Um abandono “trágico, perigoso, desnecessário e que não é do interesse de ninguém”. É desta forma que Tony Blair, antigo primeiro-ministro do Reino Unido, classifica a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, uma semana depois da tomada de poder pelos talibãs. Num artigo publicado online, o antigo governante responsável pela entrada britânica na guerra do Afeganistão, depois do 11 de setembro de 2001, não poupa as criticas à administração de Joe Biden e considera que a decisão foi tomada “em obediência a um slogan político imbecil sobre acabar com ‘as guerras eternas'”.
“O mundo está agora incerto sobre a posição do Ocidente porque é tão óbvio que a decisão de se retirarem do Afeganistão desta forma foi impulsionada não por uma grande estratégia, mas pela política”, sublinha Blair, reforçando que a retirada foi uma escolha política e não uma necessidade.
Blair assumiu ainda que nos últimos 20 anos de controlo norte-americano e dos aliados “houve erros graves” e que a reação a esses erros “foi, infelizmente, mais erros”. “Hoje estamos num estado de espírito que parece considerar a instauração da democracia como uma ilusão utópica e a intervenção, virtualmente de qualquer tipo, como uma missão tola”, acrescenta.
No artigo publicado este domingo, o antigo primeiro-ministro britânico questiona ainda se o Ocidente “perdeu a sua vontade estratégica” e o “sentido de longo prazo”. E alerta: quem vai sair a ganhar com toda a situação são países como a Rússia, China e Irão. Apesar de a investida no Afeganistão ter sido “imperfeita e extremamente frágil”, Blair não duvida de que houve “ganhos reais nos últimos 20 anos”, especialmente a nível da educação das raparigas e da liberdade conquistada. “Não é quase o que esperávamos ou queríamos. Mas não é nada. Algo que vale a pena defender. Vale a pena proteger”, sublinha.
Há quase 20 anos, após o massacre de 3.000 pessoas em solo americano no 11 de setembro, o mundo estava em turbulência. Os ataques foram organizados fora do Afeganistão pela Al-Qaeda, um grupo terrorista islâmico que recebeu proteção e assistência dos talibãs. Esquecemos isso agora, mas o mundo estava a girar à volta deles. Temíamos mais ataques, possivelmente piores. Os talibãs receberam um ultimato: renunciar à liderança da Al-Qaeda ou serem removidos do poder para que o Afeganistão não pudesse ser usado para novos ataques. Eles recusaram. Sentimos que não havia alternativa mais segura para nossa segurança do que cumprir a nossa palavra”, refere Tony Blair.
Na sua primeira reação pública desde a queda do regime apoiado pelas forças internacionais, Tony Blair diz compreender que as decisões de liderança “são difíceis” e que “é fácil ser crítico e difícil ser construtivo”, mas considera que a retirada das tropas norte-americanas do país avançou “porque a política parecia exigir isso”. E isso, acrescenta, “é a preocupação dos aliados e fonte de alegria para quem deseja o mal”.
“Eles acham que a política ocidental está quebrada. Não é de surpreender, portanto, que amigos e inimigos perguntem: ‘Este é o momento em que o Ocidente está numa retirada de mudança de época?’ Não posso acreditar que estamos em tal recuo, mas vamos ter que dar uma demonstração tangível de que não estamos”. Para tal, o antigo governante britânico exige “uma resposta imediata” e uma definição “clara” da posição dos EUA e aliados nesta situação.
Blair defende ainda que é necessário dar abrigo a todos os refugiados afegãos — “Temos a obrigação moral de continuar até que todos aqueles que precisam sejam retirados” — e condena os “prazos arbitrários” dos Estados Unidos para retirarem todos os militares do país até ao final deste mês — ainda que Biden já tenha garantido que os militares podem ficar no Afeganistão para ajudarem na retirada. É preciso “exercer pressão máxima” sobre os talibãs e “elaborar uma lista de incentivos, sanções e ações” contra os mesmos.
“Isto é urgente. A confusão das últimas semanas precisa de ser substituída por algo que se assemelhe a coerência e por um plano que seja confiável e realista“, alerta Blair, apelando ainda para que o Reino Unido convoque uma reunião do G7 e de outros países para coordenar ajuda humanitária de acolhimento destinada aos refugiados afegãos.