A Comissão Europeia está a analisar a resposta do governo da Hungria às suas preocupações sobre a lei anti-LGBTI anunciada por Budapeste e garante que “não vai hesitar em agir como guardiã dos tratados” europeus. No entanto, de acordo com declarações de um porta-voz da Comissão ao Observador, Bruxelas defende que a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) húngaro ou a ativação do novo mecanismo de condicionalidade dos fundos europeus são processos separados da lei contra os direitos das pessoas LGBTI.

Desde que o governo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, anunciou a intenção de avançar com uma lei que proíbe a promoção do “desvio da identidade de género, mudança de sexo e a homossexualidade” a pessoas com menos de 18 anos, as críticas à Hungria subiram de tom, com praticamente todos os Estados-membros a criticarem uma lei que consideram discriminatória para as pessoas LGBTI, agravada pelo facto de relacionar a homossexualidade com a pornografia.

Bruxelas avisa novamente Hungria para retirar polémica lei contra direitos LGBT

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, considerou a lei em causa — que ainda não entrou em vigor — uma “vergonha” e pediu explicações a Budapeste. No mesmo sentido, também o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, deu até final de junho para as autoridades húngaras prestarem esclarecimentos sobre a polémica lei e ameaçou avançar para os tribunais europeus caso o governo húngaro implemente a nova legislação.

Questionada pelo Observador, a Comissão Europeia confirmou que já recebeu a resposta das autoridades húngaras em relação às preocupações jurídicas de Bruxelas sobre uma lei que considera discriminatória e contrária aos valores europeus e que a mesma está a ser analisada “cuidadosamente” antes de serem tomadas medidas para salvaguardar os tratados europeus.

“Já o dissemos e voltaremos a repetir, a Comissão utilizará todos os seus poderes para assegurar que os direitos de todos os cidadãos da União Europeia estão garantidos”, afirmou Christian Wigand, porta-voz da Comissão Europeia para a área da Justiça ao Observador. “Não hesitaremos em agir como guardiões dos tratados”, acrescentou.

UE. Tensão com Orban na cimeira europeia: “Não me tornei gay, sou gay”

A lei anti-LGBTI húngara foi o tema quente do último Conselho Europeu (24 e 25 de junho), quando vários líderes europeus confrontaram diretamente Viktor Orban sobre o assunto. O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, terá mesmo sugerido ao seu homólogo húngaro que abandonasse a União Europeia, caso não se revisse nos valores europeus, enquanto o primeiro-ministro luxemburguês, Xavier Bettel, contou a sua história pessoal (é homossexual assumido) e acusou Orban de ultrapassar linhas vermelhas.

As críticas ao governo húngaro não se ficaram por aqui, e vários eurodeputados de grupos de esquerda e liberais enviaram uma carta à Comissão Europeia a apelar a que o PRR da Hungria seja chumbado por Bruxelas, invocando não só a lei anti-LGBTI que deverá estar prestes a entrar em vigor, como preocupações sobre a independência dos tribunais húngaros, suspeitas de nepotismo e falta de transparência.

Orban classifica críticos da lei sobre homossexualidade como esclavagistas

“O respeito pelo Estado de Direito e uma boa gestão financeira são componentes essenciais para uma recuperação bem sucedida na Europa. Os cidadãos devem ter a certeza absoluta que o dinheiro dos contribuintes é investido de forma adequada e que não é usado para minar os alicerces da União Europeia”, lê-se na carta assinada por eurodeputados da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, Verdes/Aliança Livre Europeia, Renovar a Europa e da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde.

No entanto, a Comissão Europeia, questionada pelo Observador, defende que “a avaliação do PRR da Hungria e a análise do projeto de lei húngaro são dois processos separados e paralelos”, e que enquanto decorre a avaliação do PRR da Hungria não fará comentários. No mesmo sentido, a Comissão refere que “não vê uma ligação entre esta lei húngara e o mecanismo de condicionalidade”, um mecanismo que prevê a suspensão dos fundos europeus em caso de violações do Estado de Direito que afetem ou ponham em risco a boa gestão financeira do orçamento da União Europeia ou os seus interesses financeiros.