A guerra de números entre o Governo e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) continua. Depois de fonte oficial do Ministério da Justiça (MJ) ter divulgado à SIC um conjunto de dados orçamentais que convergem na ideia de um aumento significativo do orçamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), diversas fontes do principal departamento de investigação do Ministério Público desmentem os mesmos ao Observador.

Nos dados que também enviou ao Observador esta quarta-feira, o Ministério liderado por Francisca Van Dunem começa por referir que “em 2021 o orçamento da PGR” — entidade na qual está integrado DCIAP — “aumentou 31,9%“, sendo que o Orçamento de Estado previsto para 2021 alocou “48.941.416 euros“, enquanto que em 2020 foi orçamentado o valor de “37.092.105 euros”.

Ora, fontes do DCIAP contestam estes dados por entenderem que “não são valores reais”. E porquê? Em primeiro lugar, por tal aumento não se destina a um investimento nos meios informáticos e periciais ao dispor dos procuradores mas sim para “pagar as remunerações dos magistrados em regime de comissão de serviço na PGR e no DCIAP” e dos procuradores colocados nos tribunais superiores.

Diretor do DCIAP queixa-se de falta de meios e diz que não tem peritos económicos, financeiros e informáticos

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Por outro lado, as mesmas fontes referem os valores das dotações orçamentais para a PGR inscritas nos mapas da Direção-Geral de Orçamento que são bastante diferentes dos dados revelados pelo MJ: 20.673.763 euros (2020) e 25.960.305 euros (2021) e 27.393.931 euros (2022).

Diretor do DCIAP disse que “não há meios” e Governo respondeu

Recorde-se que o procurador-geral adjunto Albano Pinto afirmou na 6.ª feira, tal como o Observador noticiou em primeira mão, que o departamento que lidera “não tem meios”. O diretor do DCIAP censurou a falta de investimento por parte do poder político e garantiu que “são precisos peritos económicos, financeiros e informáticos para melhorarmos ainda mais o nosso trabalho”.

Albano Pinto recordou ainda que só em 2021, “o valor para a suspensão de operações bancárias” por via do combate ao branqueamento de capitais que é liderado pelo seu departamento “já chegou a 570 milhões de euros.” Estas críticas foram secundadas pela procuradora-geral Lucília Gago.

Em resposta, e além dos dados referentes em 2020 e 2021, fonte oficial do MJ garantiu ainda que a proposta do Orçamento de Estado (OE) para 2022 — que foi chumbada esta quarta-feira no Parlamento — contempla um valor de “52.054.994 euros” para a PGR, o que corresponde a “um aumento de 6,4 %”. A este dado foram ainda somados os “vencimentos dos magistrados do MP”, o faz com que Governo refira um valor total de “112.415.609 euros”.

Fontes do DCIAP entendem que estes valores tentam criar a ilusão de que os meios do principal departamento de investigação do MP são vastos. E insistem a esmagadora maioria dos fundos estão adstritos a despesas correntes e de funcionamento. Por exemplo, as mesmas fontes refere o valor de “27.393.931 euros” como sendo aquele realmente inscrito na proposta do OE para 2022 — que corresponderá a um aumento de 5,5% — para pagar “remunerações em face do incremento de funcionários”, além de inspetores e agentes dos órgão de polícia criminais e trabalhadores que passaram a exercer funções na PGR /DCIAP.

A essas despesas de funcionamento acrescentam-se outra rubricas idênticas relacionadas com a renda do edifício do DCIAP na rua Gomes Freire (centro de Lisboa), no valor de 764.400 euros anuais (2021).

Por último, há ainda a registar cativações (a arma de gestão orçamental preferida do Governo) que atingiram um valor total em 2020 e 2021 de cerca de 2,3 milhões de euros.

Quanto a despesa de investimento do DCIAP, as que interessam neste contexto, asseguram as mesmas fontes daquele departamento, a mesma ficou-se apenas por cerca de 1,5 milhões de euros para uma plataforma de gestão informática, sendo que metade é financiada com fundos comunitários.

Ficou assim a falta verba, ótica das fontes do DCIAP, para, entre outros pontos, investir:

  • no “Núcleo de Assessoria Técnica da PGR” dotá-lo “dos especialistas necessários”;
  • na contratação de “consultores técnicos para o DCIAP”, tal como está previsto no Estatuto do MP
  • no “recrutamento de técnicos informáticos” para tirar proveito de aplicações informáticas especialmente vocacionadas para a investigação criminal.

Recorde-se que o conselheiro Mário Belo Morgado, secretário adjunto e da Justiça, criticou as declarações de Albano Pinto, comparando-as “com os habituais queixumes de setores sindicais e de responsáveis por estruturas redundantes que consomem muitos recursos e produzem insuficiente.”

Numa publicação no Facebook, Belo Morgado deu a entender que não se justificava a contratação dos peritos reclamados pelo DCIAP. “O nosso sistema legal não prevê um modelo de MP megalómano e hierotrofiado, a desempenhar as funções que cabem aos órgão de polícia criminal. Os procuradores dirigem o inquérito criminal mas não são — nem é supostos ser que sejam — polícias”, afirmou.