O cardeal ultraconservador norte-americano Raymond Burke, uma das figuras de proa da ala tradicionalista da Igreja Católica e considerado frequentemente o líder da oposição ao Papa Francisco, esteve seis dias ligado a um ventilador depois de ter sido diagnosticado com Covid-19 — ao fim de vários meses a propagar teorias da conspiração sobre as vacinas e a desvalorizar a gravidade da pandemia.

Raymond Burke deixou este sábado o ventilador ao fim de seis dias de internamento em cuidados intensivos, mas vai manter-se hospitalizado nos próximos dias, de acordo com um comunicado citado pela Associated Press. “A irmã dele falou com ele por telefone esta manhã, e Sua Eminência expressou a sua profunda gratidão pelas muitas orações feitas por ele”, diz o comunicado.

“A família pede que continuemos essas orações com vista à sua recuperação rápida e total, e está agradecida a Deus pelos cuidados médicos excecionais que o cardeal recebeu dos médicos e enfermeiros dedicados que continuam a tratar dele”, acrescenta a nota, emitida pelo Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no estado do Wisconsin, onde o cardeal estava de visita quando foi diagnosticado com a infeção.

Raymond Burke, que até 2014 liderou o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica em Roma — a mais alta instância da justiça eclesiástica da Igreja Católica —, está sem funções desde esse ano e é uma das principais figuras do conservadorismo católico. Desde a eleição do Papa Francisco, Burke expressou por diversas vezes a sua discórdia relativamente a decisões do pontífice argentino, especialmente em questões relacionadas com a moral e os costumes, já atribuiu à homossexualidade a culpa pelos abusos sexuais na Igreja e foi um dos autores de uma acusação contra Francisco, em 2016, relativamente à abertura manifestada pelo Papa aos fiéis divorciados que voltaram a casar.

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Nos últimos anos, o cardeal Burke tornou-se um convicto apoiante de Donald Trump — quase sempre com base na posição de Trump relativamente ao aborto — e, mais recentemente, um cético da vacinação contra a Covid-19.

Desde 2020, Raymond Burke tem-se desdobrado em declarações polémicas sobre a pandemia da Covid-19. Em março de 2020, afirmou que, “no combate ao mal do coronavírus, a nossa arma mais eficaz é a nossa relação com Cristo através da oração e da penitência“. Em maio desse ano, numa conferência, criticou abertamente a produção de vacinas contra a Covid-19, afirmando que “nunca é moralmente justificado desenvolver uma vacina através do uso de linhas celulares de fetos abortados”. (Mais tarde, o Papa Francisco viria a dizer que é moralmente aceitável recorrer a essas vacinas.)

Na mesma conferência, Burke propagou uma das mais conhecidas teorias da conspiração sobre a vacina: a de que há uma conspiração global para inserir chips eletrónicos dentro da pele dos vacinados.

“Há por aí um certo movimento a insistir que, agora, toda a gente tem de ser vacinada contra o coronavírus da Covid-19 e até que uma espécie de microchip tem de ser colocado debaixo da pele de cada pessoa, para que em qualquer momento possa ser controlado pelo estado relativamente à saúde ou a outros assuntos que só podemos imaginar”, disse Burke. (O Observador já publicou pelo menos três fact-checks que desmontam pormenorizadamente estas teorias da conspiração. Pode lê-los aqui, aqui e aqui.)

Foi o próprio cardeal Burke, que vive em Roma e é habitualmente visto em público sem máscara, que anunciou na sua conta de Twitter que estava infetado com a Covid-19. Quatro dias depois, uma mensagem foi colocada em seu nome na mesma conta de Twitter anunciando que o cardeal se encontrava ligado ao ventilador e apelando aos seus seguidores que rezassem o terço por ele.

O cardeal Burke não confirmou se foi ou não vacinado contra a Covid-19.