Em Monchique, ainda se aguarda a reparação de grande parte dos danos do incêndio de 2018, que durante uma semana consumiu mais de 27 mil hectares de floresta e terrenos agrícolas e destruiu dezenas de habitações.

Passados quase três anos há quem ainda aguarde por uma solução para a sua casa, há quem já tenha conseguido uma nova habitação e há quem tenha perdido a esperança de reabilitar o seu património.

Alferce é uma das freguesias onde é fácil encontrar vestígios do incêndio, com muitas árvores queimadas e algumas casas destruídas pelo fogo ainda bem visíveis, como a que José António tinha arrendada.

“Estavam ali pessoas a viver, ardeu e tiveram de sair, porque a casa ficou com está agora. Com o problema da falta de dinheiro não a vou poder reconstruir tão cedo”, lamenta já que, como se trata de uma segunda habitação, ficou fora dos apoios garantidos pelo Governo.

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Também a propriedade onde cultivava citrinos biológicos que exportava para a Alemanha foi afetada, tendo submetido um projeto para apoios, que foi aprovado, mas a necessidade de se endividar fê-lo desistir da ideia.

“Tinha que pagar tudo à cabeça e depois receber a apoio. Para isso tinha que recorrer a bancos e acabava por não conseguir suportar a minha parte”, sustenta, adiantando que acabou por vender o terreno estando a “tentar viver” com o dinheiro que recebeu.

Com a responsabilidade de gerir uma área de 90 hectares e pouco menos de 500 habitantes, o presidente da Junta de Alferce lamenta que, passado este tempo, ainda não tenho sido reposta a “normalidade” já que ainda haja “casas e atividade florestal e agrícola por recuperar”.

“Não fomos todos competentes para dar a resposta que era necessária”, aponta José Gonçalves.

Numa freguesia com “grande parte do território” incluído na reserva agrícola ou ecológica nacional ou na Rede Natura 2000, o autarca aponta a “dificuldade com a legislação”, a existência de “algumas ampliações” ilegais ou a “falta de capacidade das famílias” em completarem os projetos, como algumas das razões para a não recuperação das casas.

O governante queixa-se que a legislação não permite a deslocalização das habitações caso estejam num zona de “risco muito elevado ou elevado”, mesmo que se adotem medidas como “sistemas automáticos de combate a incêndios” ou outras que permitiram manter as populações nas zonas de baixa densidade.

“É uma legislação que terá de ser alterada”, destaca.

A cerca de sete quilómetros percorridos em estradas estreitas e sinuosas fica a Picota, local onde vivia Roquelina Varela, com o irmão e a cunhada, mas o fogo tornou a casa inabitável e uma discordância com uma outra irmã não permitiu que fosse reabilitada.

A solução encontrada pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e o município foi adquirirem uma nova, para onde se mudaram há dois anos, depois de um a residirem numa casa emprestada pela paróquia.

É na nova habitação que, anos 76 anos, revela que finalmente viram o problema “resolvido”, mas que não esquece o que aconteceu em 2018 já que ficou apenas com a roupa que “tinha vestida”.

Este é um dos quatro casos que foram resolvidos, três por compra e uma por reabilitação num processo que o presidente da Câmara aponta como “muito longo”.

Rui André explica que alguns casos “foram excluídos” por razões várias e apenas 26 foram aceites para apoio, sendo que algumas pessoas não mostraram vontade em avançar com o processo.

Nesta altura há “sete agregados em casa arrendadas”, as quatro que foram resolvidas e 12 casos que estão “em fase ou arranque de obra”.

O autarca manifesta discordância com a não inclusão das segundas habitações no apoios, defendendo que se poderia ter encontrado uma solução que permitisse abrigar os arrendatários e recuperar o património do proprietário.

Em relação à recuperação da área florestal ardida, destaca alguns projetos interessantes de “replantação e reconversão”, mas alerta que o processo para se redesenhar a paisagem está “aquém” do que esperava.

“A burocracia e o facto de o Governo não estar a abrir mais avisos para os proprietários têm levado a que esta janela de oportunidade se esteja cada vez mais a fechar e temo que ela se possa perder”, realça.

As novas regras que limitam as áreas de plantação de eucalipto podem, segundo o autarca, fazer com que algumas empresas de celulose “saiam do concelho”, deixando os terrenos nas mãos dos proprietários e “sem gestão”.

“Pode haver um problema sério no futuro para Monchique, já que a atividade florestal é um importante ativo económico no concelho, gerador de emprego e de riqueza. Certamente há muita coisa a corrigir no ordenamento, mas essa mudança tem de ser feita com as pessoas”, sustenta.

Para Rui André, o futuro passa também pela elaboração de várias áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), uma delas envolve a criação de um “anel ecológico e de proteção” à volta da vila de Monchique e das Caldas, que incluí um “corredor ecológico” entre os dois núcleos para que “nunca mais” o fogo entre na vila.