O salário mínimo nacional deverá mesmo subir 6% no próximo ano para 705 euros. Pelo menos foi essa a proposta entregue a sindicatos e patrões na reunião da concertação social desta terça-feira, a primeira de duas em que o tema será discutido. O efeito dessa subida vai repercutir-se em várias dimensões, nomeadamente nas convenções coletivas em que os salários sobem ao mesmo ritmo que a retribuição mínima.

Ao Observador, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), lembra que há trabalhadores cujos salários não sendo iguais ao mínimo estão indexados a esse valor. É o caso de contratos coletivos no setor das limpezas, em que os ordenados (de perto de 70 mil pessoas) estão 0,5% acima do salário mínimo nacional. Outro caso é o dos trabalhadores do transporte de mercadorias, cujos contratos coletivos definem que tanto o salário base como os suplementos crescem na mesma proporção do que o salário mínimo. Ou seja, em 2022, cerca de 50.000 trabalhadores do transporte de mercadorias terão aumentos de 6%, depois de já terem visto o salário subir 4,7% em 2021.

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Segundo o Governo, “a maioria” das convenções coletivas publicadas nos últimos anos “fixa remunerações de base convencional superiores” ao salário mínimo (foram 63% em 2020 e 60% no primeiro semestre deste ano, aponta um documento distribuído aos jornalistas pelo Ministério do Trabalho), mas os dados não revelam quantos trabalhadores têm um salário indexado ao ordenado mínimo.

O aumento do salário mínimo também tem efeitos automáticos noutros campos. Desde logo, influencia o chamado “mínimo de existência”, que vai fixar-se em 9.87o euros por ano, de acordo com cálculos da EY. Quer isto dizer que os rendimentos após a aplicação de impostos que fiquem abaixo desse mínimo estão isentos de pagar IRS. Segundo avançou no fim de semana o Público, a isenção vai abranger mais 570 mil famílias, para um total de 1,7 milhões de agregados familiares.

Estão também dependentes do salário mínimo as propinas mais baixas, o limite máximo de compensação por despedimento e o teto máximo do fundo de garantia salarial (que assegura o pagamento de salários quando as empresas não o conseguem fazer). Até recentemente também o limite de isenção de contribuição para a ADSE estava indexado ao salário mínimo, mas o Governo mudou as regras no final do ano passado: o limite passou a estar fixado em 635 euros.

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O aumento contínuo do salário mínimo nos últimos anos também levou a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores a encontrar alternativas de indexantes que servem de referência para calcular ou atualizar escalões contributivos. Até 2018, o indexante base usado para fixar esses escalões era o salário mínimo, mas a referência passou a ser um indexante contributivo atualizado com base no índice de preços ao consumidor.

Economista alerta para potenciais aumentos nos preços da restauração e hotelaria

Há outros domínios onde o aumento do salário mínimo também se pode repercutir, embora não de forma automática. Tudo dependerá da decisão das empresas de fazerem refletir o aumento dos custos salariais no preço final. Em conversa com o Observador, o economista da Universidade do Minho João Cerejeira indica que o aumento do salário mínimo pode ter efeitos nos preços finais pagos pelo consumidor nalguns setores, como a restauração ou a hotelaria, menos sujeitos à concorrência internacional.

“É natural que aumentem os preços na restauração, na hotelaria — setores que empregam muitos trabalhadores com o salário mínimo —, nos serviços pessoais, como de apoio a idosos, lares, alguns serviços de saúde”, afirma.

Além disso, nota, “o aumento do salário mínimo pode criar problemas às entidades que têm contratos com o Estado — se conseguem ou não aumentar os preços dos contratos”, observa. Estes efeitos potenciais ainda não foram, porém, estudados na economia portuguesa, mas Cerejeira refere que há estudos de outros países a apontar para um aumento dos preços devido à subida do ordenado mínimo. Um deles foi feito na Alemanha, numa investigação que se debruçou sobre os efeitos nos preços e no emprego da introdução do salário mínimo nacional no país, em 2015.

“Em linha com estudos anteriores, o efeito no emprego estimado é apenas modestamente negativo e não é estatisticamente significativo. Em contraste, as empresas afetadas aumentam os preços muito mais frequentemente“, lê-se. Por outras palavras: “Em vez de reduzirem o emprego, as empresas afetadas estiveram mais propensas a aumentar os preços para absorver o aumento da folha de pagamentos.”

Este efeito apenas se materializará se as empresas optarem por repercutir no consumidor o crescimento da despesa com salários, mas poderá ser difícil destrinçar, no contexto atual de subida dos custos de produção e de energia, que custos ao certo influenciaram a subida de preços.

Há, de facto, vários fatores a ter em conta. João Cerejeira também lembra que a primeira subida do salário mínimo depois de um hiato, em 2015, foi acompanhada pela descida do IVA na restauração de 23% para 13%. “Uma coisa pode ter compensado a outra“, afirma.

Segundo João Cerejeira, há ainda uma “grande dúvida” sobre o efeito nas empresas exportadoras que “não conseguem transmitir o aumento do custo [com pessoal] nos seus preços porque estão sujeitas à concorrência internacional”, como as empresas do setor têxtil, do vestuário ou do calçado, com uma forte presença do salário mínimo.

Aliás, as confederações patronais pedem compensações para as empresas pela subida da remuneração mínima, com a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) a sugerir medidas dirigidas às empresas e aos setores mais “fragilizados” e expostos à concorrência internacional. A possibilidade de avançar com essa compensação foi assumida pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, após a reunião da concertação social desta terça-feira.

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Só que a compensação às empresas “só se destina a quem está empregado”, lembra Cerejeira, e os efeitos também são visíveis nas contratações. “Aliás, há estudos que mostram que afeta mais as contratações do que os despedimentos”, refere.

O aumento do salário mínimo também funciona como um “impulso para o encerramento de empresas que não são viáveis”, o que permite “libertar recursos, nomeadamente para outras empresas mais viáveis”, resume Cerejeira, com base num estudo que realizou com outros quatro economistas (Fernando Alexandre, Pedro Bação, Hélder Costa e Miguel Portela).

A redução da pobreza e o fosso cada vez mais estreito entre o mínimo e o médio

João Cerejeira salienta ainda a importância do salário mínimo na redução da pobreza em Portugal, mas lembra que Portugal é o segundo país da Europa, depois da Hungria, com uma maior proximidade entre o salário mínimo e o mediano (os dados mais recentes são de 2017, da Organização Internacional do Trabalho).

Aliás, num estudo divulgado recentemente, o economista Eugénio Rosa (afeto à CGTP) defendeu que a “distorção salarial” está a fazer com que o salário mínimo represente uma proporção cada vez maior no salário médio, e já chegou a cerca de 67,3% da remuneração média. Segundo dados do Governo, em junho deste ano a remuneração média de base mensal fixou-se em 1.022,3 euros, enquanto o salário mínimo estava nos 665 euros.

Cerejeira também argumenta que as políticas públicas devem ter um papel na redução do fosso entre salário mínimo e mediano, nomeadamente através do redesenho da tributação do trabalho em Portugal.

De acordo com o documento distribuído aos jornalistas esta terça-feira, em junho de 2021 havia 880 mil pessoas abrangidas pelo salário mínimo nacional, o que representa 24,6% dos trabalhadores por conta de outrem. O Observador questionou o Ministério do Trabalho sobre o número de trabalhadores abrangidos pelo novo valor do salário mínimo, mas não obteve resposta.