A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) propôs que os pequenos acionistas do Banco Espírito Santo pudessem subscrever ações do Novo Banco após a resolução de 2014. Segundo o ex-presidente Carlos Tavares, a CMVM sugeriu que fossem dados aos acionistas não qualificados (e que perderam tudo na resolução) um direito de preferência na subscrição de ações do banco que sucedeu ao BES com um eventual desconto no preço. Era uma forma de reconstituir a base acionista do banco, defendeu esta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco.

A mesma solução foi sugerida para os detentores de papel comercial que ficaram sem a provisão para cobertura de perdas com os produtos financeiros do GES que após a resolução passou para o banco mau. O problema com os “lesados do BES” arrastou-se e acabou por levar a uma intervenção do Governo que envolve o recurso a garantias de Estado.

A proposta, que Carlos Tavares descreveu como “um dos últimos atos da CMVM na defesa dos acionistas”, não teve sequência. O ex-presidente da supervisora do mercado explicou ainda que na altura se acreditava que o Novo Banco era um banco bom e que teria bons resultados (a ideia era vender em dois anos). “Hoje sabemos que poderia não ter sido o melhor dos negócios”, admitiu numa referência aos avultados prejuízos apresentados pelo Novo Banco e que levaram à cobertura de perdas com fundos públicos (e a esta comissão de inquérito).

“O que mais me penaliza neste processo foi a CMVM não ter podido suspender as ações” do BES

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O ex-presidente da CMVM lembra também que nos últimos dias de vida do BES, e apesar de toda a informação negativa que já existia sobre a situação do Grupo Espírito Santo (e que constava no prospeto do aumento de capital realizado em maio e por iniciativa da supervisora da bolsa), continuarem a realizar-se muitos negócios com ações do banco. Mas eram sobretudo os pequenos investidores a comprarem as ações que os grandes despejavam no mercado.

Afirmou ainda lamentar que a CMVM não pudesse ter suspendido mais cedo a negociações dos títulos do banco. Não o fez, justificou, porque não tinha informação de que ia ser feita uma resolução. E quem podia ter dado essa informação e não o fez (também porque a lei não o determinava) era o Banco de Portugal, a autoridade de resolução. Ainda sobre os últimos dias de vida do BES, o então presidente da polícia da bolsa confessa que sempre teve dúvidas (ainda hoje) sobre se não deveria ter sido adiada a publicação das contas semestrais até haver uma solução para o banco. O anúncio de prejuízos de 3,6 mil milhões de euros a 30 de julho de 2014 precipitou a resolução no fim de semana.

Numa audição muito pouco participada — apenas o Miguel Matos do PS e Sofia Matos do PSD colocaram questões, para além do presidente Fernando Negrão — Carlos Tavares começou por defender a atuação da CMVM no caso BES, enquanto esteve à sua frente. E diz que o relatório interno que encomendou e que foi coordenado pela atual presidente Gabriela Figueiredo Dias conclui que a CMVM atuou de forma “independente e até corajosa”, o que lhe causou dissabores pessoais que não especificou. Mas confirmou o que disse a sua sucessora na mesma comissão, o tal relatório não traz nada que não tivesse sido revelado já ao Parlamento.

Mais um “relatório secreto” sobre o BES? Presidente da CMVM diz que não é segredo, nem faz análise crítica

Ainda sobre o polémico aumento de capita feito pelo BES dois meses antes de cair, e que ficou conhecido como o pior negócio, Carlos Tavares sublinhou que toda a informação disponível foi dada aos investidores — incluindo a de que a Espírito Santo Internacional (principal holding do GES) estava falida. Ainda assim, a operação tinha sido tomada firme por bancos internacionais e não faltaram compradores.

A CMVM, sublinhou, não tinha poder para impedir um aumento de capital determinado pelo Banco de Portugal quando o BES cumpriu o que foi pediu. Seria contra o quadro legal. E defendeu que este caso mostrou que prestação de informação para impedir conflitos de interesses entre partes relacionadas não é suficiente, é preciso proibir.

Banco de Portugal não foi o único a falhar no BES. Relatório secreto atira à CMVM, auditoras e Angola