É um fenómeno meteorológico raro aquele que está esta semana a afetar o sul de Itália, já tendo causado pelo menos duas mortes, fortes inundações na cidade siciliana de Catânia e danos graves em edifícios e outros bens. Os meteorologistas descrevem-no como “Medicane” — um diminutivo para a expressão inglesa “Mediterranean hurricane“, ou “furacão mediterrânico” — e deixam o aviso: as alterações climáticas estão a contribuir para o aumento da frequência destes fenómenos.
“A Sicília está a tropicalizar-se e este Medicane é talvez o primeiro, mas não será seguramente o último”, disse ao jornal britânico The Guardian o climatologista Christian Mulder, da Universidade de Catânia.
Mulder explica que está em causa um novo tipo de fenómeno meteorológico extremo cuja frequência será aumentada pelo aquecimento global. “Estamos habituados a pensar que este tipo de furacões e ciclones começam nos oceanos e não numa bacia fechada. Mas não é o caso. Este Medicane está a formar-se devido ao clima tórrido do Norte de África e às águas quentes do Mar Mediterrâneo. O Mar Egeu está com uma temperatura 3ºC acima da média, enquanto o Mar Jónico tem uma temperatura 2ºC acima da média. O resultado é uma panela de pressão.”
Tempestade rara inunda cidade na Sicília e causa pelo menos dois mortos
Esta “tropicalização” da região mediterrânica é um dos alertas que os cientistas mais têm vincado ao longo dos últimos anos quando apontam as consequências do aquecimento global: um aumento da temperatura do planeta está a tornar insustentável a vida nas regiões tropicais e a aproximar as latitudes mais elevadas do clima tradicional dos trópicos.
“Estamos a enfrentar algo excecional“, disse ao mesmo jornal o meteorologista italiano Giulio Betti, um dos especialistas a acompanhar a crise em Itália.
“O que está a afetar a Sicília e a Calábria é um fenómeno atmosférico híbrido. Tem as características típicas de um ciclone subtropical, mas em alguns momentos tem também características de um ciclone tropical“, acrescentou, sublinhando que este ciclone terá grandes dificuldades em dissolver-se,uma vez que continua a ser alimentado sem conseguir mover-se para leste.
A alteração nos padrões de temperatura e nos fenómenos climáticos no Mediterrâneo está também a trazer transformações à agricultura. Como frisa o jornal The Guardian, nos últimos anos a produção de mangas, abacates e papaias na Sicília duplicou — estando as culturas tradicionais mediterrânicas a ser substituídas por culturas tropicais.
O governador da Sicília, Nello Mosumeci, também já apontou a ligação entre este fenómeno raro e as alterações climáticas.
“As estradas foram transformadas em riachos. O campo em lagos, regiões inteiras isoladas, centenas de casas inundadas e danos incalculáveis em edifícios e campos de cultivo: a Sicília oriental está a viver um fenómeno que tememos, infelizmente, que passe a ser cada vez menos esporádico, com cenários trágicos destinados a repetirem-se“, disse.
Os Medicanes, mais frequentes no verão, têm um diâmetro habitualmente entre os 200 e os 400 quilómetros e costumam dissipar-se em poucos dias. Apesar de não serem uma novidade absoluta, nos últimos anos têm ocorrido com uma frequência maior — e o que está ativo neste momento no sul de Itália afigura-se como mais intenso e mais longo do que outros no passado.