Um centro memorial em Vitória, no País Basco, inaugurado recentemente está a revelar a forma como a ETA tratava as suas vítimas mortais, retirando a visão romântica com que alguns ainda veem a organização terrorista.

Na sociedade basca ainda há, no entanto, uma grande divisão, que os especialistas garantem que só irá acabar com o tempo, sobre o percurso da ETA, criada em 1959, mas que cometeu a maior parte dos seus crimes durante a época democrática de Espanha, depois da morte do ditador Francisco Franco em 1975.

“Dar a conhecer as vítimas e o seu sofrimento retira o romantismo e altera a perceção” sobre a ETA, disse à agência Lusa Florencio Domínguez, diretor do Centro Memorial das Vítimas do Terrorismo, que está convencido de que há apenas 15 ou 20 anos não seria possível a sua construção.

A criação do memorial foi decidida em 2014, mas o projeto esteve paralisado devido a desacordos entre os governos central espanhol e o regional basco sobre o seu enfoque, até que em 2015, se realizou a primeira reunião do conselho de administração e o centro iniciou formalmente o seu trabalho de instalação.

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O centro foi inaugurado em 2 de junho passado pelos Reis de Espanha numa cerimónia em que também assistiram o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, e o Lehendakari (presidente do País Basco), Inigo Urkullu, do Partido Nacionalista Basco.

Para Florencio Domínguez muitas pessoas ficaram com uma imagem do grupo dos tempos em que esta era antifranquista e não quiseram ver o terror que a ETA espalhou durante a época democrática.

A ETA foi fundada em 1959 como um grupo de promoção da cultura basca, tendo evoluído no final da década de 1960 para uma organização paramilitar separatista, lutando pela independência da região histórica do País Basco ao mesmo tempo que assumiu uma ideologia marxista-leninista revolucionária.

A organização foi classificada como terrorista pelos governos da Espanha, França, Reino Unido, Estados Unidos da América e pela União Europeia.

O Centro Memorial das Vítimas do Terrorismo não se limita a tratar do grupo basco, e apresenta testemunhos de outras organizações terroristas de todas as tendências responsáveis por 1.453 vítimas mortais em Espanha e também de espanhóis no estrangeiro.

De acordo com os números revelado pelo Memorial, 853 pessoas foram assassinadas pela ETA; 290 pelo terrorismo ‘jihadista’; 92 pelos GRAPO (Grupos de Resistência Antifascista Primeiro de Outubro, extrema-esquerda); 62 pela extrema-direita; 27 pelo GAL (Grupos Anti-terroristas de Libertação que se desconfia que praticaram terrorismo de estado ou “guerra suja” contra a ETA); 129 por “outros grupos”.

“Há 20 anos teria sido impossível criar este memorial, porque a ETA ainda estava a matar”, concorda Ana Leyaristi, irmã de Sebastián Leyaristi, assassinado pela ETA com 39 anos em 1988, apesar de ter provado serem infundadas as acusações da organização terrorista em como era um traficante de drogas.

Ana Leyaristi congratula-se por o Estado de Direito e os seus instrumentos jurídicos terem conseguido “derrotar” a ETA, apesar de ainda haver “muitos reflexos e tiques do passado”.

“Eu própria conheço pessoas com quem não tenho vontade de me dar, porque não são capazes de olhar para o passado e admitir que se enganaram”, disse, acrescentando que recusa a teoria em que alguns ainda se refugiam, “afirmando que os militantes da ETA não tiveram outra alternativa”.

Ana Leyaristi gostava que as pessoas que vivem ainda “fechadas” em pequenas aldeias espalhadas pelo País Basco viessem ver o Centro Memorial às Vítimas do Terrorismo, em Vitória, mas sabe que “não virão”.

O Memorial está dividido em quatro áreas de exposição. A primeira centra-se na história do terrorismo em Espanha, com referência à ETA, ao GAL, ao Batalhão Basco Espanhol, ao GRAPO, entre outros, bem como aos ataques ‘jihadistas’.

Outra secção trata dos terroristas e da sua envolvente, uma terceira é dedicada à resposta policial, judicial, social e política à violência, e a última é dedicada à memória das vítimas.

A Espanha tem sido particularmente atingida por vários ataques terroristas, para além do terror que a ETA espalhou durante mais de 50 anos.

Em 11 de março de 2004 houve um atentado de uma célula ‘jihadista’ com ataques coordenados, quase simultâneos, contra o sistema de comboios suburbanos de Madrid, com explosões que mataram 193 pessoas e feriram 2.050.

Um outro atentado ‘jihadista’ teve lugar em Barcelona, na região da Catalunha, em 17 de agosto de 2017, quando um homem a conduzir uma carrinha atropelou propositadamente vários pedestres na conhecida avenida de La Rambla, tendo morrido 13 pessoas e ferido mais de 100.

Na secção “História do terrorismo” é mostrada uma cronologia que vai de 1960 até aos dias de hoje, dividida em três períodos: a ditadura de Franco, a transição e a democracia.

A cronologia começa com o assassínio de Begona Urroz, um bebé de 20 meses, em São Sebastião em 27 de junho de 1960, por um militante do DRIL (Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação), uma organização revolucionária apoiada por Fidel Castro (ditador comunista cubano) que atuou entre 1959 e 1964 com o objetivo de derrubar as ditaduras fascistas de António Salazar (Portugal) e Francisco Franco (Espanha).

Dois dos líderes desta organização foram os portugueses Humberto Delgado — militar que deu corpo à principal tentativa de derrube de Salazar, através de eleições, que perdeu em 1958 — e Henrique Galvão — famoso por ter desviado o paquete português Santa Maria, cheio de passageiros, em 1961.