891kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Entre zimbro e alambiques de cobre, este australiano abriu uma escola de gin no Porto

Este artigo tem mais de 3 anos

Travis Cunningham veio da Austrália para o Porto, depois de uma década a aprender a fazer gin. Criou a sua marca e abriu as portas da Scoundrels, destilaria com visitas, provas e uma escola de gin.

Travis deixou a Austrália há 12 anos e até 2017, ano em que chegou ao Porto e se instalou por lá, passou por países como a Mongólia ou Iraque. Na cabeça levava sempre consigo o sonho de fazer bebidas destiladas
i

Travis deixou a Austrália há 12 anos e até 2017, ano em que chegou ao Porto e se instalou por lá, passou por países como a Mongólia ou Iraque. Na cabeça levava sempre consigo o sonho de fazer bebidas destiladas

Octavio Passos/Observador

Travis deixou a Austrália há 12 anos e até 2017, ano em que chegou ao Porto e se instalou por lá, passou por países como a Mongólia ou Iraque. Na cabeça levava sempre consigo o sonho de fazer bebidas destiladas

Octavio Passos/Observador

Os velhos alambiques de cobre não estão mortos e Travis Cunningham, australiano a viver no Porto, fez questão de os ter bem à vista na destilaria que abriu portas há pouco mais de um mês, a Scoundrels Distilling Co. Tem vários exemplares em miniatura que servem de instrumento de trabalho aos alunos que se sentam ao balcão de mármore daquela que é a primeira escola de gin do país, que partilha espaço com a própria destilaria. É lá que Travis guarda um alambique de produção de maiores dimensões de onde saem três variedades de gin Invicta, a marca que o empresário criou e que quer levar além fronteiras. Mas antes, é preciso pôr Portugal no mapa do gin.

Travis deixou a Austrália há 12 anos e até 2017, ano em que chegou ao Porto e se instalou por lá, passou por países como a Mongólia ou Iraque. Na cabeça levava sempre consigo o sonho de fazer bebidas destiladas, um bichinho que nasceu repentinamente — na verdade, o grande sonho era abrir uma destilaria de rum, mas “é uma bebida que demora mais tempo” e por isso traçaram um caminho até ao gin. “O gin é uma boa bebida para produzir e penetrar no mercado rapidamente, foi um bocadinho esse o nosso pensamento, então começámos a trabalhar em receita de gin, completamente do nada”, conta. “O primeiro que fizemos foi na lavandaria de nossa casa, muito caseiro, ainda sem sabermos bem o que estávamos a fazer, tudo à base de vídeos de YouTube.”

A destilaria abriu portas há pouco mais de um mês e os alambiques de cobre são um dos ex libris©Ocatvio Passos/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

Fizeram um curso onde dizem ter sido “os mais ignorantes da turma”, porque os restantes alunos eram pessoas que já trabalhavam na indústria do gin. “É preciso muito esforço e resiliência para criar algo de raiz assim, confesso, a maneira mais fácil é registar uma marca e contratar a manufatura do produto a alguém de fora, mas nós não queríamos isso, queríamos a nossa cena e feita por nós”, confessa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na hora de escolher um sítio para abrir portas do seu negócio, Travis queria um sítio que tivesse barricas de vinho e Portugal já estava na mira da família do australiano. “O Porto acabou por ser um destino que fazia sentido enquanto família e tínhamos acesso a barricas usadas de alta qualidade, disso tínhamos a certeza, foi assim que o Porto saltou para primeira opção.”

Chegado ao Porto, partiu em busca do que já havia no país, que é como quem diz concorrência àquela que viria a ser a Scoundrels Distilling.

Portugal no mapa do gin? Nem por isso

O primeiro passo do negócio foi correr todas as destilarias de gin portuguesas, de norte a sul do país, e ver o que estava a ser feito e como. “Não há muitas destilarias em Portugal, e as que existem não têm a possibilidade de o público a visitar, não são um ponto de atração turística, diga-se. E quando falo em turismo falo também de turismo interno”, explica. “Acho que é aí que marcamos pela diferença. Temos a nossa própria marca, sim, destilamos mas damos a possibilidade de as pessoas nos visitarem.”

O gin está à venda online e também na zona de loja da destilaria ©Ocatvio Passos/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

Apesar de existirem algumas destilarias, “Portugal não está de todo no mapa do gin”, admite. “É uma pena porque fazem-se coisas muito boas cá. A nossa ideia também passa por usar Portugal como o primeiro passo para chegar mais longe, porque é possível.”

A Invicta acabou por nascer já com esse olho na exportação — primeiro porque é o segundo nome para o Porto e depois porque é também “uma palavra facilmente reconhecida lá fora”. Depois veio o espaço, onde encontraram na zona da Corujeira um antigo armazém que acabaram a transformar em destilaria, sala de provas, loja e escola de gin. “Sabemos que a zona é considerada problemática, mas desde que chegámos que não notamos nada disso, acho que muita gente tem a ideia errada e nunca veio cá. O nosso plano é envolver a comunidade da zona o mais possível, é assim que os negócios andam para a frente”, diz.

Os entraves que lhe foram sendo colocados no último ano levaram Travis quase a desistir da ideia de abrir uma destilaria. “É difícil seres empreendedor, é difícil quereres fazer a diferença quando te põem problemas em tudo o que queres fazer e demoram meses e meses a desbloquear coisas”, desabafa. “Portugal podia ter muitos mais negócios e pessoas a investir se não fosse tão conservador. Questionei-me se estaria a fazer algo impossível, levou-me à exaustão, mas finalmente tenho a destilaria aberta.”

O nome do espaço Scoundrels Distilling acabou por surgir por acaso, numa conversa com amigos, em que veio à baila a expressão do dramaturgo George Bernard Shaw, em que este dizia “Every man over forty is a scoundrel” (ou “todos os homens com mais de 40 anos são canalhas”, em português). “Só percebi depois que ‘scoundrel’ é uma palavra muito difícil para os portugueses pronunciarem, mas acho que se adequa ao nosso espaço.”

Para já, a Invicta tem três variedades de gin ©Ocatvio Passos/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

Antes de alcançarem as receitas finais, provaram e testaram cerca de 140 amostras com combinações botânicas diferentes, amostras essas que estão expostas em prateleiras na destilaria, junto dos ingredientes e especiarias. Para já, a Invicta tem no mercado três gins distintos: o International Dry, com 42% de volume de álcool) mais fresco com especiarias internacionais inspiradas na história de Portugal; o Navy Strength (57%), mais forte e com o sabor potenciado pelo álcool; e o Portuguese Citrus (42%) com sabores cítricos ideal para o verão, por exemplo. Travis e a sua equipa fazem questão de usar o mais possível de produtos locais e nacionais sempre que podem, e este último tipo de gin é um exemplo: os citrinos vêm maioritariamente do Algarve e do Douro, são descascados à mão e desidratados na destilaria para poderem obter o sabor mais intenso possível.

“As pessoas quando olham para o preço de uma bebida, sobretudo das que são feitas artesanalmente, não fazem ideia do trabalho minucioso que temos aqui”, conta.

Em breve contam lançar o gin envelhecido em barrica de vinho do Porto, que fica por lá entre três a seis meses para poder libertar os sabores do álcool e dos botânicos. “Quando mais volume de álcool tiver a bebida mais sabor ela vai ter, é o álcool que conduz os óleos botânicos e os intensificam.”

A ideia de utilizar barricas de vinho — novas e também de vinho do Porto — estava nos planos deste australiano desde o início, até porque a reação da bebida com a madeira das barricas faz com que se libertem novos sabores, gerados através do processo de expansão e contração da própria barrica. Já o rum envelhecido está nos planos futuros para que já possa estar disponível para o consumidor final nos próximos meses.

Escola para maiores de 18 anos

Apenas e só porque envolve bebidas alcoólicas. No fundo, Travis encontrou “um buraco no mercado português” que diz não entender como ainda não tinha sido suprimida antes, até porque “é fácil identificar o povo português como um amante de gin”.

O australiano não quis ficar pela abertura de uma destilaria e quis ir mais longe. “A ideia é tornar este tipo de atividades artesanais mais acessíveis às pessoas e poder dar-lhes essa experiência que nunca tiveram, pelo menos não em Portugal, porque não há nenhum sítio a ensinar”, conta Travis que passou assim a ser dono da primeira escola de gin do país, a Invicta Gin School.

Na escola de gin, os alunos seguem a receita passo a passo para destilar a própria bebida ©Ocatvio Passos/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

Cada sessão arranca com uma visita pela destilaria e com explicação detalhada de como a bebida é feita na Scoundrels, passo a passo e em quantidades mais generosas que aquelas que vão ser produzidas durante a aula. Já no espaço da escola, Travis ou alguém da equipa dono do conhecimento necessário vai explicar como se processa a destilação naquela que é uma parte mais teórica da aprendizagem. A quem se inscreve é dado desde logo uma espécie de manual de instruções com a receita para produzir o gin, e de onde já saíram “gins muito bons”, resultado de “sorte de principiante” ou de “alunos dedicados”. Cada aluno tem direito a escolher os ingredientes botânicos e especiarias para criar o seu próprio gin exclusivo antes de destilar, engarrafar e rotular a criação artesanal própria, pronta para levar para casa.

“Fazer gin é interessante porque toda a gente depois quer provar o gin do outro para saber se é bom ou não, como se fosse uma competição”, conta. “Há bem pouco tempo tivemos padres a fazer gin que nos disseram ‘hoje deixámos de ser padres para sermos gin lovers’, é esse tipo de feedback que sabe bem ouvir”.

O espaço da escola, forrado a azulejo preto e com bancadas em mármore branco, tem no lugar de cada aluno pequenos alambiques de cobre para que cada um possa destilar a sua bebida. “Sei que há uma longa história deste instrumento artesanal em Portugal, com muita gente a fazer a sua própria aguardente, e que ainda fazem. Decidimos mandar fazer estas miniaturas a um artesão local, fazia sentido para nós termos presente essa tradição portuguesa também”, diz.

O curso tem o valor de 85 euros e pode ser agendado no site da destilaria para o dia em que for mais conveniente, podendo o aluno ir sozinho ou juntar um grupo de pessoas. A ideia de Travis no futuro é promover eventos de grupos e de team buildings “quando isto da pandemia acalmar e for possível fazer tudo em segurança.”

Além da escola, Travis acrescentou à experiência o chamado Gin Flight (20 euros por pessoa) que é basicamente uma visita guiada à destilaria com direito a prova dos três gins Invicta no final. “A nossa missão aqui também passa por ensinar a provar gin e a saboreá-lo. Quando as pessoas pedem gins nem o provam, estão só a sentir o sabor do gelo, da tónica de má qualidade ou das especiarias todas com que enchem o copo só porque sim”, atira. “A prova que criámos aqui serve para ensinarmos às pessoas como podem e devem beber gin. Atenção que o gelo não pode ser de água da torneira, isso estraga tudo.”

Há uma experiência além da escola que permite a prova dos três gins ©Ocatvio Passos/OBSERVADOR

Octavio Passos/Observador

O armazém, no espaço que dá acesso à destilaria e à zona de provas, tem uma grande parede branca que Travis inaugurou como uma zona para exposições de artistas emergentes. “Tínhamos esta parede completamente inutilizada e achei que podia fazer algo, sem custos para eles, o nosso interesse é dar-lhes um espaço para exporem e termos aqui mais um ponto de interesse.”

Sustentabilidade: a pedra no sapato da indústria que é uma preocupação real

A mensagem é clara: “no negócio do álcool é muito difícil ser sustentável”, lamenta Travis com tristeza na voz de quem gostava de poder fazer mais pelo ambiente. “Quando o governo começou a taxar as indústrias para que estas fossem mais sustentáveis não pensou que há coisas que não se aplicam a todas, porque é impossível”, diz.

Na sua destilaria, desde o início que Travis quis ter o máximo de cuidados para que o impacto da sua marca fosse o menor possível, dentro “daquilo que é alcançável”. A premissa base passou por tentar produzir o menor desperdício possível, mas todo a questão da produção de uma bebida alcoólica obrigou a que o empresário pensasse além do básico, mesmo que isso implicasse gastar mais dinheiro na produção e engarrafamento. “Primeiro, pensámos logo que a garrafa que fossemos usar tinha de ser bonita, para que depois de consumido o gin pudesse ter outro propósito”, explica. Um jarro, uma garrafa para a água ou para o azeite, são várias as utilidades que Travis propôs dar a uma garrafa em fim de vida.

Octavio Passos/Observador

A cortiça foi logo um “grande não” na hora de escolher como fechar a garrafa, apesar de ser um produto muito mais barato que a tampa da Vinolok — empresa especializada em tampas premium que tem um grande foco na sustentabilidade —, feita em vidro, e que acabaram por escolher para a Invicta.

A água é outra das preocupações da destilaria e Travis arranjou forma de poupar e reutilizá-la. A água que usam nas destilações e fermentações é a água do Porto, passada por um filtro de casca de carbono e coco e depois por uma unidade de osmose reversa (RO). “Tentámos inicialmente não usar esta unidade de osmose no início por causa da água residual que se criava, mas para criar bom álcool é preciso muita água e tivemos de ser mais práticos que idealistas”, conta.

A água residual que geram é capturada, armazenada e usada para lavagem do espaço de produção da destilaria e, com o tempo, Travis tenciona usá-la também no condensador do destilador. “Acho que é uma solução que requer algum esforço da nossa parte mas que vale a pena quando percebemos que pode fazer a diferença.”

Mas há mais. Os ingredientes botânicos usados para aromatizar os gins que depois deixam de ter esse propósito não são atirados ao lixo — são antes encaminhados para um produtor local de sabonetes artesanais que os usa para fazer sabão e sais de banho. Os que não permitem essa reutilização são levados, juntamente com outros resíduos da destilaria, para a central de compostagem no jardim de casa de Travis que depois resulta num bom adubo para a colheita anual de tomates caseiros, confessa o empresário.

As embalagens, que são parte integrante do processo para que o gin possa chegar ao consumidor final, também foram pensadas para criar o menor impacto usando apenas cartão e enchimento biodegradáveis, evitando que entre qualquer tipo de plástico no embalamento. O gin é vendido através do site da Scoundrels Distilling e pode ser comprado fisicamente, para já, na própria destilaria.

A destilaria faz ainda parte do programa The Porto Protocol, um grupo de trabalho que quer juntar empresários, associações e projetos numa rede colaborativa para impulsionar soluções climáticas e viáveis para a indústria do vinho e outras bebidas.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.