O mundo numa deriva perigosa que ameaça as democracias liberais. Numa longa intervenção que marcou o arranque do segundo dia de trabalhos do III Congresso do Movimento Europa e Liberdade (MEL), Paulo Portas terminou com um aviso: “A democracia está transformada numa gritaria, onde não não há um longo prazo nem passado, é tudo uma emoção, uma indignação, a última antes da próxima. Não sei onde nos levará mas certamente não a uma democracia representativa como a que conhecemos.”
Com Pedro Passos Coelho na plateia, com quem Paulo Portas ficou largos minutos à conversa numa sala reservada para o efeito e longe dos olhares indiscretos dos jornalistas, o antigo vice-primeiro-ministro repetiu uma ideia que tem vindo a deixar nas suas últimas intervenções: os decisores políticos, os governos, estão cada vez mais dependentes das redes sociais. “Temos cada vez mais o triunfo da democracia digital.”
“Hoje em dia governa-se para os likes, dependente da gritaria das redes, isso prejudica a capacidade de convivência de uma democracia e perverte o essencial da convicções democráticas: quero oferecer uma alternativa melhor do que o adversário; não quero eliminar o meu adversário“, lamentou Portas, precisamente a mesma mensagem que tinha deixado no congresso realizado em 2020.
Uma Europa à procura da liderança
Antes, Paulo Portas tinha passado em revista o que aconteceu no mundo ao longo deste ano de combate pandémico, comparando, em particular, as respostas diferentes de China, Estados Unidos e Europa. À cabeça, no entanto, houve uma linha de raciocínio que acompanhou toda a intervenção de Portas.
Esta crise provou que os Governos direta ou indiretamente populistas não sabem gerir situações complexas. O populismo, de esquerda ou de direita, é sempre uma simplificação. Uma pandemia não é simplificável. Se hoje temos uma saída, não devemos isso a nenhuma forma de socialismo, antiglobalismo ou anticapitalismo.”
O antigo líder do CDS começou por lembrar, de resto, que o vírus chegou primeiro à China, depois à Europa e, por fim, ao continente americano. “A pandemia nunca foi simétrica e continua sem ser simétrica nas suas circunstâncias”, argumentou. O tempo de recuperação das economias também não: primeiro começou a recuperar a economia chinesa, depois a economia norte-americana e só agora a europeia.
“A China perdeu 6 meses — está a crescer desde o terceiro trimestre de 2020. Os EUA perderam um ano. E a Zona Euro vai perder entre um ano e meio a dois anos”, notou Portas, com novo aviso: “O risco de Portugal é estar no grupo dos que perdem mais e recuperam mais lentamente.”
Na comparação direta entre Estados Unidos e Europa, Portas lembrou que o tombo do PIB europeu foi quase o dobro do da economia norte-americana e, mesmo assim, os EUA investiram incomparavelmente do que a União Europeia no relançamento da economia. Com outra diferença: a UE predeterminou que grande parte dos fundos são digitais ou são verdes; só nos cheques de financiamento entregues diretamente às famílias, o investimento norte-americano é superior à totalidade do plano de resiliência e recuperação da UE; e os fundos que injetaram na economia e no mercado, mais de metade do PIB, não foram direcionados, antes confiados às famílias e empresas.
Se esta fórmula terá mais ou menos sucesso a longo prazo é uma questão a ver. Mas o EUA têm agido com mais intensidade e mais depressa desde o minuto zero da crise. Também na corrida pelas vacinas, onde os norte-americanos “entraram na competição da pesquisa de uma vacina muito mais cedo” que os europeus e “investiram quatro vezes mais na investigação e no desenvolvimento das vacinas“.
“Foi nessa decisão crítica que os EUA ganharam tempo e ganhando tempo ganharam economia”, insitiu Paulo Portas, antes de sugerir outra lição: “As nações que agiram depressa controlaram melhor a economia e nunca chegaram a fechar por completo a economia”. Baralhando e dando de novo: a Europa falhou. “Aprenderemos alguma coisa com o que nos aconteceu?“, interrogou-se Portas.
São as dinâmicas que se estão a construir agora que vão ajudar a definir os equilíbrios geoestratégicos, num mundo que terá como “o epicentro da gravidade económica a Ásia“, logo “menos ocidental, menos atlântico e menos europeu.”
A relação entre EUA e China será, por isso, um grande fator definidor, reforçou Paulo Portas, argumentando que “não há grande diferença” entre a Administração Trump e Biden nesse capítulo. “Há diferenças de forma, mas não de fundo. A China é uma ameaça existencial para os EUA. Biden é parecido com Trump, menos tweets mais direitos humanos“, caricaturizou.
Ainda assim, a vitória de Biden trouxe uma oportunidade à Europa: a de aproveitar os novos ventos para relançar a aliança atlântica. Mas Europa, em particular a Alemanha, está num enorme dilema: depende muito dos mercados chineses, do gás da Rússia e do papel da Turquia na contenção da crise de refugiados. “São três limites que tornam mais difícil esta aproximação com os EUA“, notou Portas.
Depois, há outra questão que deve preocupar os europeus. “A China tem um líder vitalício. A América tem um líder veterano, mas talvez o político mais experimentado. A Europa está a viver um ano em que a sua líder de referência vai deixar o poder. E até agora não se vê quem vá substituir a autoridade que a Chanceler alemã tinha.”
Neste contexto, a Europa tem de encontrar um caminho para enfrentar as suas próprias entropias e começar a discutir a necessidade de investir mais em investigação e desenvolvimento, em modelos laborais mais flexíveis, numa economia com menos impostos e menos dependente da dívida e, claro, numa forma de enfrentar o problema demográfico. Sem isso, rematou Paulo Portas, a Europa cavará ainda mais o fosso face aos Estados Unidos e à China.