Apesar dos pedidos dos sindicatos para que reforçasse a proposta, o Governo mantém a intenção de, em 2022, aumentar os salários de toda a função pública em 0,9% e de subir as remunerações mais baixas por via da subida do salário mínimo (a intenção do Executivo, que será confirmada na terça-feira, na concertação social, será de 705 euros). A Frente Comum acusa o Governo de uma “perfeita surdez” e de não ter “vontade” de resolver problemas, enquanto o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) lamenta que a diferenciação salarial dos trabalhadores mais qualificados não avance. Já a FESAP exige que, com a subida da inflação, a atualização de 0,9% seja revista em alta.
À saída da reunião desta segunda-feira com a ministra da Administração Pública, o líder da Frente Comum — a primeira estrutura sindical a sentar-se à mesa com Alexandra Leitão — adiantou que o Governo “mantém a postura que tem mantido”. Sebastião Santana disse que o Executivo mostra uma “perfeita surdez” ao ignorar as propostas dos sindicatos, que queriam que os aumentos salariais fossem mais longe e permitissem recuperar de vários anos de perda do poder de compra.
O sindicalista considera que o Governo teria possibilidade de ir além, mas “não tem vontade de resolver problema nenhum, nem sequer os que pode resolver”. “Esta reunião foi apenas uma afirmação daquilo que temos vindo a dizer: o Governo convoca as estruturas sindicais para negociar, mas não o faz“, criticou.
Sebastião Santana não afasta a hipótese de uma nova greve, à semelhança da que aconteceu na sexta-feira. “Os trabalhadores da administração pública, perante este tipo de atitudes, saberão continuar a dar resposta a este Governo e ao que se lhe seguir”, após as eleições, referiu.
“Não havendo resposta de um próximo Executivo e ainda deste, ponderaremos as medidas que vamos tomar. Com certeza passarão por luta“, acrescentou. A Frente Comum tem exigido aumentos de 90 euros para todos os trabalhadores e um salário mínimo de 850 euros no Estado. Além disso, Sebastião Santana insiste que, entre as medidas que o Governo pode já tomar, estão o combate à precariedade, o redesenho do sistema de avaliação ou a atualização do subsídio de refeição.
A Frente Comum, à semelhança das outras estruturas sindicais, diz que ainda não decidiu se vai pedir uma reunião suplementar. “Esta reunião se não tivesse acontecido não se teria perdido grande coisa. (…) Não houve avanço nenhum e de um processo negocial com certeza não se tratou.”
Função pública. Ministra confirma aos sindicatos atualização salarial de 0,9% em janeiro
Com inflação a subir, FESAP quer saber se proposta de aumentos também cresce
Já José Abraão, líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), disse aos jornalistas que pediu esclarecimentos ao Governo sobre se a proposta de aumentos salariais vai acompanhar a trajetória “ascendente” da inflação. É que o aumento de 0,9% proposto pelo Governo era o valor esperado pelo Executivo da inflação para este ano, mas dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) colocam o indicador no dobro (1,8%) em outubro de 2021 face ao mesmo mês do ano anterior.
“É preciso acautelar os 0,9%. A inflação está numa trajetória, ao que tudo indica, ascendente e [perguntámos] se havia algum compromisso por parte do Governo de corrigir este aumento salarial de 0,9% para cima, caso se verifique um evoluir da inflação tão significativo como aquilo que temos assistido em matéria de anúncios”, afirmou José Abraão.
O Governo, segundo o sindicalista, adiantou que “não estava em condições de poder responder” e que “ia perguntar às Finanças qual era a previsão que se fazia para a inflação, quer este ano quer para para o próximo ano”. “Mas, de qualquer maneira, não há compromisso nenhum”, concluiu Abraão.
A FESAP insiste que haverá trabalhadores com “30 ou 35 anos de serviço que terão aumento de pouco mais de cinco euros” e que o salário mínimo “cada vez mais” se transforma no salário médio. José Abraão apelou aos partidos políticos para que inscrevam nos seus programas eleitorais compromissos em relação à função pública que a tornem mais “estável” e que contrariem uma “política de baixos salários”.
Quanto à possibilidade de uma nova greve, José Abraão diz que “as formas de luta estão sempre todas em cima da mesa”. “Mas temos de ter presente que, neste momento, vamos ter eleições e não queremos também contribuir de forma mais ou menos decisiva para a contenda partidária”, concluiu.
Desta vez, a ministra da Administração Pública não prestou declarações aos jornalistas no final da ronda negocial. Em comunicado, o ministério refere que os sindicatos podem, se o entender, pedir uma reunião suplementar (a existir, tem lugar na quarta-feira).
STE diz que diferenciação salarial dos trabalhadores mais qualificados já “devia ter acontecido” e espera por novo Governo
Ao contrário do que estava previsto antes do chumbo do OE, o aumento faseado de 50 euros até 2023 dos salários base dos técnicos superiores não vai acontecer. O recuo foi explicado pela ministra Alexandra Leitão, na última quarta-feira, com o “contexto político” atual, mas a decisão não está a ser bem recebida pelo STE, que também pedia uma atualização do subsídio de refeição e aumentos salariais mais expressivos.
“O que dizemos é que o momento para atualizar as remunerações do pessoal mais qualificado é um momento que devia ter acontecido porque aproximamo-nos rapidamente do salário mínimo nacional mesmo para quem tem uma qualificação mais diferenciada”, como mestrados ou doutoramentos. “Não é correto”, disse Helena Rodrigues, líder do STE, aos jornalistas. A proposta mais recente do Executivo para 2022 “é um mau sinal que estamos a dar aos nossos jovens, estudar não valerá de nada”.
Questionada sobre se o STE está inclinado para avançar com uma greve, Helena Rodrigues considera que “neste momento não se justifica”. “Vamos para eleições, agora é esperar que venha outro Governo.”
A ministra da Administração Pública, Alexandra Leitão, reuniu-se esta segunda-feira com todas as estruturas sindicais da função pública, depois de na quarta-feira, numa primeira ronda negocial pós-chumbo do OE, ter confirmado o aumento de 0,9% para todos os trabalhadores do Estado e uma subida dos salários mais baixos, por via do aumento do ordenado mínimo (de 665 euros para 705 euros).
Os sindicatos pediam mais, nomeadamente a correção de “injustiças” — nas palavras de José Abraão, da FESAP — quanto aos aumentos dos assistentes técnicos e assistentes operacionais. É que, segundo a intenção do Governo, a diferença entre as duas carreiras vai cair de 38 euros para quatro euros com o novo salário mínimo de 705 euros (a intenção atual do Governo).