“Não tinha planeado revelar a minha identidade”. No palco da Web Summit, Frances Haugen, a engenheira de dados que expôs os milhares de documentos internos que sugerem que o Facebook (agora Meta), voltou a afirmar que a rede social está construída para criar dependência e promover a discórdia. Adiantou também estar “contente por ter tido a oportunidade de expor tudo”, mas diz: “Não gosto de ser o centro das atenções”. No final da conversa, Paddy Cosgrave, o fundador e presidente executivo da conferência de tecnologia, convidou-a a carregar no botão que, em todas as edições, marca o arranque oficial do evento.

“Frances, o que fez foi extraordinário”, disse Paddy Cosgrave no final da conversa na qual a denunciante referiu que o Facebook é um dos males da sociedade. “Acho que põem as pessoas em risco”, reafirmou a antiga funcionária. Desde que revelou o seu nome, Frances já foi ao Congresso dos EUA e este ano é uma das oradoras principais da Web Summit, que também terá Nick Clegg, vice-presidente de assuntos globais do Facebook, e Chris Cox, chefe de operações da empresa agora chamada de Meta.

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Até hoje, nunca uma denunciante de uma empresa tecnológica tinha sido convidada para apertar o botão de abertura da Web Summit. Perante um Altice Arena cheio que lhe bateu palmas, Haugen recebeu os elogios do fundador do evento e afirmou que voltava a expor a empresa para a qual trabalhou. Depois, seguiram-se as acusações que tem feito desde que expôs o Facebook.

Web Summit: Primeiro dia da Web Summit, no MEO Arena, em Lisboa. Intervenção de Frances Haugen, The Facebook Whistleblower. Whistleblower Aid Lisboa, 1 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Há um padrão de comportamentos [do Facebook] que afeta a nossa segurança”, voltou a acusar a denunciante. E continuou: “O Facebook criou uma narrativa sobre se queremos censura ou liberdade de expressão”. “Defendo que há outras opções”, mencionou. Quais? “Fazer a plataforma mais pequena e mais lenta, o problema acaba”, exemplificou.

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Mesmo assim, Haugen diz que “tem fé que o Facebook mude”. Contudo, se falasse diretamente com Mark Zuckerberg, o presidente executivo e fundador da rede social (cuja casa-mãe chama-se agora Meta), diz que faria o seguinte: “Encorajava-o, não é uma má pessoa por erros, mas é inaceitável se continuar a fazê-los depois de saber”. Além disso, diz mesmo que o conselho de administração da Meta devia mudar o presidente executivo da empresa.

Espero que perceba que há muitas coisas boas que pode fazer”, diz Haugen quanto a Mark Zuckerberg.

“Quando saí [do Facebook], acreditei genuinamente que há milhões de vidas em jogo e sinto que nada parece ter uma verdadeira consequência”, assumiu também Frances. “Sinto-me afortunada [pela proteção que tenho], raramente sou reconhecida” disse também a denunciante e assumiu que nem usa o Twitter. “Se me estiverem a mencionar, não chegam a mim”, brincou.

“Quero garantir que as pessoas têm a informação para tomarem as decisões”, continuou. “A minha mãe ensinou-me que cada ser humano tem o direito a saber a verdade”, referiu também. Ao pé de Frances esteve Libby Liu, a presidente executiva da Whistleblower Aid, a associação que ajuda denunciantes a exporem práticas que considerem maliciosas de empresas em que trabalhem.

Web Summit: Primeiro dia da Web Summit, no MEO Arena, em Lisboa. Intervenção de Frances Haugen, The Facebook Whistleblower. Whistleblower Aid Lisboa, 1 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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No palco, Liu — que esteve também por detrás de outros denunciantes, como no caso de Harvey Weinstein — defendeu a existência de mais leis para proteger quem, como Frances, quer expor informação que alega ser maliciosa. Além disso, referiu que há cada vez mais pessoas a contactar a organização porque “agora se sentem mais seguros” para expor estas situações.

Há muitas maneiras para mostrar estes dados, muitas formas. Defendo que deve haver leis para revelar este tipo de informação [do Facebook]”, diz Frances Haugen.

Desde que expôs o Facebook, Haugen tornou-se automaticamente numa das novas caras do movimento contra a rede social que Zuckerberg tem enfrentado. Há até quem refira que a decisão de mudança de nome da empresa — que recentemente foi anunciada — foi espoletada por estas novas acusações. Laurie Segall, que moderou a conversa com Liu e Haugen, insistiu várias vezes com a denunciante sobre se o atual presidente executivo da Meta devia abandonar o cargo que ocupa. Após a terceira tentativa, Haugen disse: “Sim”.

Para a antiga funcionária, a empresa preocupou-se mais na mudança de nome do que em corrigir os erros e acusou: “Constantemente, o Facebook escolhe a expansão e novas áreas em vez de se limitar ao que já fez”. O Facebook tem repudiado as afirmações de Haugen e considerado as alegações infundadas.

A Web Summit arrancou esta segunda-feira novamente em formato presencial depois de um ano em que foi totalmente online. Até quinta-feira, passarão pelo Altice Arena e pela FIL nomes como Brad Smith, presidente da Microsoft, Tim Berners-Lee, inventor da Web, ou a atriz Amy Poehler. No evento de abertura, estiveram também presentes Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. Este ano, devido à pandemia de Covid-19, há várias restrições. Contudo, a organização espera um total de cerca 40 mil pessoas.

Web Summit: Primeiro dia da Web Summit, no MEO Arena, em Lisboa. Intervenção de Frances Haugen, The Facebook Whistleblower. Whistleblower Aid Lisboa, 1 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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