“Julho é de porcelana, diria que o dia 15 é simbólico. Passará uma semana do fim das aulas, a temperatura aumenta e teremos cerca de 100 mil doses por dia da vacina administradas. Temos razões para estar otimistas, mas é também um mês de paciência para os mais novos.” Depois de anunciadas as novas medidas para tentar evitar a rápida propagação da variante Delta e a escalada no número de casos, o médico de Saúde Pública Bernardo Mateiro Gomes já olha em frente e vai deixando alguns conselhos ao Executivo: “O Governo vai ter que fazer uma reconfiguração da forma como aplica restrições, diria no máximo dentro de três semanas.”

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Por sua vez, o virologista João Braz Gonçalves considera que “o país já está numa situação em que não fazer nada é pior que fazer alguma coisa“. “Acho que a situação que se coloca agora é diminuir o número de contactos e isso é o que estas medidas vêm trazer. Já devia ter sido feito com maior rigidez há mais tempo e vai ter que ser feito agora”, afirma no mesmo sentido que Bernardo Mateiro Gomes também notou, ao Observador: “a questão do aumento da incidência e desta disseminação da variante Delta é algo que já estávamos a antecipar há semanas quando ocorreu a questão com o Reino Unido”.

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Bernardo Mateiro Gomes considera um erro o “apelo ao relaxamento” em junho tendo o país sido surpreendido com a variante Delta quando os especialistas já alertavam para o que podia acontecer. “Ainda assim há aqui alguma ironia, a variante Delta queimou-nos primeiro, mas vai queimar o resto da Europa em agosto“, disse considerando que a imposição do recolher obrigatório a partir das 23 horas tem também um lado negativo: “pode ser um convite a que as pessoas se juntem mais às escondidas”.

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“Há uma necessidade de recrutamento das pessoas para a cautela. As medidas podiam ser ajustadas de outra maneira, podíamos pensar de forma diferente. O culto do ar livre, para conseguirmos lidar com isto, julgo que o Governo e todos vamos ser obrigados a revistar as nossas prioridades no final de julho”, apontou considerando o “aumento da vacinação e o impacto hospitalar que vai ser cada vez menor em termos proporcionais”.

Ainda que atualmente os internados em cuidados intensivos sejam mais novos e com melhores probabilidades de sucesso no tratamento, Mateiro Gomes diz que é um erro “desvalorizar uma ida aos cuidados intensivos” ou mesmo uma “hospitalização de 10 dias numa pessoa saudável” e pede “paciência aos mais novos” que ainda não estão vacinados. “Em agosto teremos os jovens adultos todos vacinados. Estamos dependentes uns dos outros, precisam que consigamos tentar ao máximo quebrar cadeias de transmissão”, diz ao Observador, frisando o perigo dos eventos em espaços fechados: “Basta uma pessoa infetada a cantar, com esta variante Delta, será capaz de infetar 30 ou 40 pessoas”.

Numa altura em que eventos familiares e outros já são sujeitos a testagem prévia, o especialista nota que apesar dos resultados negativos é necessário manter todos os cuidados que já entraram na rotina diária e apela a que esses eventos se realizem o máximo tempo possível ao ar livre: “Começar o mais cedo possível e acabar o mais cedo possível, sempre ao ar livre, esse seria o meu conselho”.