A TAP abriu um inquérito disciplinar acerca de um vídeo gravado por dois diretores de recursos humanos do grupo em Madrid, no qual anunciavam estar a contratar um diretor para a operação de carga em Espanha. Isto num momento em que a TAP – atualmente em processo de reestruturação forçada por estar a receber ajudas de Estado – já rescindiu com mais de 1.800 trabalhadores e admite um despedimento coletivo de outros 206 caso não consiga que estes saiam por comum acordo. Os dois diretores em causa são Pedro Ramos, diretor de Recursos Humanos da TAP, e João Carlos Falcato, diretor de recursos humanos da Manutenção & Engenharia – este último já tinha aderido ao programa de rescisões por mútuo acordo.

No vídeo, filmado à noite numa das praças mais movimentadas e turísticas de Madrid, a Plaza Mayor, Pedro Ramos e João Carlos Falcato comentam, com boa disposição e aparente despreocupação, o processo de seleção de pessoal iniciado na capital espanhola.

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“Pois é, estamos aqui em Madrid, eu e o meu colega e amigo João Falcato. Já fizemos seleção de pessoas esta tarde… E como é selecionar pessoas? Anda lá, Falcato, vamos fazer 360 graus: isto é a praça mais fantástica!”, começa por dizer Pedro Ramos.

“E como é selecionar pessoas neste contexto pandémico em que se vê o pessoal a afastar-se? Não, é mentira… Aqui há pandemia, mas o pessoal não se está a afastar, não há distanciamento social e nós estamos a fazer assessments…”

Responde João Falcato: “Para já há uma cultura diferente! São muito mais abertos, estão muito mais à procura de oportunidades e acham que isto já passou. O que é muito importante, porque continuamos a encontrar gente com excelente qualidade, que está disponível no mercado fruto da pandemia. Esperamos trazer para a TAP gente que não estaria disponível e que neste momento vamos conseguir contratar”, diz o diretor de recursos humanos da Engenharia e Manutenção.

Pedro Ramos justifica ainda o porquê de estar sem máscara a fazer o vídeo, ao lado de João Falcato. “Não temos problemas, até porque fizemos os dois zaragatoas que nunca mais acaba para podermos entrar aqui neste país. Em Espanha é dificílimo entrar…”. Além de que “recebemos hoje os resultados dos testes e estamos ambos negativos”, completa.

“Vamos selecionar os melhores, neste caso vamos selecionar o melhor. O nosso responsável da área de carga. Em Portugal? Não, em Madrid. Não, em Espanha. É um gosto e vamos continuar nesta Plaza Mayor, que é encantadora! Madrid nos encanta”, conclui o responsável de recursos humanos da TAP.

O vídeo, partilhado nas redes sociais, não agradou à TAP e ao ministro que tutela a companhia, Pedro Nuno Santos. A companhia decidiu abrir um inquérito disciplinar aos dois diretores pelo vídeo, que diz ser “pessoal”. Quanto a Pedro Nuno Santos diz-se “indignado” com o que viu.

“Tendo tomado conhecimento de uma publicação nas redes sociais na qual intervêm, a título pessoal, dois trabalhadores da companhia, com responsabilidades na área dos recursos humanos e dado o momento que a TAP vive, em que a todos nós são pedidos sacrifícios, decidiu o conselho de administração abrir, de imediato, um processo de inquérito seguido dos procedimentos disciplinares aplicáveis a esta situação”, indicou ao Observador fonte oficial da TAP.

O Ministério das Infraestruturas e da Habitação de Pedro Nuno Santos que tutela a TAP já manifestou estar “indignado com o vídeo que circula com dois trabalhadores da TAP com elevadas responsabilidades na companhia, sendo um deles o diretor de Recursos Humanos, e aguarda pelos resultados do processo de inquérito instaurado pela TAP.”

Questionado pelos jornalistas num evento da EasyJet no aeroporto de Faro, Pedro Nuno Santos comentou novamente o polémico vídeo. Mas não esclareceu muito sobre o futuro dos dois diretores.

“Não quero alimentar muito mais. A única coisa que me importa – e que quero salientar nesta altura – é que todos os que estão envolvidos num processo muito complicado de reestruturação da TAP tenham o recato e a sensibilidade exigida por uma situação difícil que milhares de trabalhadores estão a viver, com perda de emprego e de salário. A situação é crítica, complexa, demasiado difícil de gerir”, disse o ministro, que salientou não ter conhecimento da ação de contratação dos dois diretores em Madrid.

“Não sabia, nem tinha de saber. Ao contrário do que muitos dizem, eu não estou a gerir a empresa. O que me foi dito é que estava em causa a saída do responsável comercial de carga em Espanha, saiu voluntariamente, e era preciso substituí-lo. A prática normal é que seja substituído por alguém que conheça o mercado em concreto. É uma prática de gestão normal. Não há um processo de recrutamento aberto, o que há é a necessidade de substituir alguém que vai sair voluntariamente e que deve ser procurado no mercado em concreto”, indicou ainda.

O ministro reiterou que aguarda a conclusão do inquérito disciplinar que a TAP vai abrir aos dois trabalhadores. Para já, num dos casos é irrelevante. Fonte da TAP confirmou ao Observador que João Carlos Falcato já tinha aderido às rescisões voluntárias ainda bastante tempo antes deste vídeo em Madrid. “Está neste momento apenas a fechar os processos que tinha em mãos”, acrescentou.

Quanto a Pedro Ramos é ainda incerto como vai decorrer o processo. O Diretor de Recursos Humanos responde diretamente à administradora com o pelouro, Alexandra Reis, e de seguida ao, ainda, CEO Ramiro Sequeira. Mas teoricamente um inquérito disciplinar na TAP é conduzido pelo Gabinete Jurídico-Laboral da empresa, cuja diretora é Stéphanie Sá Silva, também conhecida por ser mulher de Fernando Medina, com quem trabalhou na Câmara de Lisboa.

Pedro Ramos chegou à TAP em 2017, proveniente da Groundforce, onde exerceu funções nos Recursos Humanos e como Chief Financial Officer (pelouro financeiro). É, tal como Ramiro Sequeira e Miguel Frasquilho, um dos rostos da TAP quando tem de negociar com os sindicatos que têm representado os trabalhadores da companhia.

Contactado pelo Observador, João Carlos Falcato escusou-se a dar quaisquer explicações sobre o que motivou o vídeo da Praça Mayor, bem como o contexto em que este surgiu, nomeadamente se a deslocação foi iniciativa sua e de Pedro Ramos ou foi concertada com a sua hierarquia. Falcato disse apenas que se encontra “fora de Portugal” e que não quer fazer comentários.

O Observador tem tentado obter esclarecimentos adicionais por parte de Pedro Ramos, mas até ao momento este tem estado incontactável.

O vídeo – que surge numa altura em que a empresa já dispensou quase 1.800 pessoas e prevê reduzir outras 200 – mereceu já várias críticas de quadrantes políticos como o Bloco de Esquerda, através de um post da deputada Isabel Pires, e do PS, como a ex-candidata presidencial Ana Gomes.

“Neste momento delicado da vida da companhia, o Conselho de Administração expressa a sua solidariedade para com todos os trabalhadores da TAP e apela ao bom senso e recato de todos”, complementa a TAP.

A TAP comunicou a 31 de maio que reduziu de 2.000 para 206 o número de trabalhadores que ainda têm de sair da empresa. Um documento interno, citado pela Lusa, dava conta que as saídas tiveram lugar depois de implementados acordos de emergência e a adesão a medidas voluntárias.