vale do Tejo ronda os 50 casos em duas semanas por 100 mil habitantes, no concelho de Lisboa ela é já de 118 — duas a três vezes mais que nos concelhos vizinhos da Amadora (39), Odivelas (40), Oeiras (48) e Loures (37).
Aliás, em toda a região de Lisboa e Vale do Tejo, só há um concelho com uma incidência mais alta do que o concelho da capital: a Golegã, que tem uma incidência de 243 casos em 14 dias por 100 mil habitantes. Mas estes números estão explicados, sublinha Óscar Felgueiras: com apenas 3.700 habitantes, basta que haja um surto com nove pessoas infetadas para a incidência disparar naquele concelho. Em Lisboa, “um ou dois surtos não bastam para justificar esta incidência”: “Teve de ser um fenómeno maior que fez disparar os números na última semana. E o único fenómeno que nos ocorre são os festejos” do Sporting.
Embora considere que este aumento não justifica um aperto das medidas de contenção, sobretudo tendo em conta que a vacinação da população contra a Covid-19 está a avançar a bom ritmo, Carlos Antunes demonstrou-se preocupado com a testagem. Segundo o especialista, Portugal está a fazer neste momento metade dos testes que fazia há um mês. É um “descoro” que não está a permitir isolar a tempo todos os casos positivos que, com o dobro da testagem, podiam ser detetados atempadamente.
O especialista diz até que esse teria sido o remédio para que os festejos sportinguistas não tivessem qualquer impacto — nem mesmo este impacto “ligeiro” — nos números apresentados esta sexta-feira tanto pela Direção-Geral da Saúde (DGS) como pelo INSA: ter estabelecido uma testagem massiva, feita pelas autoridades de saúde, dos adeptos que participaram nas celebrações do campeonato para detetar precocemente qualquer surto associado à festa leonina.
Óscar Felgueiras também considera que, embora a incidência em Lisboa seja o dobro da nacional, ela continua a estar num “patamar mais fácil de controlar”. No entanto, há alertas: “Principalmente tendo em conta que se entrou numa nova etapa, com a entrada de turistas, e a capital está ligada a outras regiões, certamente merece alguma atenção”, considerou. A realização de rastreios nas freguesias lisboetas onde se verifiquem incidências mais altas, acrescenta também, será a medida mais útil para conter a epidemia.
A monitorização das linhas vermelhas também revela que a proporção de testes positivos para SARS-CoV-2 foi de 1,2% — muito longe dos 4% que são o objetivo das autoridades de saúde — por causa do decréscimo do número de testes para deteção de SARS-CoV-2 realizados nos últimos sete dias. Mesmo assim, a proporção de casos confirmados notificados com atraso foi de 8,4%, mantendo-se abaixo do limiar de 10%.