Os chefes militares do Exército e da Força Aérea manifestaram reservas à reforma da estrutura das Forças Armadas, propuseram 57 alterações, e defendem que o Conselho de Chefes do Estado-Maior deve manter a sua competência deliberativa.

Estas reservas foram expressas numa reunião, à porta fechada, na terça-feira, dos dois Chefes do Estado Maior do Exército (CEME), Nunes da Fonseca, e da Força Aérea (CEMFA), Joaquim Borrego, na comissão parlamentar de Defesa, numa série de audições sobre esta reforma com os Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Silva Ribeiro, e da Armada (CEMA), Mendes Calado, que termina esta quarta-feira.

Em tons diferentes, de acordo com as intervenções escritas feitas na comissão, a que a Lusa teve acesso, Nunes da Fonseca e Joaquim Borrego abordam as alterações propostas pelo executivo que reforçam os poderes do CEMGFA, e concordam que se deveriam manter as competências do Conselho de Chefes do Estado-Maior, principal órgão militar coordenador e de consulta do Chefe do Estado-Maior-General.

Para Joaquim Borrego, as atuais competências do conselho, e que o Governo propõe alterar, tem um modelo “muito virtuoso”, que “garante a participação e inclusividade, necessárias e desejáveis, na definição dos elementos estruturantes das Forças Armadas”. E alertou para “a importância do equilíbrio e da valorização dos ramos”, na relações hierárquicas e competências dos Chefes de Estado-Maior, devendo ainda “ser resguardadas de qualquer erosão” que “fragilize a sua ação de comando”.

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Daí que, avise, que seja importante “clarificar a abrangência relativamente à dependência [dos ramos] do CEMGFA para todos os assuntos militares” como consta na proposta governamental.

Já o chefe do Exército defendeu e propôs ao Governo “manter a competência deliberativa” deste órgão quanto ao sistema de forças e dispositivo de forças, e disse entender que exista um reforço de competências do CEMGFA quanto à elaboração do Conceito Estratégico Militar e missões das Forças Armadas.

Os dois ramos, segundo os dois generais, fizeram propostas de alteração ao projeto do Governo, apresentado inicialmente em fevereiro, o que constituiu “alguma surpresa” para Joaquim Borrego, dado o país vivia uma fase aguda da pandemia de Covid-19, no combate à qual os militares estavam a participar. No total, foram 57 as propostas feitas pelos dois ramos — o Exército fez 24, das quais seis foram aceites pelo executivo, e a Força Aérea fez 33 propostas, cinco delas aceites.

As propostas do executivo para rever a Lei de Defesa Nacional e a Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) foram aprovadas em 20 de maio com os votos do PS, PSD e CDS. Votaram contra BE, PCP, PEV, Chega e abstiveram-se o PAN, a Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN).

A reforma, que concentra mais poder no CEMGFA, foi criticada por ex-chefes militares e de dois antigos Presidentes, Ramalho Eanes e Cavaco Silva, que assinaram uma carta enviada ao Presidente da República.

No debate, no parlamento, o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, respondeu às críticas à reforma da estrutura das Forças Armadas afirmando tratar-se de uma “mudança prudente e ponderada, sustentada e aconselhada” pela experiência de Governos do PS e do PSD/CDS.

João Gomes Cravinho procurou ainda deixar a garantia de que a reforma militar proposta pelo Governo não implica qualquer alteração no relacionamento entre o sistema político e as Forças Armadas, respondendo assim a críticas de “governamentalização”.

Chefe do Estado-Maior da Armada defende autonomia dos ramos e pede clareza nas competências

O Chefe do Estado-Maior da Armada defendeu esta quarta-feira que é essencial “garantir a autonomia” administrativa dos ramos e propôs que fique claro que “a competência para comandar e administrar recursos do ramo compete ao respetivo chefe”.

Ouvido esta quarta-feira na comissão parlamentar de Defesa, o almirante António Mendes Calado defendeu que a reforma legislativa para alterar a estrutura das Forças Armadas “não pode prejudicar a competência” dos chefes para “comandar e para administrar o respetivo ramo, nem afetar a sua dependência relativamente ao ministro da Defesa Nacional”.

De acordo com a uma intervenção escrita, à qual a Lusa teve acesso, o almirante António Mendes Calado alertou os deputados para alguns aspetos que a Marinha “considera essencial que sejam melhorados”, a começar pela “autonomia administrativa dos ramos e à clarificação das dependências dos respetivos Chefes de Estado-Maior”.

O CEMA aponta que, nas propostas do Governo para alterar a estrutura das Forças Armadas, “a dependência hierárquica dos Chefes de Estado-Maior em relação ao CEMGFA foi estabelecida relativamente a ‘todos os assuntos militares'”, considerando que esta é “uma formulação imprecisa e de difícil delimitação”.

Efetivamente, são os Chefes de Estado-Maior que, nos termos da lei, prestam contas sobre a gestão do seu ramo, pelo que é necessário que fique claro que a competência para comandar e para administrar os recursos do ramo compete ao respetivo Chefe do Estado-Maior, respeitando, dessa forma, a autonomia administrativa do ramo”, lê-se na intervenção escrita.

Em coerência, continua o CEMA, “de forma a salvaguardar a manutenção da autonomia administrativa dos ramos, importa manter, nos Chefes de Estado-Maior, a competência para a administração de recursos dos ramos, e, no CEMGFA, a competência para o emprego operacional das capacidades dos Sistemas de Forças no cumprimento das missões das Forças Armadas”.

Mendes Calado sustenta ainda que, sendo os chefes dos ramos “quem presta contas sobre a gestão do respetivo ramo, a autonomia para a administração dos recursos não pode deixar de estar em quem presta contas e é responsabilizado pelas decisões que toma”.

Facilmente se compreende que não pode a autoridade para a decisão ficar no CEMGFA e a responsabilidade por prestar contas recair nos CEM”, argumenta.

A proposta de lei que foi aprovada no parlamento prevê, neste âmbito, que o CEMGFA tem o comando operacional das Forças Armadas e que os chefes militares estão na sua dependência hierárquica.

Um outro aspeto referido pelo chefe da Armada respeita às “competências deliberativas” do Conselho de Chefes de Estado-Maior, principal órgão militar coordenador e de consulta do Chefe do Estado-Maior-General — competências que o Governo propõe alterar.

Para o CEMA, este Conselho “é o fórum de aprofundamento do modelo de atuação militar conjunta e constitui um elemento essencial para a coesão das Forças Armadas e, em particular, da sua estrutura superior, onde as decisões estruturantes devem continuar a envolver os quatro chefes militares”.

Só assim, se valoriza um modelo de lideranças alinhadas, com o adequado controlo e equilíbrio no processo de decisão, dando um exemplo de liderança inclusiva, com responsabilidades partilhadas, respeitando o posicionamento institucional do CEMGFA como principal conselheiro militar do ministro da Defesa Nacional, que a lei em vigor já reconhece”, sustentou.

Na opinião de Mendes Calado, “a documentação estruturante da Defesa Nacional deve ter o envolvimento, com capacidade deliberativa, de todos os chefes militares, o que confere ao processo de decisão e respetivos documentos finais, a ponderação, robustez e coerência requeridas a instrumentos que são objeto de revisão apenas uma vez em cada década”.

Quanto às missões cometidas à Marinha, Mendes Calado aponta que a proposta de LOBOFA “deve continuar a referir explicitamente “o exercício da autoridade do Estado nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional e no alto mar” e as “operações e atividades no domínio das ciências e técnicas do mar”.

Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas defende reforma militar do Governo

O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) defendeu esta quarta-feira que a alteração na estrutura militar não é uma “reforma disruptiva”, mas sim uma adaptação do que foi feito desde 1982 e que ajudará à “mudança de mentalidade”.

O almirante Silva Ribeiro foi o último dos chefes militares a ser ouvido esta quarta-feira, na comissão parlamentar da Defesa Nacional, sobre a reforma do Governo da estrutura das Forças Armadas.

Segundo a versão escrita da intervenção, a que a Lusa teve acesso, Silva Ribeiro afirmou encarar as alterações propostas pelo Governo à Lei da Defesa Nacional (LDN) e à LOBOFA “não como uma reforma disruptiva, mas como o culminar de uma adaptação progressiva, iniciada em 1982”.

Ao contrário dos três chefes dos ramos (Exército, Força Aérea e Marinha) que o antecederam nas audições e levantaram reparos às leis, disse que este é um “aperfeiçoamento legislativo” para “alinhar competências” do CEMGFA que já estão atribuídas por lei para “responder em permanência perante o Governo, através do Ministério da Defesa Nacional, pela capacidade de resposta militar das Forças Armadas”.

Também permitirá, disse, “eliminar situações frequentes de interpretações divergentes” que, por vezes, perturbam a “ação militar” e “afetam o princípio fundamental da unidade de comando”. Silva Ribeiro respondeu ainda às críticas vindas da esquerda parlamentar e de ex-chefes ao dizer que, com esta reforma proposta pelo Governo, será “possível focalizar o MDN nas questões políticas e o CEMGFA nas questões militares”.

“O que me parece também contrariar a tese da governamentalização das Forças Armadas, pois o que está em causa é uma transferência de responsabilidades do foro militar, do MDN para o CEMGFA”, disse, segundo a versão do discurso inicial aos deputados, a que a Lusa teve acesso.

O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas concluiu que “a adaptação legislativa proposta contribuirá para promover uma mudança de mentalidade, que, valorizando a cultura e a identidade próprias dos ramos, atenuará as rivalidades corporativas”.

E permitirá “criar um espírito de corpo conjunto e uma identidade comum das Forças Armadas”, importante para lidar “com os atuais desafios de segurança”, que exigem “novos conceitos de emprego conjunto e integrado das forças militares” e trabalhar, “conjuntamente, os desafios de pessoal, material, organização, inovação e transformação”, de forma a criar sinergias.

Artigo atualizado às 00h40 desta quinta-feira