O Governo está a estudar a possibilidade de introduzir testes para acesso a restaurantes, sendo já certo que isso não vai ser necessário para almoços nos dias úteis e que a intenção é que seja obrigatório para restaurantes dos concelhos de risco muito elevado. Ou seja, vai permitir que os restaurantes que têm de fechar às 15h30 nos fins de semana, possam estar abertos desde que os clientes apresentem teste negativo à Covid-19.
A medida ainda está em estudo e há muitos pontos em aberto, com o Governo a ter dúvidas sobre a sua aplicação nos jantares dos dias úteis e nos almoços de fim de semana, que são momentos de ajuntamento, mas que atualmente não têm qualquer restrição associada mesmo nos concelhos de risco muito elevado — aqueles que durante duas semanas consecutivas apresentaram 240 casos de Covid-19 por cem mil habitantes (neste momento são 19 nestas condições).
Fonte do Governo confirmou ao Observador que a hipótese está em análise nesta altura e que será “um passo essencial para os restaurantes poderem controlar entradas de quem tem certificado” na nova aplicação, feita pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, que foi disponibilizada esta terça-feira para leitura do QRCode e que servirá para ler o certificado digital.
É que, além de ainda não estar fechado a que momentos específicos vai aplicar-se esta medida, também ainda há dúvidas do Governo sobre que testes serão permitidos para este acesso a restaurantes. Bastarão autotestes, testes rápidos feitos à porta ou terão de ser feitos nas farmácias, como os que são exigidos atualmente para sair da Área Metropolitana de Lisboa ao fim de semana?
Autotestes como “via verde” para entrar no restaurante
Além de possibilitar a abertura de restaurantes nas noites de fim de semana nos concelhos com risco muito elevado de transmissão do vírus — e de estar a estudar a exigência de testes ao jantar durante a semana e aos almoços de fim de semana —, o Governo estuda essa possibilidade de os autotestes serem utilizados no acesso a espaços de restauração, nos casos em que passe a ser exigido um resultado negativo aos clientes.
Neste momento, só o certificado digital com base num teste de despiste do novo coronavírus permite, por exemplo, as deslocações de e para a Área Metropolitana de Lisboa ou a presença em eventos como casamentos e batizados (ou seja, apenas os testes PCR ou de antigénio realizados em laboratórios e farmácias abrem essa possibilidade).
Mas, agora, está também a ser avaliada a possibilidade de os autotestes entrarem neste leque de opções. Essa hipótese, defendida pela área da Economia — e olhada com reservas pelo lado da Saúde — permitiria flexibilizar o acesso a restaurantes, a partir do momento em que passe a ser necessário um teste negativo para entrar. O Governo está, aliás, neste momento a avaliar se consegue dar o passo “do autoteste feito à porta [do restaurante] ou na farmácia” para garantir esse acesso.
Esse ponto (admitir os autotestes como mais uma possibilidade) tem ocupado o debate entre as duas áreas do Governo nos últimos dias, sem que tenha sido possível chegar a uma decisão final até este momento. Sem uma posição técnica sobre o assunto do lado da Economia — essa, cabe aos responsáveis do setor da Saúde —, a dúvida recai sobre a fiabilidade destes testes, em comparação com aqueles que são realizados por entidades oficiais e que — como explicamos mais abaixo — têm um nível de deteção do vírus mais elevado.
Abrir a porta aos autotestes permitiria agilizar uma ida ao restaurante nos casos em que passe a ser exigido um teste negativo. Mas, ao mesmo tempo, é preciso garantir que o recurso massificado a estes testes não se traduz num aligeirar das regras que contribua para um aumento dos contágios em zonas do país em que o nível de transmissibilidade é mais elevado.
Agilizar mas não facilitar
A discussão é, por isso, técnica. Em declarações ao Observador, várias fontes confirmam que, embora não haja “uma guerra, uma divergência clara ou uma tensão” entre as áreas de Governo, os dois lados têm posições diferentes. Uma dessas fontes, que participa no aconselhamento científico ao Governo, explicou que “a Economia quer abrir ao máximo todas as possibilidades e entende que o autoteste é uma medida mínima válida”. Mas “a Saúde é mais conservadora, quer ter a certeza que os testes são bem feitos e supervisionados por profissionais”.
A questão é que os autotestes costumam ser menos fiáveis que as análises de laboratório ou conduzidas pelos profissionais de saúde. A própria Direção-Geral da Saúde (DGS) aponta numa norma que a sensibilidade desses testes é de pelo menos 80% — muito abaixo dos 90% de sensibilidade dos testes rápidos de antigénio e dos 98% dos testes PCR.
Ora, quanto maior a sensibilidade dos testes, menor a probabilidade de o resultado se traduzir num falso negativo. Por isso, para as autoridades de saúde, “é complicado implementar os autotestes como uma ferramenta ao mesmo nível que os outros testes”, confirma a fonte ouvida pelo Observador. Mas, embora o lado da economia compreenda os argumentos da saúde pública e defenda que é necessário evitar transmissões do vírus, também entende que “os autotestes já são algum cuidado”.
Uma segunda fonte procurada pelo Observador, também ela envolvida no aconselhamento científico do Governo, aponta que um lado da barricada quer estimular o mais que puder a economia — sem descurar na saúde pública, mas baixando a guarda para aceitar autotestes. O outro lado argumenta que se mantém o risco de as pessoas fazerem esses testes mas não reportarem o resultado, seja ele positivo ou negativo: “Há reticências porque isto é uma questão de cultura educacional e respeito pela cidadania.”
Embora as fontes ouvidas pelo Observador desconheçam se há algum esforço concreto a ser realizado neste momento para chegar a conclusões sobre este tema — o Observador sabe que, ao nível governamental, esse esforço existe —, ambas apontam a Direção-Geral da Saúde como a responsável para, em último caso, tomar uma posição. “Pode aconselhar-se com quem quiser e pode discutir com os decisores políticos, mas é a única que poderia definir as orientações”, indica uma das fontes. Outra sugere que deve ser a task force para a testagem a apresentar um plano sobre em que moldes é que os autotestes podiam ou não ser aceites para entrar num restaurante.
Mas mesmo que o certificado seja a forma presencial de aceder a espaços de restauração, colocando os autotestes de parte, isso vai exigir um esforço extra das autoridades, considerou uma terceira fonte contactada pelo Observador e familiarizada com o tema, que não identifica qualquer divergência entre a Saúde e a Economia. No entanto, admite que “poderá haver mudanças a caminho”.
Os autotestes podem não ser a solução porque “são muito superficiais, têm mais probabilidade de ter resultados falsos negativos e o aviso do resultado, seja positivo ou negativo, às autoridades de saúde depende demasiado da boa vontade dos indivíduos”, admite. Mas “se o certificado digital for a única forma de entrar num restaurante, é preciso dar oportunidade a toda a gente para ser vacinada ou então deve ser extremamente fácil e gratuito fazer um teste”, defende. E tem de ser possível obter o certificado mesmo que não se tenha acesso a um computador.
Outros países da Europa permitem autoteste para entrar em restaurantes
A utilização de autotestes para aceder a restaurantes já é uma prática comum noutros países da União Europeia. Na Áustria, quem não tiver um certificado de vacinação ou de recuperação da Covid-19, só pode entrar num restaurante se apresentar um teste com resultado negativo. Há dois tipos de autoteste: um de modalidade PCR, em que a pessoa bochecha um líquido em casa e a amostra é recolhida mais tarde; e um autoteste de antigénio, que é aceite como passaporte de entrada em restaurantes em todo o país exceto em Viena. O resultado do primeiro é válido por 72 horas; e do segundo durante 24 horas.
No Luxemburgo, a escolha recai sobre os restaurantes: ou aderem ao sistema “CovidCheck”, que só permite a entrada de pessoas vacinadas contra a Covid-19, recuperadas da doença ou que apresentem um teste negativo; ou, não aderindo ao programa, têm de cumprir uma série de regras apertadas relativas ao distanciamento entre mesas, ao número máximo de clientes permitidos em cada uma delas, à circulação dentro do espaço e à utilização de máscara.
Nos restaurantes que aderiram ao sistema CovidCheck, caso o cliente não tenha sido vacinado nem tenha recuperado da doença, são aceites dois tipos de teste: os laboratoriais, que podem ser os PCR ou os testes rápidos de antigénio; ou os autotestes, desde que sejam de marcas acreditadas pelas autoridades de saúde luxemburguesas (são os próprios clientes que os devem levar até ao local) e sejam realizados à porta do restaurante.