O delegado da Cruz Vermelha de Moçambique em Cabo Delgado, André Nhatabe, apelou esta terça-feira aos chefes de bairro para deixarem de elaborar listas de beneficiários de ajuda alimentar, cuja origem e necessidade a organização de socorro não consegue aferir.

“Quem elaborou a lista? Queremos que deixem a Cruz Vermelha fazer as suas atividades”, com levantamentos no terreno, porque a organização “ajuda as pessoas de forma transparente“, referiu, em entrevista à Lusa.

A situação é recorrente quando a organização de socorro anuncia que vai trabalhar num determinado bairro de Pemba, capital provincial, um dos distritos mais assoberbadas pelo fluxo de deslocados que foge da guerra no norte de Cabo Delgado.

“Quando damos a conhecer que vamos trabalhar num bairro — por exemplo, Paquitequete —, não estamos a pedir listas. Estamos a comunicar que vamos lá” e a Cruz Vermelha tem “capacidade para elaborar as listas” de quem realmente precisa, referiu.

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Nhatabe apelou aos secretários de bairro para apresentarem as necessidades dos deslocados à Cruz Vermelha quando os voluntários da organização estiverem a fazer o levantamento no terreno, em vez de entregarem listas pré-elaboradas. O relato de desvio de ajuda alimentar por líderes locais é frequente entre deslocados, alguns dos quais se queixaram nos últimos meses à Lusa de serem integrados em supostas listas, mas sem nunca receberem os respetivos apoios.

O delegado da Cruz Vermelha de Moçambique em Cabo Delgado classifica a situação com um “desafio” entre vários, mas considera que, apesar das contrariedades, o momento deve ser de mobilização de voluntários para apoiar os deslocados de forma transparente e imparcial.

Não se sintam cansados, porque não é momento de dizer que estamos cansados“, referiu, dirigindo-se a quem colabora com a organização.

“Vamos lutar e salvar vidas, mas observando os nossos princípios humanitários, porque só assim vamos mostrar que a Cruz Vermelha é neutra e imparcial” e que “quer ajudar as pessoas segundo a gravidade e vulnerabilidade” de cada uma, resumiu.

A Cruz Vermelha de Moçambique conta com 126 voluntários em cinco distritos do sul de cabo Delgado: Chiúre, Montepuez, Mecufi, Pemba e Metuge. Desde janeiro, a organização apoiou com produtos alimentares, em Cabo Delgado, cerca de 300 famílias: 250 no bairro de Paquitequete e 50 no bairro de Natite, na cidade de Pemba.

São deslocados que escaparam aos ataques armados de insurgentes a norte da província e que recebem uma cesta básica para um mês: 25 quilos de arroz, outro tanto de farinha de milho, cinco litros de óleo, três quilos de açúcar, três quilos de feijão e meio quilo de sal.

No mesmo período, a organização ofereceu material para construção de habitações a 1.010 famílias de deslocados nos distritos de Metuge e Montepuez. Neste caso, cada kit entregue às famílias inclui chapas de zinco, pregos, arame, martelo, alicate e uma rede mosquiteira.

O trabalho da Cruz Vermelha moçambicana em Cabo Delgado inclui ainda ações de sensibilização junto dos deslocados para adotarem medidas de prevenção da Covid-19.

Grupos armados aterrorizam a província desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo jihadista Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.800 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o governo moçambicano. Um ataque a Palma, junto ao projeto de gás em construção, a 24 de março provocou dezenas de mortos e feridos, sem balanço oficial anunciado.

As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas os tiroteios têm continuado e o ataque levou a petrolífera Total a abandonar o recinto do empreendimento que tinha início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.