A polémica estalou e até levou a uma troca de galhardetes nas redes sociais entre o presidente social-democrata, Rui Rio, e o presidente da Câmara de Lisboa, recandidato às eleições autárquicas de setembro. As obras na Calçada da Ajuda, que esteve fechada durante um ano e meio, deixaram casas com a porta principal a mais de um metro do chão (num caso, a cerca de um metro e meio). Um “motivo de orgulho para qualquer português … que simpatize com os padrões de rigor do terceiro mundo”, ironizou Rui Rio. As autoridades responsáveis já vieram entretanto esclarecer que as casas não são de habitação permanente, sendo só esporadicamente usadas pela GNR, que consegue entrar pelas traseiras. Apesar das explicações, a “obra” está a ser ironizada nas redes sociais.

Durante um ano e meio, a Calçada da Ajuda esteve encerrada para obras, durante as quais se baixou o nível do passeio, sem que tivessem sido construídas escadas para o acesso às casas. Resultado? Cinco portas ficaram demasiado longe do chão para se conseguir entrar. Num caso, o passeio fica a metro e meio da porta.

Apesar de a obra ainda não estar terminada, aquela parte da calçada acabou por ser reaberta recentemente porque o corte da rua “causava transtornos na circulação de automóveis e pessoas”, explicou o presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, Jorge Marques, ao Jornal de Notícias. O Observador tentou contactar a Junta de Freguesia da Ajuda, mas não foi possível até ao momento obter uma resposta.

As casas da Calçada da Ajuda antes das obras que baixaram o nível dos passeios. Reprodução Google Maps

As casas pertencem à Unidade de Segurança e Honras de Estado e duas delas estão a ser usadas por militares da GNR, que conseguem entrar pelas traseiras. Esse acesso faz-se através de um portão, que vai dar a um pátio, a partir do qual os militares da GNR podem entrar nas casas. As instalações são sobretudo usadas para trocar de roupa ou para que os profissionais possam pernoitar durante a realização de cursos que se localizam no local.

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O portão que vai dar ao pátio com acesso às casas. Filipe Amorim/Observador

Uma vez que as casas, propriedade do Estado, não são usadas diariamente, e dado que há uma entrada pelas traseiras, “os responsáveis pela obra decidiram que não era prioritário avançar com aquela parte” que dá para a Calçada da Ajuda, adianta o autarca. Um outro motivo parece ter motivado a solução apressada: Jorge Marques explica que, há cerca de dois meses, quando a Calçada ainda estava em obras, o Presidente da República, primeiro-ministro e o Presidente da Câmara de Lisboa visitaram a nova ala do Palácio Nacional da Ajuda, que estava inacabada há mais de dois séculos. Por “vergonha de deixar aquilo mal acabado”, os responsáveis da obra decidiram pintar os rodapés das casas… mas nada de escadas. A situação será corrigida.

A Direção Geral do Património Cultural (DGPC) já adiantou, aliás, que a intervenção ainda não está concluída e que será preciso corrigir as soleiras das portas e intervencionar o interior das casas “para repor as cotas de acesso”. “Estes trabalhos não têm repercussão física e formal na Calçada da Ajuda, a não ser na dimensão dos vãos, e vão ser executados em breve, sem colocar em causa o trânsito na Calçada da Ajuda”, garante a entidade.

Apesar das explicações dos envolvidos, as portas a um metro e meio do chão causaram rapidamente polémica. E já foram mesmo alvo de memes nas redes sociais, como numa publicação do satírico “Imprensa Falsa”, que faz uma analogia com a “prata” de Patrícia Mamona — que “trocou a medalha por casa na Ajuda com a porta a um metro do chão”.

Quem por lá passa não tem ficado indiferente à obra de requalificação da Calçada da Ajuda, que custou mais de 30 milhões de euros. O valor também inclui a construção da nova ala do Palácio da Ajuda — um edifício que começou a ser construído em 1795, mas que foi ficando inacabado, ora devido à morte de um dos arquitetos, ora por causa das invasões francesas ou por um incêndio na ala norte, em 1974.

Há, porém, quem considere o tema um “não assunto”, dado que as casas não são habitadas, e que prefira desviar as atenções para os “passeios mínimos” — onde, por exemplo, dificilmente passaria um cidadão de cadeira de rodas.

A polémica também levou a uma troca de galhardetes nas redes sociais entre Rui Rui, líder do PSD, e o presidente da Câmara de Lisboa, recandidato nas eleições autárquicas de setembro. O social-democrata aproveitou a onda de críticas e também lançou farpas. “A Câmara de Lisboa bem pode ser motivo de orgulho para qualquer português … que simpatize com os padrões de rigor do terceiro mundo”, ironizou Rio. Fernando Medina não o deixou sem resposta e clarificou que as casas “são da GNR” e “estão desocupadas”, sendo a entrada feito “pelo outro lado, pelo pátio do quartel”. “Obrigado, Dr. Rui Rio, por mais uma vez chamar a atenção para os problemas que preocupam os portugueses”, atirou Medina, rematando: “Pode agora retomar as suas férias e prosseguir com a silly season”.

A nova Ala do Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, foi inaugurada a 7 de junho deste ano. Por sua vez, a conclusão do Museu do Tesouro Real, na nova ala poente, está prevista para novembro.