O ativista de extrema-direita Mário Machado, visado num ataque do grupo motard Hell’s Angels em 2018 por pertencer ao grupo rival Los Bandidos, revelou esta terça-feira que três semanas antes do incidente ouviu “um rumor de que algo não estava bem”.
Mário Machado falava como assistente (colaborador da acusação) no julgamento em que 89 arguidos ligados ao grupo Hell’s Angels respondem por crimes como associação criminosa, tentativa de homicídio qualificado agravado pelo uso de arma, ofensa à integridade física, extorsão, roubo, tráfico de droga e posse de armas e munições, após terem invadido e agredido, em março de 2018, elementos do “Los Bandidos” que almoçavam num restaurante no Prior Velho.
Mário Machado, também conhecido por liderar o movimento nacionalista Nova Ordem Social e que era o principal alvo do ataque dos Hell´s Angels, escapou por pouco à investida violenta do grupo motard porque chegou tarde ao almoço, numa altura em que as agressões já tinham ocorrido e a polícia tinha sido chamada ao local.
Esta terça-feira, em sede de julgamento, perante o coletivo presidido por Sara Pina Cabral, Mário Machado começou por revelar que há cerca de 20 anos foi convidado a integrar os Hell’s Angels em Portugal, através de um membro do “capítulo de Hamburgo”, Alemanha.
Mário Machado admitiu ter pertencido, durante cerca de um ano, ao grupo BloodyDevils — considerado o embrião dos Hell’s Angels em Portugal —, mas que resolveu sair por questões ideológicas, evitando entrar em pormenores por causa da vida privada das pessoas.
Apesar da insistência da juíza em saber mais pormenores, Mário Machado referiu que teve a ver com as suas convições nacionalistas, mas novamente sem aprofundar muito as divergências que o levaram a abandonar o grupo motard, esclarecendo que não era obrigatório ter moto para aderir à organização.
Em resposta ao coletivo de juízes, esclareceu igualmente que em 2013, quando se encontrava detido, foi convidado para formar “Los Bandidos”, mas sublinhou não ter ideia de qual seria a finalidade do grupo, para além daquilo que conhecia da internet, e evitou fornecer a localização exata da sede do grupo, dizendo apenas que era na zona de Sintra.
Durante a inquirição, o depoente afirmou que “nem de longe, nem de perto, se pode dizer que os Hell’s Angels têm a ver com o movimento nacionalista”, refutando qualquer ligação ideológica e observando que há “judeus e asiáticos” naquele grupo motard com ramificações internacionais.
Segundo Mário Machado, nos grupos motard o que existe é uma “ligação pessoal” e “não uma ligação institucional e ideológica”, referindo que nos Bloody Devils encontrou um membro que tinha uma foice e martelo tatuado no ombro, o que não lhe agradou.
No final da sessão, José Manuel Castro, advogado de Mário Machado, referiu aos jornalistas que os esclarecimentos prestados esta terça-feira pelo assistente foram “bastante pertinentes” sobre os factos em apreciação em julgamento, nomeadamente sobre os dados organizativos dos Hell´s Angels.
O advogado disse haver “ampla prova” (documentos e escutas telefónicas) no processo que ajudarão o tribunal a formar a sua convição sobre os crimes ocorridos e anteviu que o julgamento se prolongue no mínimo por seis meses, faltando ouvir mais de uma centena de testemunhas.
Segundo a acusação, os membros do Hell’s Angels elaboraram um plano para aniquilar o grupo “Los Bandidos”, em março de 2018, com recurso à força física e a várias armas para lhes causar graves ferimentos, “se necessário até a morte”.
A maioria dos arguidos anunciou na primeira sessão de julgamento, em 28 de setembro último, não pretender prestar declarações em audiência.
Devido ao elevado número de arguidos e advogados, o julgamento do processo Hell’s Angels decorre no Espaço Multiusos, em Camarate, com a presença de elementos da unidade especial da PSP, que escoltaram, por razões de segurança, o carro que transportou Mário Machado para fora daquele espaço.
No despacho que levou os arguidos a julgamento, o juiz de instrução Carlos Alexandre considerou que, face aos indícios analisados, “este conjunto de elementos assim agrupados não é um simples clube recreativo motard, mas um conjunto de pessoas que se organizam (…) em moldes paramilitares ou semelhantes ao modo de atuação de uma milícia”.
O julgamento prossegue no dia 25, com o reatar da inquirição a Mário Machado que terá ainda que responder às perguntas dos advogados de defesa dos arguidos.