Entrou em vigor esta quarta-feira uma das leis de aborto mais radicais nos Estados Unidos (EUA). No Estado do Texas passou a ser proibido abortar depois de seis semanas de gravidez, mesmo em casos de violação ou incesto. A medida permite também que qualquer cidadão possa processar quem realizou, ajudou ou incentivou ao procedimento — abrindo “quase que uma caça ao tesouro.”
Gregg Abbot, o governador republicano do Texas, considera que estará a “salvar muitas vidas à devastação do aborto”, sendo que as seis semanas de gravidez marcam o período em que o feto desenvolve batimento cardíaco.
Contudo, para além das pacientes poderem ser processadas, também os médicos, funcionários de clínicas, alguém que ajude a pagar o procedimento ou até mesmo motoristas da Uber que transportem a paciente até uma clínica de aborto podem ser constituídos arguidos.
Quanto aos delatores, pode esperar-lhes uma “recompensa”de até 10.000 dólares (cerca de 8.444 euros) por terem denunciado o caso. “Caçadores de recompensas” é o nome que os ativistas pró-aborto têm usado para descrever este tipo de pessoas.
Segundo um estudo do Centro de Controlo e Prevenção de Doença, cerca de 64% dos abortos no Texas ocorrem depois das seis semanas — período também marcado pelo desconhecimento da mulher quanto à sua gravidez. Passa, assim, a ser proibido quase totalmente o aborto no Estado segundo a nova lei, conhecida como Senate Bill 8 (SB8).
Para além disto, segundo uma pesquisa realizada pela Sexual Assault Survivors’ Task Force (Task Force de Sobreviventes de Agressão Sexual, numa tradução à letra), 91% das mulheres do Texas não reportam à polícia quando são violadas. O que significa que, com esta nova lei, o número de bebés a nascer sobre estas circunstâncias aumentará, bem como o número de mulheres obrigadas a levar gravidezes frutos de abusos sexuais até ao fim.
“O acesso ao aborto vai ser um caos absoluto”, disse Amanda Williams, diretora executiva do grupo de apoio ao aborto Lilith Fund, que tentou bloquear a lei. “Infelizmente, muitas pessoas que precisam do procedimento não vão poder fazê-lo. A medida vai obrigar a maioria dos pacientes que têm recursos a sair do Estado para o procurar”, concluiu.
Contudo, quem não tem possibilidade financeira terá de recorrer a métodos alternativos, longe da vista dos delatores, para poder concluir o aborto. O médico Ghazaleh Moayedi, que realiza interrupções voluntárias da gravidez, referiu também, em entrevista ao The Guardian, que o seu maior receio é não conseguir “garantir que as pessoas mais vulneráveis na comunidade, as pacientes negras e latinas, que já têm mais riscos pelos obstáculos logísticos e financeiros, consigam o acompanhamento de que precisam.”
Nenhuma medida semelhante entrou em vigor em qualquer Estado norte-americano desde 1973, quando o Supremo Tribunal aprovou a lei Roe v. Wade — que consagrava o direito constitucional ao aborto.
Joe Biden promete proteger direito ao aborto e condena nova lei
O Presidente norte-americano Joe Biden condenou a lei texana e prometeu que a sua administração irá lutar para proteger o direito constitucional de realizar um aborto — em vigor há quase 50 anos.
“A lei do Texas vai prejudicar o acesso das mulheres aos cuidados de saúde de que precisam, particularmente em comunidade de pessoas de cor e de indivíduos com baixos rendimentos”, declarou o Presidente em comunicado citado pelo mesmo jornal.
“E, escandalosamente, [essa lei] delegou aos cidadãos particulares o poder de abrirem processos judiciais contra quem acreditem ter ajudado outra pessoa a conseguir um aborto”, lamentou.