O antigo ministro das Finanças e o vice-ministro do Comércio de Angola receberam subornos para permitir a construção de um mercado de abastecimento em Luanda, segundo a Justiça espanhola, noticia esta segunda-feira o jornal El Mundo.

De acordo com o jornal, que dedica uma página da sua edição impressa à notícia, com o título ‘”Uma folha encontrada em Lisboa em 2014 é prova-chave de subornos a Angola“, a Justiça espanhola concluiu que o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto, o então diretor nacional do Comércio Gomes Cardoso e o antigo assessor económico de José Eduardo dos Santos e futuro ministro das Finanças Augusto Archer Mangueira, receberam subornos para permitir a construção de um mercado de abastecimento.

No total, estes três homens terão recebido 450 mil dólares, o equivalente a 381 mil euros, sendo 200 mil para o primeiro, 100 mil para o segundo e 150 mil para o terceiro, num processo que foi encontrado quase por acaso, já que resultou de buscas feitas pelas autoridades portuguesas e espanholas numa casa em Linda-a-Velha, nos arredores de Lisboa, há sete anos, numa outra investigação envolvendo a mesma pessoa.

Na altura, procuravam o cidadão luso-angolano Guilherme Taveira Pinto, que se crê estar em Luanda, de acordo com o El Mundo, que conta a história de como nessa busca à casa foram encontrados muitos documentos, mas sem utilidade para o processo original.

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Nem tudo foi em vão, no entanto; no registo da casa encontraram-se muitos documentos que foram para Madrid para serem examinados com calma”, lê-se no jornal de hoje [segunda-feira], que acrescenta: “Entre esses documentos, estava uma folha com números e letras soltas, que sete anos mais tarde e 14 anos depois de ter sido escrita, é uma prova fundamental na acusação do fisco noutro caso de corrupção, e demonstra que Espanha subornou importantes funcionários do Governo de Angola”.

Em causa está o processo que as autoridades espanholas estão a preparar, e no âmbito do qual querem levar a julgamento 20 pessoas e oito empresas, entre elas a empresa pública Mercasa, por irregularidades detetadas entre 2006 e 2016 para a construção de um mercado de abastecimento na capital de Angola, Luanda, conforme a Lusa noticiou no final de 2019.

Segundo a Audiência Nacional, um tribunal especial que trata dos casos mais graves de corrupção, para obter o contrato foram pagas comissões às autoridades e funcionários angolanos, tendo os arguidos também ficado com uma parte dos fundos, que ascenderam a quase 20 milhões de euros.

O juiz responsável pela investigação do caso destacou então o mais “absoluto desprezo à lei” por parte das empresas investigadas e, sobretudo, da empresa pública Mercasa, a quem faltaram “as mais elementares normas legais e éticas”, movido por uma política de “lucro a qualquer preço”, numa atitude “absolutamente insuportável” para uma empresa de caráter público.

O auto divulgado em novembro, que encerra a fase de instrução do processo e propõe o julgamento dos arguidos, considera chave o papel desempenhado pelo responsável pela distribuição das comissões, o fugitivo luso-angolano Guilherme Oliveira Taveira Pinto, que realizou trabalhos para a Mercasa e para a Defex, uma outra empresa pública envolvida.

Taveira Pinto, que se suspeita viver em Luanda, foi o destinatário inicial das comissões e distribuiu-as entre funcionários públicos e responsáveis empresariais.

O juiz destaca a prática de crimes de corrupção numa transação económica internacional, apropriação indevida de capitais, falsificação de documentos, associação ilícita ou organização criminosa e lavagem de dinheiro.

A Mercasa, considerada a maior rede de mercados grossistas do mundo e controlada pela Sociedade Estatal de Participações Industriais (SEPI), possui 23 plataformas logísticas em Espanha, nas quais trabalham 3.000 empresas grossistas do setor agroalimentar.

A Justiça espanhola já emitiu vários mandados de detenção europeus e internacionais contra Guilherme Oliveira Taveira Pinto pelo seu envolvimento noutros casos de corrupção, nomeadamente que implicam a Defex.

Na edição desta segunda-feira, o El Mundo aponta que “o valor do contrato celebrado com o Governo de Angola marcava um preço de 218 milhões de dólares, 15% dos quais, 32 milhões, deveriam referir-se a um primeiro pagamento antecipado para arrancar o projeto”.

Angola, diz-se no artigo, “pagou religiosamente esse montante ao consócio da Mercasa e às empresas privadas, e esse consórcio pagou a Taveira Pinto a quantia de 3,1 milhões de dólares, o que implica 9,5% dos 32 milhões, e em teoria devia ser 1,5% para o próprio Taveira Pinto como comissão do contrato e 8% para ‘gastos comerciais'”, que foi exatamente a quantia descrita na folha encontrada na casa deste empresário luso-angolano, em Linda-a-Velha.

“As contas do arquivo coincidem com os 8% dos 32 milhões que Angola pagou, mas os investigadores deixam claro que de ‘gastos comerciais’ não têm nada”, conclui-se no artigo.