Farinha de inseto, barrita de chocolate e larva ou larvas crocantes com sal marinho: é à escolha do freguês, agora que Portugal permite a comercialização de alimentos com insetos. Estes produtos em específico são da portuguesa Portugal Bugs que, finalmente, conseguiu trazer à luz do dia o que tem desenvolvido desde 2016 e que pode agora ser comprado por qualquer um na cadeia de hipermercados Continente, a primeira marca de retalho nacional a comercializar estes produtos no país. Alto teor em proteína, fibra e uma achega na sustentabilidade da indústria alimentar são apontadas como as maiores vantagens no consumo destes bicharocos.
O choque inicial é “mais do que compreensível”, diz-nos Guilherme Pereira, co-fundador da Portugal Bugs ao lado de Sara Martins. “São bichos que causam alguma impressão a toda a gente, por isso pensar em comê-los é sempre estranho e temos noção disso. Daí que o nosso trabalho seja precisamente desconstruir a ideia e explicar o que fazemos”.
E o que faz a Portugal Bugs? Para já, transforma a espécie tenebrio mollitor — larvas, para os amigos — e integra-a em produtos alimentares. Mas começaram de forma mais ambiciosa. O ponto de partida aconteceu ainda na faculdade, num projeto de final de curso de Guilherme, desafiado a criar uma barra proteica com incorporação de farinha de inseto, isto em 2016. A coisa correu bem, a curiosidade e a necessidade aguçou o engenho e de uma barra passou para uma garagem de casa com produção própria de tenebrio, que Sara ajudou a desenvolver. “Sempre ouvi o meu pai dizer que os insetos são o futuro, por isso foi uma coisa que me ficou e aquilo que começou só com um projeto vimos que tinha todo o potencial de crescimento”, conta.
Começaram assim a produzir insetos, porque a matéria prima era muito cara nessa altura e a vontade dos dois era aumentar a gama de produtos além das barritas. “Optámos por escolher a produção do tenebrio porque acreditámos que era um inseto que teria mais potencial para ser produzido em escala”, diz Sara que, juntamente com Guilherme, descartou a possibilidade de começarem com grilos por causa do barulho incomodar vizinhos. As larvas crescem em caixas plásticas dentro de um substrato de cereais — que pode ser de aveia, farelo de trigo, levedura de cerveja — e alimentam-se de vegetais. “A garagem ficou pequena para o que estávamos a fazer, tivemos de alugar um espaço só para produzir tenebrio”, confessa Guilherme.
Autorizada comercialização de alimentos com larvas desidratadas de escaravelho
Em Portugal, só em junho deste ano é que a aprovação para consumo chegou, deixando os dois pioneiros à espera durante vários anos. São sete as espécies de insetos que podem ser produzidas, comercializadas e utilizadas na alimentação, todas com nomes de difícil pronúncia: acheta domesticus, alphitobius diaperinus, apis mellifera male pupae, gryllodes sigillatus, locusta migratória, schistocerca, gregaria e tenebrio mollitor. Traduzido por miúdos, foram autorizadas duas espécies de grilo, uma de besouro, duas de larvas e duas de gafanhotos.
Entre 2016 até agora foram muitos anos de estudo e testes de novos produtos, explica Sara, para que pudessem agora estar prontos para ter no mercado mais alimentos além das barritas Mealworm Bites. Conseguiram assim, além das barras proteicas, produzir uma farinha de inseto e dois snacks de tenebrio crocante, um com sal marinho e outro com pimenta.
Como se chega da larva à farinha
É importante esclarecer à partida que “nenhum destes insetos são daqueles que vemos na rua”, afirma Guilherme. “É preciso que antes de tudo as pessoas percebam o que estão a comer, e garantir que saibam que o que estão a consumir é 100% seguro porque estes insetos são produzidos em ambientes controlados do início ao fim do processo”. No fundo, diz, “é como os caracóis”, que também são criados em ambientes controlados para poderem ser comidos.
E se desde 2016 se dedicavam à produção e transformação em produto — apesar de não venderem em Portugal —, os fundadores da Portugal Bugs optaram há pouco tempo por deixar de produzir e focar toda a atenção na transformação do produto, “até porque ainda não é permitido produzir e transformar em Portugal”, refere Guilherme. Assim sendo, têm um espaço com a linha de montagem e transformação da matéria prima — o tenebrio que compram a produtores certificados — em barras, farinha ou snack.
“As larvas têm um ciclo de vida de cerca de sete semanas e é nessa altura que estão prontas para abate, que é feito a frio porque os animais acabam por adormecer. A partir daí é trabalhar o produto e transformá-lo ou em farinha, moendo-o, ou desidratando para fazer os snacks crocantes, por exemplo”, explica o mentor do projeto.
Nutrição, sustentabilidade e os insetos a dominar o prato
O consumo de insetos está, no entanto, associado a vários benefícios tanto a nível nutricional como de sustentabilidade do planeta. A criação e produção destas espécies implica gastos muito menores de água, de ração que se dá aos animais — sobretudo gado —, de desgaste do solo, reduzindo “drasticamente” a pegada ecológica e os gases efeito de estufa. “Os insetos são falados já há algum tempo como o futuro da alimentação, até porque os recursos da humanidade estão a esgotar e vai ser necessário reforçar as opções alimentícias”, explica Guilherme, que aponta que mais de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo já consomem insetos regularmente no seu regime alimentar.
Além das questões de sustentabilidade, também nutricionalmente falando, os alimentos à base de insetos acabam por ter valores nutricionais vantajosos, sobretudo porque são grandes fontes de proteína — que pode variar entre 45 a 65% dependendo do inseto —, além dos valores elevador de fibra e gorduras essenciais. “Para nós é como se fosse um superalimento, porque dentro do mesmo ingrediente tem muitas vantagens nutricionais”, conta.
As barritas (1,79 euros) estão disponíveis em quatro sabores diferentes: chocolate e amêndoa; figo e laranja; maçã e canela; e manteiga de amendoim e mel. Já os snacks crocantes Tasty Mealworms (4,45 euros) são insetos desidratados temperados com pimenta cayenne ou sal marinho, e podem ser adicionados também como topping em saladas, sopas e massas. A farinha (9,95 euros) é feita 100% a partir de tenebrio molitor, e pode ser utilizada para enriquecer receitas de pão, bolachas, bolos, panquecas ou batidos.
Já nos planos da Portugal Bugs está um gelado de tenebrio com pedaços e logo depois desse lançamento também uma massa com farinha de inseto, snacks e barras com grilos e um hambúrguer com insetos (substituto da carne).
Começar com produtos que o consumidor já conhece — apesar de feitos com outros ingredientes — foi uma das preocupações dos dois mentores, para causar menos impacto. “O paradigma mudou ligeiramente e temos uma gama de produtos incorporados em farinha, é tentar familiarizar os produtos normais são possíveis de serem feitos com farinha de inseto e não serem diferentes dos restantes”, diz. “Mostramos que conseguimos combater a repulsa natural e depois de provarem a barrinha vão ter curiosidade em provar o resto”
Guilherme compara a “repulsa” que as pessoas sentem inicialmente a estes produtos com aquela que “as crianças têm quando as obrigam a comer brócolos e elas nunca provaram mas insistem em dizer que não gostam”.
A venda dos produtos começa já esta quinta-feira, dia 5, depois de um acordo com o Continente que já estava em cima da mesa. Paula Jordão, diretora comercial da Sonae MC, confessa que estavam apenas “à espera de luz verde” na questão do consumo de alimentos com insetos em Portugal, para avançar uma vez que “queriam estar na vanguarda dessa inovação”. A responsável da cadeia afirma que esta é “uma tendência a nível mundial já confirmada”, por necessidade de procurar fontes alternativas alimentares, “fazia todo o sentido que trouxessem essas novidades para o mercado português”.
Nesta fase inicial, que arranca já esta quinta-feira, a gama de produtos vai estar à venda no Continente online e em apenas 10 lojas da cadeia: os Continentes de Matosinhos, Colombo, Gaia Shopping, Gaia Jardim, Telheiras, Oeiras, Vasco da Gama, Cascais, Antas e CoimbraShopping. “Para já, vamos perceber a recetividade dos clientes nesta fase de novidade para pensarmos depois numa expansão até a nível de produto”, remata Paula Jordão.