O juiz Carlos Alexandre decidiu avançar para a instrução criminal do caso Universo Espírito Santo e notificou as defesas dos 25 arguidos que têm um prazo de 50 dias para apresentarem os respetivos requerimentos de abertura de instrução (RAI). Tendo em conta que as férias judiciais se iniciam a 15 de julho, tal significa que os arguidos que queiram contestar a acusação do Ministério Público têm até 1 de setembro para apresentarem os seus argumentos.

É o final de um pequeno imbróglio jurídico criado pelas defesas de diferentes arguidos e quando a acusação do caso BES/GES já foi deduzida há quase um ano pelo Ministério Público.

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Além de quererem mais tempo do que aquele que é admitido por lei para apresentarem a contestação à acusação, dois arguidos suíços também exigiam a tradução completa dos auto para francês. A tradução do despacho de acusação foi enviada por carta rogatória em janeiro para os arguidos Alexandre Cadosch (diretor da Eurofin Group, ex-funcionário do Grupo Espírito Santo) e Michel Créton (ex-funcionário do Eurofin) e devolvida em abril.

Por outro lado, o juiz Carlos Alexandre definiu logo em outubro de 2020 o prazo de 50 dias para a apresentação dos RAI, o que motivou diversos recursos para a Relação de Lisboa — que deu razão ao magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal.

O imbróglio

A equipa do procurador José Ranito deduziu a acusação do caso Universo Espírito Santo a 14 de julho de 2020 contra 25 arguidos por crimes tão diversos como associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, infidelidade, manipulação de mercado, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Só Ricardo Salgado, o ex-líder do BES, foi acusado de 65 crimes, entre os quais o de ser líder de uma alegada associação criminosa.

Os problemas começaram logo em setembro. A defesa de Ricardo Salgado requereu pelo menos um ano e dois meses para apresentar o RAI, tendo sido seguida pelos advogados de Manuel Fernando Espírito Santo (primo de Salgado e ex-líder da Rio Forte), Cláudia Faria (ex-diretora do Departamento de Gestão da Poupança do BES) e António Soares (ex-administrador financeiro do BES Vida). Tal como o Observador noticiou na altura, Carlos Alexandre rejeitou os pedidos e definiu logo que o prazo seria prorrogado mas não ultrapassaria os 50 dias. Isto é, 20 dias do prazo normal mais os 30 dias extraordinários admitidos por lei.

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Dos 25 arguidos, apenas João Alexandre Silva (ex-diretor do BES/Madeira acusado de dois crimes de falsificação de documento) apresentou a sua contestação dentro do prazo normal de 20 dias através do seu advogado Artur Marques.

Diversos arguidos, como Paulo Ferreira (ex-diretor do DFME – Departamento Financeiro, Mercados e Estudos do BES), Pedro Cohen Serra, Pedro Góis Pinto e Nuno Escudeiro (ex-funcionários do DFME do BES), recorreram para a Relação de Lisboa alegando que o despacho de Carlos Alexandre violava as suas garantias de defesa e colocava em causa um processo equitativo e justo, visto que não tinham tido acesso a todos os elemento dos autos.

Num acórdão dos desembargadores Alda Casimiro e Cid Geraldo datado de 11 de maio de 2021, a Relação de Lisboa rejeitou os argumentos das defesas. Não só porque as defesas tinham acesso aos autos na íntegra desde dezembro de 2018 mas também porque a lei portuguesa apenas admite o prazo concedido por Alexandre.

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Assim, além de não reconhecerem “qualquer motivo atendível — ou justo impedimento — que impossibilite os recorrentes” de apresentarem os seus argumentos numa fase que é facultativa e que nada tem a ver com um julgamento, a Relação de Lisboa considerou que a “prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução para além da já estabelecida pelo despacho recorrido não é exigível, no caso concreto, a uma defesa adequada, garante de um processo justo e equitativo. Pelo que se entende que o despacho recorrido não violou as garantias de defesa dos arguidos”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

Para tomar a sua decisão de avançar para a instrução criminal, o juiz Carlos Alexandre apoiou-se precisamente neste acórdão da 5.ª Secção da Relação de Lisboa. É também nesta secção que ainda está pendente um recurso de Ricardo Salgado sobre a mesma matéria.

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Com a apresentação dos RAI, os autos terão de ser novamente alvo de sorteio em setembro para serem distribuídos pelos juízes de instrução criminal que fazem parte do quadro do Tribunal Central de Instrução Criminal. Recorde-se que o Governo quer alargar o quadro dos juízes deste tribunal — composto neste momento apenas por Carlos Alexandre e Ivo Rosa.

Resta saber se o alargamento do quadro, além do reforço de competências já avançado pelo Observador, entrarão em vigor antes dos autos do caso BES/GES serem alvo de nova distribuição.

Corrigida informação sobre data do envio da tradução do despacho de acusação por carta rogatória, prazo normal e prorrogação para apresentação do RAI e acrescentada informação sobre recurso pendente de Ricardo Salgado às 12h20