O antigo secretário-geral do Partido Socialista (PS) português António José Seguro considerou esta segunda-feira que o pior que aconteceu a António Guterres no primeiro mandato como líder da ONU foi a eleição de Donald Trump como Presidente norte-americano.

Seguro falava numa “conversa” com Mónica Ferro, diretora do Fundo das Nações Unidas para a População, ao apresentarem publicamente o livro “O Mundo Não Tem De Ser Assim”, uma biografia de Guterres escrita por Pedro Latoeiro e Filipe Domingues, que decorreu no Centro de Acolhimento para Refugiados, na Bobadela, arredores de Lisboa.

“Eu diria que talvez o que tenha corrido pior a António Guterres no primeiro mandato foi a eleição de Donald Trump. O que correu digamos, de melhor, em relação ao primeiro mandato, acho que talvez os resultados que se vão ver neste segundo mandato. Guterres teve de garantir as condições para que as Nações Unidas sejam viáveis e o financiamento é uma questão decisiva, estruturante”, afirmou Seguro, questionado pelos autores sobre o que correu melhor e pior ao secretário-geral da ONU no primeiro mandato.

No entender de Seguro, que foi secretário de Estado e ministro nos Governos de Guterres, o atual secretário-geral da ONU, que se mostrou já disponível para um segundo mandato, “não faz milagres”, mas terá a seu favor, se for novamente eleito, o “regresso dos Estados Unidos” à organização, bem como o surgimento da China.

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Há um fator novo: há um novo inquilino na Casa Branca. E há um segundo fator que é o reforço do multilateralismo, não apenas com o regresso dos Estados Unidos, mas também com algumas autocracias a fazerem essa transição para as instituições multilaterais. Veja-se o exemplo da China: há 10 anos, em que instituições internacionais estava presente e nas que está hoje?”, sustentou.

Para Seguro, faltará agora saber se o regresso ao multilateralismo é “convicto” — “onde se encontra o espaço de diálogo para se promoverem os consensos necessários à resolução de problemas, designadamente de conflitos” — ou se, pelo contrário, “é um instrumento de poder numa nova ordem mundial que se começa a desenhar” entre a China e os Estados Unidos.

“Se for um instrumento de poder, as Nações Unidas terão um papel muito residual. Conhecendo António Guterres, tenho a expectativa de que projete o papel da ONU para mais à frente e que, passado um ano e meio ou dois anos e meio, quando se voltar a encontrar a necessidade de a ONU ser chamada a intervir ou a promover uma concertação, ele já lá está, a ONU já lá está”, afirmou

A capacidade de Guterres de prever pode ser benéfica para o multilateralismo, para aqueles que acreditam que é através do multilateralismo que se pode, com meios pacíficos, resolver os conflitos no mundo, e também criar uma agenda — penso que é aí que António Guterres vai insistir muito — de combate às desigualdades e de promoção de maior justiça numa sociedade que crie mais riqueza”, acrescentou.

Para o antigo secretário-geral do PS, uma das principais questões também passa pela necessidade de se operar uma reforma na ONU, destacando que tal não compete ao secretário-geral da organização, e que disse acreditar ser um dos três mais importantes — a composição do Conselho de Segurança e o método de decisão ou financiamento da ONU.

“Talvez os multimilionários que existem neste mundo pudessem dispensar um pouquinho, uma gorjeta daquilo que é o seu orçamento, talvez pudessem ajudar a que houvesse uma estabilidade financeira no orçamento da ONU e que não houvesse tanta dependência dos Estados que utilizam naturalmente a sua contribuição em favor da sua agenda egoísta nacional”, concluiu

No final da apresentação do livro, António José Seguro escusou-se a prestar quaisquer declarações aos jornalistas.

O livro biográfico sobre António Guterres, de cerca de 700 páginas, da autoria de Pedro Latoeiro e Filipe Domingues, foi editado pela Casa das Letras, associada ao Grupo Leya.