O ex-diretor de risco do Banco Espírito Santo (BES) reconhece que havia uma “relação próxima” entre Luís Filipe Vieira, o dono do grupo Promovalor, e os dirigentes do banco na altura em que foram concedidos créditos à empresa Imosteps, cuja dívida ao Novo Banco ficou por pagar. No entanto, não tinha a percepção de que estava em causa uma gestão contra os interesses do banco, afirmou Rui Fontes esta sexta-feira na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.
Rui Fontes confirma que essa relação de proximidade era conhecida no banco, quando confrontado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, sobre as viagens em jato privado para ver jogos de futebol (pago pela Imosteps) feitas por altos dirigentes do BES na altura em que eram concedidos financiamentos “sem racionalidade para o banco”
O crédito à Imposteps foi concedido entre 2013, numa altura em que a empresa — que Luís Filipe Vieira afirma ter assumido como um favor a Ricardo Salgado — tinha um rating negativo e não se vê interesse económico na operação. Ao mesmo tempo, sublinha a deputada, “não pode ser indiferente à estrutura do banco que o administrador António Soto, o administrador Morais Pires, o administrador Ricardo Salgado e o diretor Bernardo Espírito Santo, andavam em voos privados para ver jogos da bola com Luís Filipe Vieira. Não lhe estou a imputar responsabilidades, mas como diretor do risco via esta exposição passar-lhe à frente dos olhos, tinha noção de que existiam decisões de crédito cujo racional não era da atividade e rentabilidade do banco”.
O ex-diretor de risco, e atual administrador do Novo Banco com o pelouro do risco, confirma que sabia que existia essa relação próxima e um profundo conhecimento, por parte das pessoas referidas pela deputada da administração do BES, do grupo Promovalor e de outros grupos económicos. “Havia uma relação próxima entre pessoas do banco e o cliente, o que nos permitia achar na altura que eles tinham um profundo conhecimento do negócio dos clientes” e dos projetos que estavam a desenvolver no Brasil. “Isso não era visto como totalmente negativo”, justificou.
Segundo Rui Fontes, as pessoas que decidiram o crédito, as identificadas por Mariana Mortágua, fizeram a sua avaliação a qual indicou um conjunto de ativos com valor significativo no Brasil, relacionado com cemitérios — “pode parecer irónico” —, face ao valor que estava a ser concedido. E o empresário estava a desenvolver outros projetos no Brasil de valor mais do que suficiente para liquidar toda a dívida do grupo.
Ainda assim, sublinha , a área do risco considerou que a exposição ao grupo de Vieira era “excessiva” em termos de concentração e foi feita uma recomendação sobre isso. No entanto, destacou também: “Não tinha a perceção de que existia uma gestão contra os interesses do banco. Isso não tinha”.
Segundo números citados por Alberto Fonseca, a exposição à Promovalor subiu 167 milhões de euros entre 2012 e 2014 e sem garantias adicionais. Rui Fontes responde que à data o diretor de risco “não fazia parte da cadeia de decisão”. A expetativa era a de que fossem obtidas as garantias recomendadas, o que só veio a acontecer na negociação de 2017.
Administrador do Novo Banco indica empresas que alegaram perdas no GES para não pagar créditos
Administrador do Novo Banco desde 2017, Rui Fontes defendeu os méritos da reestruturação da dívida da Promovalor, face a uma execução dos bens de Luís Filipe Vieira que, argumenta, “não era a melhor estratégia para defender os clientes do banco”. Este não foi um caso de default estratégico, ao contrário de outros que identificou. O empresário esteve disponível para entregar mais imóveis e manter a sua garantia pessoal o que “deu conforto” ao banco de que estará empenhado no sucesso da solução negociada para pagar a dívida.
Segundo Rui Fontes, houve outros casos em que foi possível chegar a acordo de reestruturação com devedores e que acabaram por não ser alvo da comissão porque não geraram perdas. Refere até que os dois maiores devedores em 2015 eram grupos que estavam expostos a mercados emergentes como Angola, Brasil e Venezuela, mas que acabaram por conseguir regularizar a situação. “O que se vê aqui não é representativo da realidade global do banco”.
Os deputados focaram-se contudo nos casos em que isso não aconteceu, como a Prebuild e da Moniz da Maia.
No caso do grupo de Gama Leão, foram emprestados 192 milhões de euros associados a exportações, das quais só 37 milhões de euros foram concretizadas entre 2013 e 2014. Alberto Fonseca sinaliza que existiam fortes indícios de que algo não estava bem. O crédito foi alvo de uma auditoria interna que revelou um processo que correu mal, indicou o ex-diretor do risco. O cliente Prebuild, disse, estava assinalado com sinais de alerta que lhe daria uma rating mau. Mas refere que em 2014, uma das grandes auditoras fez uma avaliação que justificava o modelo de negócios e apontava capitais próprios positivos. Já nesta comissão, o diretor de recuperação de crédito do Novo Banco denunciou contas empoladas numa empresas empresa do grupo, a Aleluia.
Rui Fontes foi ainda questionado por Duarte Alves do PCP sobre um parecer favorável dado pela área do risco já em 2018 a uma proposta de reestruturação da dívida do grupo Moniz da Maia, mesmo depois de assinalar a falta de contas consolidadas e informação. O administrador do Novo Banco justifica dizendo que esta era uma operação de recuperação que ia manter a exposição total ao grupo, apesar de reforçar financiamento no Brasil. O objetivo era ter acesso aos ativos imobiliários em Portugal na Mata do Duque e às empresas do Brasil que não estavam dadas como colateral deste crédito.
“Não era a informação ideal. Decidimos com base na informação possível com o objetivo de perder o menos possível. Infelizmente, a reestruturação não foi fechada.”
Pareceres do risco não contavam para os créditos dados no tempo de Salgado
Rui Fontes, que foi diretor de risco do Banco Espírito Santo entre 2012 e 2014, confirma que muitos dos créditos que geraram perdas no Novo Banco foram aprovados sem rating ou apesar de existir um rating degradado. Tal era possível porque o órgão que decidia os empréstimos, o conselho financeiro de crédito, tinha poderes para decidir empréstimos sem o parecer do risco. Ou seja, explicou ao deputado Alberto Fonseca do PSD, quem decidia eram o departamento comercial e a administração do BES. Isso mudou com o Novo Banco. O parecer do risco passou a ser necessário.
O responsável indicou também que muitas das operações geradoras de mais perdas foram decididas antes da crise financeira, quando a prática bancária era diferente, tendo já nos últimos anos do BES sido alvo de reestruturações e renegociações. Reconheceu que a concessão desses créditos a clientes com mau rating ou se rating eram geradores de consumo de capital, mas também assinalou que essas situações não eram a regra. Mais de 90% das operações tinham rating.
Rui Fontes foi convidado para a administração do Novo Banco em 2017 pelo Fundo de Resolução e pelo presidente, António Ramalho, e perante as dúvidas suscitadas pelas responsabilidades que teve no BES, referiu em resposta a Duarte Alves do BCP que o Banco Central Europeu não levantou objeção à sua nomeação por razões de idoneidade. Sublinhou ainda que esta aconteceu já depois de ter sido concluída a auditoria forense encomendada pelo Banco de Portugal aos serviços de controlo interno do BES que dirigia.